Rita Brennand
Sons da terra
mutante
Sinto-me como em delírio
mas o som traz em seu bojo
muito mais do que isso:
rupturas, fendas, fantasias,
devaneios, intensidades,
ora esvaziamentos,
quase se chegando ao torpor,
ao nada ...
Me desenho em um arco-íris.
Os sons me chegam coloridos,
deslizando o sol, anunciando
o rio.
Cobra líquida, penetro
no tempo
da mata, rasgando-me
nesse turbilhão de folhas e cipós,
enredando-me
nas malhas sonoras, estridentes,
dos cantos dos pássaros,
que, lançados como setas certeiras,
tingem de sangue meu dorso,
que se enrodilha, se contorce, estala,
anunciando
a cascata.
Rio, arco íris, estilhaço-me
em caleidoscópio mutante,
e, espalhando-me
Em asas coloridas,
anuncio
o vôo.
Agora rio revoada caótica,
organizo-me em flechas rimadas,
migrando setas de fuga,
anunciando o caminho dos pássaros,
caminho do vento gozoso.
Flechas sibilando
rasgando os espaços fluidos.
Somos a pulsação
das marés baixas, silenciosas.
Deslizamos em vôos rasantes
sobre o cinza espelhado e liso
dos mares adormecidos.
mudamos nossa rota
à procura
do sol
Somos pássaros-matilha
inseminados de luz.
Já agora, das alturas, nos chegam sons,
como se o universo todo estalasse
em sinos.
Flutuamos.
Nos adentramos no não-tempo.
Então somos gritos
anunciando a paisagem.
O vento nos enrodilha num vôo só
de aterrissagem!
As arvores em algazarra de folhas,
transmutam-se em ninhais
e a zoeira agora é só um balbucio,
uma toada branda,
o sussurro do anoitecer,
o acontecer de cios.
Rita Brennand, Ainda há vida no
Sertão
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