| 
             
            
            Ronald de Carvalho 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Advertência
             
             
             
            Europeu! 
            Nos tabuleiros de xadrez da tua aldeia, 
            na tua casa de madeira, pequenina, coberta de hera, 
            na tua casa de pinhões e beirais, vigiada por filas de cercas 
            [paralelas, com trepadeiras moles balançando 
            [e florindo; 
            na tua sala de jantar, junto do fogão de azulejos, cheirando a 
            [resina de pinheiro e faia, 
            na tua sala de jantar, em que os teus avós leram a Bíblia e 
            [discutiram casamentos, colheitas e enterros, 
            entre as tuas arcas bojudas e pretas, com lãs felpudas e linhos 
            [encardidos, colares, gravuras, papéis 
            [graves e moedas roubadas ao inútil 
            [maravilhoso; 
            diante do teu riacho, mais antigo que as Cruzadas, desse teu 
            [riacho serviçal, que engorda trutas e 
            [carpas; 
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Europeu! 
            Em frente da tua paisagem, dessa tua paisagem com estradas, 
            [quintalejos, campanários e burgos, que 
            [cabe toda na bola de vidro do teu 
            [jardim; 
            diante dessas tuas árvores que conheces pelo nome- o carvalho 
            [do açude, o choupo do ferreiro, a tília 
            [da ponte — que conheces pelo nome 
            [como os teus cães, os teus jumentos e as 
            [tuas vacas; 
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Europeu! filho da 
            obediência, da economia e do bom senso, 
            tu não sabes o que é ser Americano! 
            Ah! os tumultos do nosso sangue temperado em saltos e disparadas 
            [sobre pampas, savanas, planaltos, 
            [caatingas onde estouram boiadas tontas, 
            [onde estouram batuques de cascos, tropel 
            [de patas, torvelinho de chifres! 
            Alegria virgem das voltas que o laço dá na coxilha verde, 
            Alegria virgem de rios-mares, enxurradas, planícies cósmicas, 
            [picos e grimpas, terras livres, ares livres, 
            [florestas sem lei! 
            Alegria de inventar, de descobrir, de correr! 
            Alegria de criar o caminho com a planta do pé! 
             
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            Europeu! 
            Nessa maré de massas informes, onde as raças e as línguas se 
            [dissolvem, 
            o nosso espírito áspero e ingênuo flutua sobre as cousas, sobre 
            [todas as cousas divinamente rudes, onde 
            [bóia a luz selvagem do dia americano! 
             
             
            Publicado no livro Toda a América (1926). 
            In: CARVALHO, Ronald de. O espelho de Ariel e poemas escolhidos. 
            Pref. Antônio Carlos Villaça. Rio de Janeiro: Nova Aguilar; 
            Brasília: INL, 1976. p.187-188. (Manancial, 44) 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
               |