Nauro Machado
Travessia sem fim
Paul Auster, ao fazer da fome (via
Kafka) a metáfora incisiva da arte literária, traçam em páginas
imortais a trajetória de um pequeno (grande) equilibrista, por ele
conhecido numa das suas longas estadas em Paris.
Várias e outras sempre renovadas
metáforas são usadas para conceituar o fazer, fazendo-se de uma
contextualização a implicar o somatório talvez mais trágico de um
destino humano.
Weliton
Sousa Carvalho, réu sem culpa de um "precesso" desenvolvido à
revelia da homônima novela do genial romancista de Praga, abandona,
temporariamente, sua toga de juiz, para se inculpar na sua condição
de poeta e, portanto, duplamente culpado, se visto à luz da
engrenagem mercantilista da nossa contemporaneidade.
Para ele, o poema, página em
branco onde há de inscrever-se o código de uma linguagem
dessemelhante da que lhe é usual, é como uma "travessia
sem fim", o que denota, logo no seu primeiro livro, o rito de um
"sursis" que eu diria permanente: aquele que lhe dá condições de
buscar uma saída, além daquela, por ventura, aberta pelas leis
codificadas de uma sociedade quase sempre injusta.
Sei como é difícil falar sobre a
estréia de qualquer poeta. Várias questões podem ser postas, ainda
que no plano estritamente humano de quem se inicia, fazendo do seu
canto a viagem inaugural de um percurso, muitas vezes, sem retorno.
O que me chamou atenção nessa
poesia, logo à primeira leitura, foi notar a ternura por ela imposta
sobre coisas às quais o flagrante - que eu diria fotográfico do
olhar - dissocia da sua condição de clareza ou sujidade urbana.
Por ser uma poesia quase objetiva,
acionada pelas forças do cotidiano, este primeiro livro nos mostra,
sem dúvida, uma nova e autêntica voz perquiridora do real, em versos
que denunciam um talento real e capaz de enriquecer a mais nova
poesia maranhense.
Entre o Silêncio e a Recordação,
Weliton revela a maturidade do seu canto, em versos incisivos e de
grande beleza. Sabendo que "na sala de estar permanecemos graves /
como a mesa, o quadro / o verniz roubado pelo tempo /, naquele
"silêncio insuportável" e denunciar "a finitude dos homens e das
coisas" e de que "tanta coisa apodrece / assim como a hora dentro do
dia / assim como um homem no peitoril", ele também é capaz de
afiançar a verdade última (ou primeira?) de que, se "tanta coisa se
perdeu", o que é eterno, como a poesia daquele "rosto de mulher que
a primavera não esqueceu", é uma resposta à nossa angustiadora
pergunta de homens temporais. Donos, contudo, da nossa grande,
imensa esperança de homens a quem a Poesia salva para o testemunho
milenar da própria História.
Alguns poemas deste livro
NASCIMENTO
Em
manhã de novembro e sol
cortaram meu umbigo:
uma
ferida foi exposta
de tal maneira ao mundo
que o
tempo não pôde curar,
só contaminar de lembranças.
SILÊNCIO
Na
sala de estar permanecemos graves
como a mesa, o quadro, o verniz roubado pelo
tempo.
Faz um
silêncio insuportável
a finitude dos homens e das coisas.
TESE PARA EXPLICAR O AMOR
Era
delicada,
olhos claros:
[...]
Simplória como o amor.
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