O romancista Carlos Emílio C. Lima
participa hoje das Quartas Literárias do
Dragão, às 19 horas, na biblioteca do MAC.
Autor de onze livros, Carlos Emílio dará um
depoimento de sua obra. Leia a seguir
resenha do mais recente livro de Carlos
Emílio, “O romance que explodiu”
Carlos Emílio Corrêa Lima tem cadeira cativa
entre nossos prosadores mais densos e
dotados de imaginação. É criador que conduz
a narrativa num crescente magnetismo verbal
que, apesar da nebulosidade dos enredos,
acaba por atrair e atar o leitor com seus
sortilégios e elasticidades semânticas, nos
domínios do fantástico, do surreal e do
órfico.
Será mesmo conto o que ele reúne em O
romance que explodiu? Poemas em prosa? Ou se
trata de um romance fragmentado em
iluminações de sentido poético-existenciais?
Dentro dessas suas circunvoluções
labirínticas, o autor não deixa também de
abordar alguns problemas que envolvem a arte
contemporânea, nas fronteiras borradas ou
voláteis dos gêneros frente a um mundo que
vive estranhas simbioses.
Nesse passo, podemos dizer, grosso modo, que
existem duas grandes vertentes na literatura
brasileira, ou seja, a dos realistas
simbólicos, família espiritual que tem no
Machado de Assis de Memórias póstumas de
Brás Cubas seu melhor representante, e a dos
simbolistas órficos, nas sendas do Guimarães
Rosa de Grande sertão: veredas. E esta
última vertente alcança ocasionalmente certo
tom crepuscular ou gótico (frutos do
Decadentismo, dirão alguns), como no Raul
Pompéia de O Ateneu, seguido pelo Lúcio
Cardoso de Crônica da casa assassinada, a
Clarice Lispector de A maçã no escuro, o
Walmir Ayala de À beira do corpo, o José
Alcides Pinto de Tempo dos mortos, entre
tantos outros. Nessa classificação, digamos,
operacional, teríamos até figuras
confluentes, a exemplo de Pedro Nava, que em
certa medida pode ser visto como um amálgama
estilístico de Machado, Raul Pompéia e
Guimarães Rosa.
Em suas anotações de diário, reunidas em O
observador no escritório (1985), Carlos
Drummond de Andrade escreveu sobre Guimarães
Rosa (a sete de março de 1961) algumas
linhas que podem eventualmente servir de
ilustração ao parágrafo anterior: ´Encontro
casual com Guimarães Rosa, na rua. O
assunto, no começo, é literatura, mas logo
deriva para o mistério de tudo, que ele
considera com um misto de gravidade e
alegria. Sorri, ao dizer coisas assim: ´A
realidade, para mim, é mágica. Este simples
encontro que estamos tendo agora não
aconteceu por acaso; está cheio de
significação´. Sorrio também, ignorante´.
No panorama sugerido, Carlos Emílio Corrêa
Lima pertenceria ao segundo grupo, dos
simbolistas órficos, dos escritores
assistidos pelos encontros mágicos que, é
claro, parecem nunca acontecer por acaso.
Está sempre com um pé no que há de
fantástico ou sobrenatural no mundo ou, como
disse outro poeta, transitando na alta
alucinação da provada beleza. E escreve
ficção como Jorge de Lima, Hilda Hilst e
Vivente Franz Cecim, trabalhando com
densidade poética enredos fluídos, tênues,
nos quais ressalta acima de tudo o poder
encantatório e mágico das palavras.
Lembremos aqui o que disse Leo Gilson
Ribeiro a respeito da prosa de Hilda Hilst,
ao anotar que ela carrega ´involuntariamente
um estigma: o de nunca talvez vir a ser
popular, agradável, acessível´. Estigma que
acompanha igualmente a prosa de Carlos
Emílio Corrêa Lima, desde seu primeiro
romance, A cachoeira das eras (belo livro
que, diga-se de passagem, merece reedição),
em 1979, depois com Além, Jericoacoara (o
observador do litoral), em 1982, Ofos, em
1984, Pedaços da história mais longe, em
1997, e agora com O romance que explodiu
que, como o volume de Ofos, reúne contos.
Publicou ainda, em 2002, o ensaio Virgílio
Várzea: os olhos de paisagem do cineasta do
Parnaso, no qual aborda o cultor de um ´tipo
de conto aparentemente sem muita ação,
urdido com as potências telúricas e
oceânicas do descritivo´. Nota-se claramente
que Carlos Emílio Corrêa Lima, quando
abordou a obra de Virgílio Várzea, esteve a
considerar sobre um espírito afim, e aí
reside uma das tantas qualidades do seu
ensaio, ao qual ele dá envergadura
semelhante ao da ficção.
Nesse aspecto, em alguns de seus contos o
autor de O romance que explodiu não raro
compõe uma alegoria de seus próprios passos
como ficcionista dentro do que chama de
´neo-simbolismo submarino: o néo-simbolismo
aquanauta submarinho´. Ele escreve de fato
por ´sucessões de frases-pousos, mas tudo ao
acaso, sem planos, sem seqüência, apenas
sabendo-se que depois de um certo período de
séries escritas, todas as linhas do papel
almaço estarão preenchidas, a página
completamente cheia de todas as frases que
você compôs aos pousos de sua mão com a
caneta e o lápis arcaico, exato-antigo, em
diferentes instantes-regiões´. Assim, ´de
posse de um silêncio ocado e profundo´,
engendra um conto longo cujo título é
´Pousando poesia na terra nova, uma
introdução ao Pousicionismo (landing poetry):
a estética dos pousos. Um diálogo com o
poeta Joseph Clifford Hantley Holland´. No
entanto, escritor por impulso e investido de
imaginação hiperbólica, seus melhores
momentos parecem antes estar nos contos
curtos, a exemplo de ´Eles´, que é sem
dúvida página antológica da moderna
literatura brasileira. Há aí a fixação de um
enredo, embora tratado com aquelas boas
doses de abstração em que Carlos Emílio
Corrêa Lima é mestre. Uma entre as tantas
facetas de um escritor incomum.