Wilson Martins
não está mais em O GLOBO
Não sei os motivos, nem quero sabê-los: a
coluna de Wilson Martins não foi publica neste sábado em O GLOBO. WM
já não pertence aos quadro de O Globo.
O jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, PR,
continuará publicando-a.
O Jornal de Poesia também.
Soares Feitosa.
1º.8.2005
Monumento
editorial
Eis o percurso sucinto de um tratado
que honra e enobrece nossa história intelectual: “Escrito
originalmente como tese de doutorado em 1970 – 1975, este
livro foi revisado e editado em inglês em 1982, ano do
centenário do nascimento de Monteiro Lobato; a sua atualização
corrigida apareceu em português em 1985. Agora, vinte anos
depois, sai a nova edição: a segunda em português, mas para o
autor a quarta versão” (Laurence Hallewell. O livro no Brasil:
sua história. 2.ª ed., rev. e amp. Trad. Maria da Penha
Villalobos/Lólio Lourenço de Oliveira/Gerson de Souza. São
Paulo: EdUSP, 2005).
Apresentando-a, ele recorda a
observação de Tácito, segundo a qual “quinze anos constituem
muito tempo, bastando para as crianças tornarem-se homens, os
homens jovens fazerem-se maduros, os maduros envelhecerem e os
velhos morrerem […]. Na indústria e no comércio do livro, as
multinacionais fugiram quase todas […] agora estão voltando
[…].” Estão voltando até demais, no momento em que reaparece o
livro de Hallewell, confirmando ao mesmo tempo a globalização
e a aceleração da história, duas realidades que as almas
sensíveis se recusam a aceitar. Praticamente, todas as nossas
grandes editoras comerciais estão ou em vias de estar sob o
domínio de multinacionais, repetindo o que de há muito vinha
ocorrendo em outros países. Nomes de firmas tradicionais e
respeitadas, que deixaram a sua marca na história da edição,
estão agora encobrindo a realidade dos conglomerados, na
França, nos Estados Unidos, na Alemanha, condição única de
sobrevivência: o trabalho editorial, que já era e sempre foi
uma indústria envergonhada, assumiu abertamente em nossos dias
a condição de indústria propriamente dita e conseqüente
internacionalização.
Os editores de antiga definição
tornaram-se funcionários de empresas que administram pelo
rígido princípio de custo/benefício, numa atividade em que,
por natureza, os benefícios raramente correspondem aos custos
envolvidos. Daí a fórmula editorial predominante: só se
publicam livros de garantido retorno financeiro, dependendo,
na melhor das hipóteses, da contribuição aleatória do mecenato
institucional. Estamos, cada vez mais, no mundo dos
denominados best-sellers, expressão cujo sentido real é
praticamente um ato falho. Valorizam-se os escritores não pelo
gabarito literário, mas pelo número de exemplares vendidos,
para o que concorrem com tanta inocência quanto
irresponsabilidade os meios de comunicação: avalia-se o
público da literatura pelo máximo denominador comum, de
exigências decrescentes na escala da qualidade.
Para
homenageá-lo no centenário de nascimento, o livro de Hallewell
foi pensado e escrito sob o signo de Monteiro Lobato, célebre,
justamente, por ter sido o primeiro editor brasileiro de
orientação deliberadamente comercial (no que malogrou, sejam
quais forem as racionalizações que procuram justificá-lo). A
ironia da história situou-o, seja adiante do seu tempo, como
precursor do conceito globalizado de edição, seja fora de
todos os tempos, orientando-se por idealizações determinadas
pelo gabarito das classes cultas da época. Entregando-se à
produção e venda de livros, “Lobato logo se deu conta de que o
mais sério problema que o livro enfrentava no Brasil era a
falta de pontos-de-venda: com pouco mais de trinta livrarias
em todo o país, dispostas a aceitar livros em consignação […]
seu primeiro passo foi aumentar os possíveis pontos-de-venda
para perto de duzentos, utilizando a rede de distribuição da
Revista do Brasil” – história contada inúmeras vezes e que não
é necessário repetir.
Hallewell põe em exergo a
declaração de que era “um editor tradicional” – exatamente o
que não era, nem poderia ser, editor que imaginou
“pontos-de-venda” pelo Brasil afora entre farmacêuticos e
agentes do correio, cuja maior parte jamais prestou contas,
nem devolveu os exemplares mandados em consignação. O “caso”
Monteiro Lobato é mais complexo e contraditório do que pensam
admiradores e detratores, uns e outros simplificando
polarizações que não raro chegam à injustiça, se não à má-fé
pura e simples. No que se refere às atividades práticas, há
episódios semelhantes às de Balzac, conforme observei em
palavras que Hallewell me faz a honra de transcrever com
aprovação. “Lobato é um extraordinário raté, um raté de gênio,
que realizou tudo o que desejava, porque para ele a realidade
começava e terminava dentro dos limites da idéia. Mostrar o
que podia ser feito, o que devia ser feito, e lutar até o
momento da aceitação das suas idéias, realizando apenas o
indispensável para convencer os adversários e os descrentes, e
deixando aos outros a exploração sistemática e organizada de
tudo”.
De Antônio Isidoro da Fonseca aos editores
contemporâneos, passando por Paula Brito e por Garnier, por
Francisco Alves e Bertaso, por José Olympio e Ênio Silveira, a
história do livro brasileiro é, afinal de contas, uma história
de que nos devemos orgulhar, assim como é motivo de orgulho a
magnífica edição da Universidade de São Paulo. Hallewell
tratou a matéria em alto plano de seriedade historiográfica e
incomparável afinidade com nossa vida intelectual. Não menos
valiosa é a atualização a que procedeu, acrescentando novos
capítulos à edição original (“Na época da ‘abertura’”, “Na
Nova República”), assim como tópicos subsidiários, sem
esquecer os livros para crianças (atividade comercial de
substanciosos rendimentos) e para cegos, empresa humanitária
que mereceria maior reconhecimento.
Os observadores de
nossa vida pública e dos homens que a representam só podem
encarar como ironia involuntária as Propostas para os
candidatos à Presidência da República, apresentadas pela
Câmara Brasileira do Livro em julho de 2002, “enfatizando a
natureza abrangente do livro, com interfaces não apenas com a
cultura e a educação, mas também com a política de
desenvolvimento industrial, com a política do trabalho e
emprego e com a política de desenvolvimento e tecnológico
(inclusive em setores como saúde, combate à pobreza e meio
ambiente), propõe-se a criação de ‘um organismo de âmbito
nacional para o desenvolvimento e aplicação de uma política de
Estado para o livro e para a leitura’”. Esse “organismo” já
existia, continua existindo e chama-se Ministério da Cultura,
cabendo perguntar se os seus sucessivos titulares jamais se
interessaram realmente em implantar uma “política de Estado
para o livro e para a leitura”.
Wilson
Martins
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