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 			Três jovens poetas goianos conversam com Soares Feitosa 
                                  
     
			Carlos Willian Leite, Fracisco Perna Filho e João Aquino Batista, 
			três jovens poetas goianos, entrevistam o editor de poesia, Soares 
			Feitosa. Goiânia-Fortaleza, em 5.3.2005, por email: 
                                         
     
            1. Chico Perna
             - O Nordeste tem-nos brindado com que há de mais consistente
na              poesia brasileira, basta citarmos Gerardo Mello Mourão, Joaquim
             Cardozo, Ascenço Ferreira e, é claro, o senhor. Há uma predestinação
             do nordestino para poesia?                      
     
            SF:
             Retomemos a Caverna de Platão: onde seria mais fácil fazer poesia,
             lá, do lado de dentro ou do lado de fora? Presumo que mais fácil
             seja para quem frequenta os dois lados ao mesmo tempo. Aqui,
             Nordeste, este excesso de luminosidade, lado de fora; a desesperança, 
            terra de águas curtas, lado de dentro. Tragédia e glória,
portanto,              emparelhadas dia e noite – deve ser isto. Desconfio
que temos,              nordestinos, algo a ver com a cultura judaica: a
certeza da              inclemência, o tempo, o solo; a certeza de nossa feiúra 
			— somos feios, sim, baixinhos, atarracados, disformes; e, em paralelo a certeza do estudo
como caminho              estreito da redenção. Uma porta estreita, muito
estreita. Por isto              mesmo, desde o Brasil colonial, as redações
do País estão repletas              de nordestinos. Aqui, o cabra, ou estuda
ou desce. Não há              alternativas. E, por favor, meu caro Chico
Perna, trate-me por você,              a não ser que o distanciamento jornalístico
o imponha.               
                                   
     
            2. João Aquino
             - Quais os ícones da poesia nordestina você destacaria hoje?                      
     
            SF:
             Pegaria muito mal para mim, editor de poesia, no Jornal de Poesia,
             mais de três mil poetas, sair por aí fazendo escolhas, porque
se              escolhas fosse fazer, o JP seria apenas de Castro Alves,
ele, lá em              cima, sozinho, emparelhado com Nosso Senhor Jesus
Cristo. Contudo,              não posso negar minha mancebia com Gerardo
de Mello Mourão e              com o Galo-Galo de Ferreira Gular.
O Poema Sujo bem              que poderia ser um estupendo poema não
fosse a pornografia, o c*zinho              azul do poeta que nem sei se
é tão azul assim. Nem quero saber.              Jamais o imaginei, nem a
ele nem a ninguém, com esse produto, c*,              azul, preto, vermelho
ou roxo. Tenho certeza de que leitor algum              necessita levar em
conta os odores do c* gularteano para gostar ou              desgostar da
poesia dele. Tenho que a pornografia e o palavrão nada              têm a
ver com Arte. Incompatíveis, eu acho. No meu tempo de Cidade            
 da Bahia lançaram, com patrocínio público, um CD do Gregório de        
     Matos, que teria sido um magno poeta, não lhe fora a boca imunda.  
           Pois bem, uma senhora de idade, até muito distinta, recitava aquela
             chuleria do Gregório, na Academia de Letras da Bahia, um fim
de              tarde, as ruas apinhadas, os colegiais nas paradas de ônibus
bem em              frente; a irradiadora da ALB a todo volume, que muito
bem daria para              escutar em todo o trecho do bairro da Piedade,
e ela, a anciã,              enchendo a boca de caralh* e grel*. Confesso-lhe,
meu caro poeta              Aquino, fiquei com muita pena daquela senhora,
que, já de terceira              idade, descambando para a quarta, desconfio
nem soubesse o              significado daquilo tudo. Poeta Aquino, temos
que fazer uma campanha              em prol do palavrão! Veja, no momento
em que o palavrão ganhar foros              de linguagem social, simplesmente
terá deixado de ser palavrão, o              que, para o palavrão, será uma
perda irreparável. No meu tempo de              jovem, porr* era um palavrão
que não tinha tamanho. Começaram a              dizer “pô”, mas nada a ver
com o estouro de um saco de pão, de papel,              seco, quando a gente
aperta-lhe a boca e bate-o com as mãos, melhor              com o pé: pô!
Do “pô”, descambaram para porr*, que hoje freqüenta os              melhores
ambientes, talvez até nos sermões os padres já o digam. Eu              não
digo, mas é de puro respeito ao instituto do palavrão. Até              senhoras
de idade dizem “caracas!”, não na intenção do sobrenome de              algum
cristão, mas no sentido chulo, do Gregório de Matos, como              aquela
senhora recitava-lhe «carvalho» subtraindo-lhe o “v”. Agora             
mesmo, Ivo Barroso e Wilson Martins despacharam uma bela              lapingonchada
no lombo do Cristóvão Tezza, porque ele teria              vulgarizado o
palavrão, de tanto usá-lo à-toa, em livro recente.              Veja, meu
caro poeta Aquino, o palavrão há de constituir zona de              segurança,
um refúgio a ser utilizado só em absoluto desespero,              quase in
extremis. Se banalizar, na hora do sufoco vai-se              usar o
quê? Tiros, certamente, como o fez o ***. Ele              matou
seca e silenciosamente, sem dar uma palavra, o vigia do              bar,
que o impedira de entrar depois do expediente. Se              aquela nobilíssima
autoridade, depois do proverbial «Sabe com quem              está falando?!»,
tivesse destampado a parte imunda que todos nós temo-la, e coberto
aquele vigia de palavrões bem cabeludos, quem              sabe, a má índole,
lá nele, se dissipasse. O Tezza seria              culpado? Bom, não
deixa de ser interessante essa teoria              conspiratória. Vá ver,
tem o dedo da CIA, do FMI ou do comunismo              internacional. É muito
triste constatar que já não dispomos de um              respeitável estoque
de palavrões para descarregar a violência. Em              vez de descarregá-la
aos palavrões, descarregamo-la no revólver,              tiros à queima roupa
e pelas costas, na cabeça desses vigias mais              insolentes. Isto
mesmo, cadê o palavrão?! A literatura o banalizou.              Os Tezzas
do trecho escrevem palavrões como quem come pipoca com              coca-cola,
e ainda justificam que teria sido para dar ênfase, uma              falta
de criatividade, evidentemente. Fica lançado nesta entrevista,          
   meu caro poeta João Aquino, o              MPP, Movimento Pró-Palavrão!
             Há outra coisa da minha ojeriza em literaturas e literatices:
o tal              poeta demolidor, maldito, transgressor, perverso, essas
bobagens.              Prefiro os terroristas, sobretudo os suicidas, que,
pelo menos, são              coerentes. E honestos. Outro dia, fui ver um
livro de transgressores.              Corri-lhes os nomes nos antecedentes
criminais dos “sites” da              Justiça. Transgressores coisa nenhuma!
Muito pelo contrário,              pacatabilíssimos cidadãos, amantíssimos
pais de família, sequer              cheques sem fundos soltam na praça.
CPF e Carteira de Motorista              religiosamente em dia! Muito menos
matam criancinhas, nem vigias de              supermercado. Transgridem o
quê? A paciência do leitor, certamente.              E o feijão, às bocadadas, transgridem-no.                       
     
                                   
     
            3. Carlos Willian Leite
             – Em qual Igreja o senhor reza?                      
     
            SF:
             Não há, no mundo ocidental, literatura fora da Bíblia. Não sou
             religioso, nem ando rezando em igreja alguma. Há muitos anos,
mais              de vinte, não boto os pés numa igreja, embora tenha sido
seminarista              e venha de família muito religiosa, de pai e mãe.
Minha avó paterna              era tão rezadeira que jamais pronunciava “culher”,
mas “còlhér”.              Cueiros? Nem pensar! Ela dizia: “os paninhos da
criança”. Fui passar              uns dias por lá, tinha uns seis ou sete
anos, e disse-lhe que queria              cag*. Foi um escândalo! Ela disse:
«Meu neto, o certo é defecar! Sua              mãe não ensinou?!» E, no ato,
me entregou um sabugo (material de “limpeza”)              e me encaminhou
ao matagal com uma tia que ficou de costas, lá de              longe. Tão
logo voltei do mato (lá no sertão, a privada é nos matos              mesmo,
numa moita, um suíno por perto, corrronche, corrronche,          
   uma temeridade!); pois bem, mal retornei da “precisão”, já era de    
         tardezinha, a avó ensinou-me o Ângelus, que depois aprendi em latim
             e esqueci em português. Retomando o tema da pergunta: Se é a
             igreja-igreja, considero-me bíblico, de leitura cativa, a minha,
ali              debaixo da rede, de ler e reler todos os dias. Tenho várias
             traduções a comparar o tempo todo, com preferência à Bíblia
de              Jerusalém e à magnífica edição de João Ferreira de Almeida,
um              clássico lusitano, do ramo protestante. Por favor, repito:
não sou              religioso, nem leio a Bíblia em nome da fé. Leio-a como
suprema              poesia de nossa vida nesta banda do mundo. Toda a poesia
do Ocidente              está lá. Devia ser livro texto obrigatório em qualquer
escola de              literatura, do primeiro ao último ano. Fico com muita
pena quando um              poeta me diz que não conhece a Bíblia. E o Corão.
Claro que o Corão              também tem que ser lido, relido e admirado.
Aquilo também é pura              poesia! Todos os grandes escritores são
bíblicos, de Dante a T. S.              Eliot; de Kafka a Harold Bloom. Chico
Pires, o bardo inglês? Ninguém              mais bíblico que Chico Pires!
Hobbes, Milton, Mann, Frye, Graves,              Borges, Eco e mais uns poucos,
os de larga estirpe, é claro. O              Menino, assim me refiro
a Castro Alves, era bíblico. Um poeta da              Bahia, Carlos Eduardo
da Rocha, já falecido, publicou um opúsculo              com as citações
bíblicas de Castro Alves. Agora, se a pergunta é no              sentido
de igreja-igrejinha, a resposta é: frequento a igreja dos              meus
amigos. Se é amigo meu, tenha certeza, é grande poeta. Se mau           
  poeta, fujo dele como o cão-demônio foge da cruz de Cristo. Aliás,    
         fugia. Hoje foge a acudir meus inimigos, os maus poetas, que nem
os              tenho.               
                                   
     
            4. Chico Perna
             - O senhor só escreveu o primeiro poema aos 50 anos. Diga-nos
uma              coisa, como foi comportar um poeta - da sua envergadura
- adormecido              durante tanto tempo?                      
     
            SF:
             Dou balanço duplo: (i) na minha rede, comigo dentro dela; (ii)
na              minha cachola, eu do lado de fora. Não houve uma brutal mudança
na              minha maneira de “ver” as coisas. Sempre fui, desde menino,
muito              cutucador de coisas, sovacos e dobradiças. Ah, meu caro
Francisco,              no meu livro sem fim, Salomão, que já vai
para oito anos, há              um trecho que explica esse poetar-observar
ou seria              observar-poetar. Era jovem, uns 13 anos, lá nos matos,
a fantástica              história quando, montado num jumento, deparo-me
com uma árvore no              meio de muitas outras, e, sem motivos aparentes,
agarro-me com o              olhar àquela árvore, na passada bem lenta do
jegue. Inicialmente              quase de frente, mas o caule girando à medida
que animal avançava.              Depois, ficando para trás, a árvore, até
que, num lance de total              absorção, pufo no chão! — caí
do jegue. Levantei-me e              retornei, subindo a pé a ladeira até
o início da visada. O jegue              esperando na maior calma. Fiz o
caminho de volta, a pé, no sol              quente, até o jumento, sempre
olhando aquela mesma árvore, só aquela,              que os meus olhos não
se cansavam de olhar. Montei e prossegui nos              mesmos olhos, mas
quando a árvore foi ficando para trás, na              impossibilidade de
olhá-la melhor, porque com a cabeça muito torta              já tonteava,
num salto súbito revirei-me na sela e prossegui olhando,              agora
de frente para a árvore, mas montado de costas para a cabeça            
 do jumento. Bom, se alguém contar que já viu um caule de pau-branco,   
          este o nome da árvore sertaneja, daqui, com mais observância, tenho
             todo o direito de duvidar. Em suma, o olhar, a visada: os elementos
             de fora; em paralelo, a introspecção a trazê-los para dentro.
Sempre              pratiquei distância muito curta entre o racional e o
emocional. O              pensamento, solto-o com muita facilidade. Mas não
sou um zonzo. Pelo              contrário, no meu trabalho ligo-me com segurança
às coordenadas.              Finalizando a resposta: sempre “poetei” para
dentro, com o material              de fora. Apenas não escrevia. Gastei
50 anos nesse tirinete, só com              meus botões. Uma linha sequer,
nenhuma mesmo.                
                                   
     
            5. Carlos Willian Leite
             – O crítico Wilson Martins o definiu como um poeta lírico de
             harmônicas universais. Como é possível ser lírico vivendo na
era da              barbarização. O que restou do lirismo?                      
     
            SF:
             Ora, meu caro Carlos, não há ambiente mais propício para ser
lírico              do que em meio à barbarização. Discordo de Adorno, que
declarou que              depois de Auschwitz ninguém poderia escrever poesia.
Acho que depois              de Auschwitz é que temos o direito e a obrigação
de escrever toda a              poesia do mundo: «Glorifiquemos, estamos
vivos!» Ou: «Estamos mortos,              caiamos em contemplação!» No mesmo
arame, portanto, vida e morte, a              essência da poesia. É verdade,
quem está de barriga bem cheia ou              saciado de cama, não vai poetar
coisa nenhuma! A poesia, «fazemo-la»              «de noite», mas ela nos
aflora «no de dia». Isto tem que acontecer              sem nenhum esforço,
tal como respirar ou comer uma tapioca com              café bem quente.
Veja, preciso transcrever a opinião do crítico de              literatura,
Sébastien Joachim, um canadense, do meu tempo de Recife:              «Soares
Feitosa: quem o vê/ouve declamando seus poemas se convence              logo
de que ele é uma encarnação poética, que carrega dentro de si e         
    irradia poeticidade em estado puro». Claro que isto não pode ser de  
           afetação, nem uma coisa forçada.                
                                   
     
            6. João Aquino
             - Em Goiás nós temos vários poetas que se acham conhecidos no
             universo inteiro. Você poderia comentar algo sobre a poesia
goiana?              Qual poeta você destacaria.                      
     
            SF:
             Poeta Aquino, tenho muita dificuldade em responder esta pergunta.
             Apesar de editor de poesia, creia-me, minha leitura é muito
pouca. É              inacreditável, mas na hora em que você está diagramando
um texto na              Internet, você é apenas um “tipógrafo” a trabalhar
uma mancha              gráfica na tela do computador. Nem o tipógrafo de
papel e tinta, nem              o programador de “pages” conseguem ler nada.
Aconteceu um fenômeno              muito estranho comigo: sempre li demasiado,
mas abominei tudo que se              fez do “Modernismo” em diante. Só aos
50 anos, fui tomar              conhecimento dos Drummonds; dos Afonsos,
o Romano e o Félix, este,              por sinal, grande poeta goiano e falecido
esposo de amiga minha, a              poetíssima Astrid Cabral. Um belo dia,
já metido a “escritor”, fui à              livraria Livro 7, no Recife (morava
lá, à época, 1993 ou 1994) e              comprei cerca de dois metros de
livros de poesia. A              dificuldade de ler os “modernos” sempre
foi imensa. Era abrir o              livro e, à primeira grosseria, devolvê-lo
bem ligeiro à estante como              se fosse um escorpião ou uma lagarta
de fogo. [Não! Bandeira, não. Bandeira é poeta!] É tanta coisa para ler,              meu caro Aquino, que já não
me chegam as horas. Pior, cada dia              releio mais e mais. Acho
que é uma “vantagem” da perda de memória,              da velhice (61, eu, agora em janeiro deste 2005): a gente relê aquele              livro tão conhecido,
maravilhando-se como se fosse da vez primeira.              Seria uma forma
de ganhar uma nova “juventude”, a dos desmemoriados?              Estou achando
uma beleza! Com a palavra os Antónios Damázios, os              estudiosos
da mente.                
                                   
     
            7. Carlos Willian Leite
             – O senhor é editor do maior site de literatura da América–Latina,
             talvez do mundo, onde encontra tempo para escrever?                      
     
            SF:
             Não gasto tempo para escrever poesia, meu caro poeta Carlos
Willian.              Tempo, gasto-o num parecer jurídico, numa tese de trabalho,
do              escritório. Esclareço: fui auditor, fiscal do imposto de
renda, 35              anos, por concurso, um cabra estudioso e produtivo.
Aposentei-me e              tanjo hoje um escritório de advogados. As coisas
não se misturam.              Aliás, misturam-se todas. Sei que estou fazendo
uma peça, um mandado              de segurança, um agravo de instrumento,
essas coisas bem complicadas,              mas percebo que o “lado noite”
está aceso, ali perto, tinindo,              lampejando e faiscando. Atrapalhando,
não! Até se complementam, com              discrição, é claro. Por outra,
estou lendo um poema, uma dissertação              de literatura, e, sem
mais nem menos, chega-me uma coisa da outra              banda, a do escritório.
Tenho que anotar, num caso ou noutro, senão              esqueço para nunca
mais. Um poeta me disse que eu devia andar com um              gravador.
Deus me defenda! É coisa demais! Melhor esquecer pelo              menos
uns 90%, senão a cachola arrebenta. Ah, retomando a pergunta:           
  todos os meus poemas, por maiores que sejam, foram escritos no     
        pei-pei, ainda que varando a madrugada. Jamais tive um
             texto pendente, um telefonema para um compadre para pedir uma
rima.              O texto “chega”, quando chega, sem me tomar tempo algum.
É botar no              papel e pronto, só isto. Aliás, no computador, que
há muitos anos              escrevo direto no “Bilgueites”. O livro sem fim,
de que falei há              pouco, Salomão, inicia-se com um poema longo,
escrito de uma sexta              para o sábado. Desdobra-se em prosa, ensaio,
História, conto, fábula,              apólogo, uma coisa dentro da outra,
umas 800 páginas. O encadeamento              desse cipoal é que toma tempo,
que já não tenho nenhum. Esta              entrevista era para ter sido respondida
no mesmo dia, como garanti              ao poeta Carlos Willian no email,
mas tive que aprontar quatro              defesas fiscais da maior importância.
Dinheiro? Ele é que tem que              correr atrás de mim. O fato que
o tempo está totalmente tomado com              as letras e a fala: leituras,
muitas, jurídicas também. A complicar,              escrevo na área jurídica,
revistas especializadas do Direito              Tributário. Mas lá, por
              favor, é o Francisco Feitosa, o advogado, nada a ver com o
Soares              Feitosa, este aqui, da palavra gratuita.                      
     
                                   
     
            8. Chico Perna
             - Gerardo Mello Mourão, para falar da grandiosidade da sua poesia,
             vale-se de Ilarie Voronca, poeta romeno: Il nous vient perfois,
d’um              pays loitain (...) A poesia que Chega, não de onde se podia
esperar,              mas de onde tinha que vir. Fale-nos desse lugar, fale-nos
de              Francisco  José Soares Feitosa.                      
     
            SF:
             Poeta Chico, o assombrado com o Soares Feitosa sou eu mesmo.
Tantas              dificuldades, o suicídio do pai no mesmo dia do meu nascimento,
uma              infância difícil, mais difícil ainda a juventude, a quase
indigência              no seminário de Sobral, estudando de caridade. Depois,
na maturidade              a quebra comercial. Jamais              uma carranca,
nem a má-palavra, uma             reclamação que fosse,
uma praga ou mínima lamentação. O velho Jó? É              meu colega, tenho
certeza! Quem disse que é fácil? É fazer da vida interna
o              lema de um poema meu, Psi, a Penúltima, quando Chico Pires
diz a              uma raposa que passava por uma provação desesperada: «Eu
glorifico,              comadre! Eu glorifico, só isto!»        
                          
     
                                   
     
            9. João Aquino
             - Para você, a poesia é invenção, parto ou regurgitação?                      
     
            SF:
             Poeta Aquino, eu diria que a poesia para mim é o meu estado
             de existir. Sempre foi. O poético não me atropela, vivo e convivo
             com ele. Lembro de uma passagem de Umberto Eco, em         
   O pêndulo de Foucault,
             quando o personagem olha aquela geringonça, o pêndulo, em França,
             pra lá e pra cá, das alturas, aquele fio de aço retesado. Ele
se              assombra porque              os circunstantes não se
            emocionavam nem um pouco. Pois
bem, se é uma              árvore bem tosca, da caatinga, que um dia me enleva,
noutro dia é um              pedaço de bolo, uma perna de mulher, independente
de qualquer              chamariz de sexo; noutro é uma perna só-sexo, ou
o rosto de alguém              passante, sei lá, os punhos de minha rede,
uma buzinada lá longe,              chocalhos, coalhadas, mas, e sobretudo,
o «Passe a mão, amor!», tema              do mesmo poema, Psi, a Penúltima.
O Homem, meu caro poeta Aquino, em              sentido amplo, é meu alvo,
a minha busca. Escrever um poema para mim              é simplesmente impossível
se ele, poema, não vier chegando, assim              mesmo, no modo presente.
Tem que ser chegando; nem antes, nem              depois. Um grande amigo
meu, artista plástico e também tributarista,              Valdir Rocha, fundador
da Revista Dialética do Direito Tributário,              resolveu lançar
uma coletânea de poemas sobre as estações do ano.              Ele me disse:
Soares, mande um poema sobre a Primavera. Respondi-lhe              que não
sabia fazer um poema sobre a Primavera. Aliás, sobre coisa              alguma.
Ele, de início, até chateou-se porque choveram-lhe poemas              primaveris
na caixa de mensagem. Depois, acreditou na minha              sinceridade.
Se tiver que passar por uma prova de fogo para fazer um              poema,
sairei chamuscado, queimado, torrado, esturricado: não haverá           
  poema algum. Logo, nem é invenção, nem regurgitação. Parto? Sim,      
       mais para um parto. É chegar o poema e pari-lo inteiro, pei-pei! No
             a-te-o-tó! Percebo quando o bicho-poema está fermentando aqui
bem de              junto, mas não me avexo nem um pouco. Passo meses e meses
sem escrever nada. Aliás, passei 50 anos sem uma              única linha. Nem
lembro o que escrevi da última vez. Acho que foi              A menina afegã, há        
     bem uns dois anos ou mais. O fazer do              A Menina afegã foi        
     assustador, creia-me. À época, o fotógrafo conseguira reencontrar  
           aquela que um dia fora a jovem tão bela, do retrato. Uma coisa
             triste, acho que ele não devia tê-la exposto sofrida, envelhecida, caída.              Mas expôs e, com a exposição, a foto inicial retomou
todo o impacto,              na imprensa mundial, na National Geographic
e na TV. Ana Behrens, da              Bahia, amiga e poeta, mandou-me um
email com a foto. Aquilo deve ter              ficado pinicando na cabeça
do véio aqui, sem eu me dar conta. No              escritório, depois de
um dia terrível, já em cima da hora, corri              para a Faculdade.
De noite, levantei-me e ataquei o computador. Não              é apenas um
trabalho de texto, pois envolve também o recorte da foto,              com
todos os créditos, é claro, ao autor da foto. No outro dia, o           
  advogado Rogério Lima, que trabalha comigo, levou um grande susto     
        com A Menina Afegã,
             no ar, on line, no JP. Não acreditou. Disse que eu certamente
             estivera fazendo e refazendo aquele texto há meses. Hoje ele
             acredita. A Menina
Afegã              rendeu-me comentários de grande generosidade.
Em suma, o tempo gasto,              não o gastei; quem o gastou foi o “outro
lado”, de noite,              fermentando, fervendo, caldeando. No plano
do consciente, creia-me,              estou totalmente inocente de todas
essas presepadas. Mas é coisa              daqui mesmo, da outra
banda do quengo, sinto-a              cutucando-me todo o tempo. Se me
mudo para o lado "emocional",              esta banda de agora, do racional,
pelo menos na aparência, racional, não se desliga de todo, tal como     
        os aquecedores de gás quando apagados, aquela chama minúscula,  
           acesa, ainda que apenas latente, bem verd’azulzinha, ótima de
olhar,              um perigo de pegar, pior de cheirar.                                     
     
            10. Carlos Willian Leite
             – Entre o purismo panglossiano e as rupturas de sintaxe, existe
um              caminho do meio?                       
     
            SF:
             Se for para escolher entre o otimismo do Doutor Pangloss e o
mal-triste              de muitos poemas, prefiro a empolga. O tirinete alto,
a onda alta,             a la Álvaro de Campos. Para mim, o Fernando
Pessoa verdadeiro              é em Álvaro Campos. Salomão, o tal livro sem
fim, é tirado de uma              estrofe da Ode Triunfal, belíssima, quando
Pessoa/ Álvaro de Campos,              em 1914, ante a recém-inventada lâmpada
elétrica, coisa que para nós              já não causa mínimo assombro, escreveu
que dentro daquela maravilha              pulsavam o cérebro de Virgílio
e de Platão, e que, aqueles mesmo              átomos, de dentro da lâmpada,
iriam fazer cócegas ao cérebro do              Alexandre Magno do século
cinquenta. Finaliza garantindo que aqueles              átomos, tão fantásticos,
haveriam de trazer febre ao cérebro do              Ésquilo do Século Cem.
Em suma, com este mote de Álvaro de Campos, o              Século Cem de
Ésquilo, intento uma viagem em torno do conhecimento              milenar,
ao destempo, das mãos sobre mãos — as nossas, minhas e              vossas,
que, aqui e agora, são herdeiras e continuadoras das mãos de            
 Virgílio e de Platão, a encontrar as de Ésquilo no século cem. Se      
       vamos honrá-las, isto é outra história.               
                                   
     
            11. Chico Perna
             - Ao pensar o poema, como o poeta deve tratar o sentimento?                      
     
            SF:
             Poeta Francisco, desculpe-me responder com a mais absoluta franqueza:
             nunca pensei poema algum. Nem os que escrevi, nem aqueles que
li.              Como leitor, gosto ou detesto, sem pensar coisa alguma.
O sentimento?              Ah, o sentimento! Poema e sentimento chegam-me
ambos aos emboleus,              sem pensar, já pensados. Lembro como se
fosse hoje, botando no papel              Psi, a Penúltima, lia em voz alta,
com a garganta e as lacrimais —              mas era em silêncio! —, aquilo
que ia escrevendo na tela do              computador. Sim, o poema tem que
ser escrito em voz alta, ainda que              sem som externo algum. Desculpe-me
esta outra colocação: «Desde quê!»              Esta expressão meio cruel,
«desde quê», uso-a aqui com meus amigos              da poesia e do jurídico.
Dizemo-nos: é tudo muito fácil... «desde              quê». Montar num burro
bravo? Nada mais fácil...! «desde quê». Se              não, ou o burro está
morto, ou prepare o sedém para uma bela queda...              ou, quem sabe,
você nem caia... «desde quê» seja um bom domador de              cavalos.
Encanto-me com uma senhora negra, do laboratório onde              repito
os exames de colesterol e próstata: ela faz aquela picada na            
 veia do cristão, que fico horas e horas olhando, na minha, que até     
        acho bom, perícia que me sublima a dor; e de quem chega... olhando...
             «desde quê» naturalmente, vapo!... bem ligeira a agulhada,
os              sangues, olhando, eu, os vidrinhos bem arrumadinhos em uma
bandeja,              tudo muito limpo, afrouxa-me
o garrote              do braço, séria e meiga: Pronto! — ela diz.               
                                   
     
            12. João Aquino
             - A crítica literária é indiferente à poesia? Quais os críticos
que              merecem respeito quando o assunto é poesia?                      
     
            SF:
             Igrejas?! Aqui é legítimo falar em igrejas. Há duas correntes
             absolutamente inconciliáveis. Pró-Wilson Martins, contra Wilson
             Martins. No ambiente das letras, universidades sobretudo, a
turma do              “op cit”, essa gente que apenas cita e cita, fala muito
mal de Wilson. Na mesma proporção que fala de mal, fala
de bem de              Antônio Olinto, de Antônio Cândido, do Portella, aquele
que esteve              Ministro, de Silviano Santiago, de Luiz Costa Lima,
de mais uns 30              ou 40, desde que não seja o Wilson Martins. Os
"op-citeiros" quando              escrevem sobre crítica literária aplicam
em Cândido a patente de              O maior crítico
brasileiro, sem esclarecer como teria sido              realizado
o concurso, se é que houve algum. De pleno acordo, é excelente
o Doutor Cândido. No meu tempo de Cidade da Bahia, Ildásio              Tavares,
não tão alto, apostava com Fernando da Rocha Peres,         
    alto e elegante, quem seria, na fita métrica, o maior poeta da Bahia.
             Bom, no quesito barriga, Ildásio ganhava de dez a zero. Sim,
Ildásio              é poeta! Eu também; poeta nem tanto, mas baixote e barrigudo,
com certeza. Aqui mesmo, no              Ceará, um amigo meu, das letras,
a quem não via há uns trinta anos,              quando mostrei a ele a página
inteira do jornal              O Globo, Wilson           
  Martins falando muito de bem do filho único da velha minha mãe, ele,   
          Teoberto Landim, torceu a cara. Disse-me que aquilo não valia o
que              o gato enterra. Evidente que fui tomado de grande pena do
meu bom amigo, colega de classe no seminário, o Professor
Teoberto Landim.              Quem pensar que aquela senhora, Dona Cica-não-sei-de-quê,
aquela que teria botado, assim disseram os jornais, a rival para correr na festa do jogador, en
France,              poderia ser tomada como exemplo de desbocada, pelo
contrário, o ofidiário é aqui mesmo, nas Artes, tanto pior na poesia.
Veja a mim, aqui, um sujeito tão pacato, descendo a malho, gratuito, nos "op-citeiros",
            coitados, que              mal nenhum me fizeram! Mas ninguém faz idéia do tanto de
bordoadas que cada um de nós sai ganhando por aí. Reciprocamo-las, parece. E o
            professor Teoberto Landim? Continua meu amigo. E cliente do meu
            modesto escritório! Sabe, poeta Aquino, essa              gente que apenas cita e cita,
            vão todos perder o emprego com esse              tal de Google!
            Para que consultá-los, se o Google "cita" tudo? Assim como o pessoal
da política conseguiu ficar contra              as catracas eletrônicas porque
desempregariam os trocadores de ônibus,              temos que fazer uma
campanha para acabar com o "Google ponto com". Do contrário, de que
viverão nossos "op-citeiros"? Muito bom que o              político anti-catraca
passasse pelo menos um dia inteiro, sentado              naquela joça, ônibus,
andando de banda, sob a mira dos assaltantes. Meu terror é que o governo
            invente uma MP a demitir os tratores para              contratar carros-de-bois
que empregam muito mais, bois inclusos. Para mim,
Wilson Martins é sério, extremamente sério. E competente. Agora mesmo desceu a ripa              no
            ilustre Tezza, contra os palavrões. Não teria sido mais cômodo
            fazer que não leu? Pelo contrário, leu! E aborreceu. Concessões?
            Não consta que as faça. Jamais o vi pintado, nem a         
    ele, nem ao Tezza.
Digo-me a favor da igrejinha, mas é de              pura molecagem: tenho
a maior dificuldade, impossibilidade até, de              elogiar algo
de que não gostei. Os especialistas do elogio
trabalham fórmulas, o linguajar chavanesco-comadrial. Experimente botar um bode num lançamento, como autor:
            «Este estupendo escritor            
 universal...!», dirá o chavanesco em meio aos vivas e hurras,           
  cheio de ternura, a contemplar o caprino, ali bem calminho, de autor, fedendo e pensando nas cabras da fazenda. Se é uma lindeza?
Claro que              é, sobretudo o bode. Os críticos daqui da província?
            Engraçadíssimos! Coleciono-os. Outro dia, um saiu-se com este
            comadrial: «constrangedor e provocador; escrita madura e
            original». E mais, na mesma tirada: «atrita
            e cala». Como é? O bicho dá-lhe uma ferroada nas costelas,
            depois fica lá, ó, bem calminho, bem caladinho, só atritando...!
            Um carrapato? Não! Não era um problema sanitário, nem uma endemia
            rural; era um
            elogio. Um outro, ainda mais afoito, garantiu que o elogiado era
            portador de alexia. Fui olhar no dicionário, saí de lá
            correndo, assombrado. Nem vá, por seu favor, é coisa muito ruim, uma doença
            terrível, degenerativa e incurável. Acho que nem com a
            célula-tronco dá jeito. Pois era de glória! O melhor
            é que elogiam à margem de qualquer fundamentação técnica. O
            foro, repito, é o comadrial. Um belo foro, com certeza. Escrevem
            muito bem, são bons poetas, são jovens; quem sabe, um dia levem a
            crítica a sério. Anote aí, por seu favor: Carlos Augusto Lima e Manoel Ricardo de Lima, a
            dupla local. Já foi muito pior, todavia. Nem havia eu terminado de
            chegar em minha terra, completamente falido, livrinho meu, Psi, a Penúltima,
            debaixo do braço, um deles (Augusto) aplicou-lhe(me) uma sova de fazer
            dó. Havia um outro, o Rodrigo de Almeida, especialista em demolir
            os animais de pequeno porte, mas até com os bois, jacarés e as onças do trecho ele se meteu. Alcides Pinto, Francisco Carvalho e
            Artur Eduardo Benevides, com estes também? Sim, com todos: poeta
            armorial, o rótulo que Almeida aplicava nas costas de todo
            mundo, menos nos concretos. Desconfiei que o tal armorial bem que
            poderia ser comigo, afinal, lidávamos com açougues no
            Recife. Ora, não há açougues sem facas. Afiadíssimas. Armas...!
            Pronto! Armorial, o dono do açougue, não? Ou, quem sabe, não seria coisa
            pior?! Nunca me atrevi a perguntar-lhe o
            significado. Ele lá, de carimbo em punho, no portão do jornal,
            quem lhe mostrasse um verso, no ato a carimbada, plaft!: armorial!
            Não; nos concretos, não. Havia um suplemento literário, era só
            esperar o sábado para ler o "obituário". Um belo dia,
            ele (Almeida) pegou um poeta daqui, o Alano de Freitas, e desceu-lhe
            a lenha. Fui ler o poema do Alano e comprovei, com demonstração
            fundamentada que, pelo contrário, o poema era ótimo; o crítico,
            péssimo. E o Almeida? Consta ter-se-ia mudado das Letras para
            Economia, com meritório doutorado na Fundação Getúlio Vargas.
            Faço votos de que em breve ressurja com a patente, no mínimo, de
            Presidente do Banco Central e de grandes corporações
            internacionais. Espero que, na glória, se lembre de reconhecer que
            deve o êxito ao Alano de Freitas e, ainda que por vias indiretas,
            ao véio Chico, este aqui, o armorial dos açougues; e nos convide, a mim e ao Alano para um
            almoço e gorda premiação sem concurso. Os prefácios, meu caro
            poeta João Aquino, são necessários, fundamentais para vender o
            produto, mas ai do leitor que se fiar em prefácios. Melhor ler
            antes o miolo; só depois, prefácios e orelhas, para comparar tudo
            na calma. A matéria comporta quilos e mais quilos              de ensaios,
            bolinhos de bacalhau, teses, lingüicinhas fritas, resenhas, castanhas torradas, telefonemas,
            e cerveja.     
        Bem gelada, por favor. Convido-os, banco as despesas, menos as
            passagens. Ah, se quiser ver o tirinete contra o Alano (e a favor!),
            está aqui, basta clicar: 
            
            Alano                
                                   
     
            13. Carlos Willian Leite
             - Poesia visual é poesia?               
            SF:
             Poesia, no sentido habitual de texto de ouvir, não é não. Disse
             noutra pergunta que a poesia tem que ser escrita em voz alta.
            Poesia visual nada tem para ler, é contra os cegos, privaria Homero
            de entendê-la... A oralidade! Pode até
ser              poético o visual, se conseguir despertar o enlevo de quem
olha.              Nesse tom, tudo poderia ser poesia, inclusive a Natureza. A poesia              requer palavras, vozes, sons que trabalharão o ouvido
externo, o              ouvido médio e o ouvido interno. [Fique muito claro,
            por favor: palavras só não bastam à boa poesia! Há muito mais
            coisas, muito mais... Mas isto já seria assunto para léguas e
            léguas de cervejas, castanhas e paçocas. Se bastassem, um programa de
            computador com rimas e metro seria um estupendo poeta.] A maioria,
            "poesias", 99%, destina-se
ao ouvido              externo, boas de ouvir, ritmadas, de bom metro, mas
de conteúdo              nenhum, ouviu-esqueceu. Entrou num ouvido, saiu
no outro? Nem isto!              Bateu nas orelhas, boa de ouvir, do lado
de fora porém, dali mesmo              dissipou. Sobraria, "para
            dentro", apenas 1%? Isto mesmo, o sal, o fermento,
            quando existem... desde quê...! Estou escrevendo um ensaiote
a respeito desses três              mágicos níveis da poesia, ouvido externo,
médio e interno. Não dá              para estender por cá. O mais fantástico
nessa demonstração é indicar              que o poema verdadeiro atua diretamente
nos centros vitais do leitor, ascendendo-os, no rumo de cima (mas pode ser no de
            baixo também) e acendendo-os
como iluminação. E, por              favor, mais assombroso ainda, no poema
verdadeiro, no Navio, dentre              poucos, as rimas estão também do
lado de fora! O leitor sabe que              gostou, mas não identifica exatamente
o que, nem por quê. É lado              mágico da Arte Poética. Daí a sua
permanência; daí o lado cruel, a              impossibilidade de traduzir.
Essa impossibilidade de traduzir, ainda              bem, é apenas parcial,
posto que nos poemas-magnos não existe. Chico              Pires, o bardo
inglês, seu Hamlet é bonito e grandioso em qualquer              língua.
A Bíblia também. [Haveria, pois, aos universais, uma língua universal?! Ou
            seria por que eles escrevem fácil? Os grandes, é claro, por que a
            miunçalha faz tudo por escrever difícil, a impressionar.] Já o Corão, dizem, é absolutamente intraduzível porque     
        os sons originais fazem parte intrínseca da mensagem religiosa. Deve
             ser verdade, que livro nenhum desperta mais fascínio do que
o Corão,              ainda que o fiel nada entenda do árabe. Você já escutou,
de ouvido,              quando o sacerdote do Islã, clama, lá do alto da
mesquita,              convocando o fiel para orar? Sim, não é um escutar
            apenas de orelhas! Se aquilo é bonito? É muito bonito! Com que
            direito o operário da palavra arma-se de armas que não a palavra em sua
            força primitiva e absoluta?! Devemos pleitear um voto novo para o homem-que-fala: «Pelas musas, eu juro que minha arma será tão-só
            a palavra, ainda que entrecortada de selás, o meu silêncio». Por estas razões mesmas,
            palavra de escrever e de ouvir, não creio em garatujas, caretas e
            mungangos como poesia. Muito menos em tiros e pontapés. Como lhe
            disse, faço um ensaiote. Sem esquecer que o corpo e o gesto podem
            ser poéticos, vide Chales Chaplin e a jovem da sandália quebrada,
            desfilando ainda mais bela, mas a poesia é coisa de
            "ouvir". Poeta, desarmemo-nos! Dizem que (é)ra uma pessoa
            distinta, o juiz matador. Armou-se, arruinou, arruinou-se. Teria
            ele querido "ouvir" o estampido? Tenho que seria
            muito valioso submetermo-nos, todos, a um curso de tiro "para
            dentro", dramatizando o real, o tiro, que, a rigor, é
            "para dentro". Os surdos também? Sim, também os surdos:
            há o coice da arma, no braço, táctil; há o estertor, no chão, 
            matando. A partir
            da escola primária, não?! Sim, a crianças deviam ser treinadas
            contra a morte. Quando aprontar, avisarei. O ensaiote, por favor.
            Estou velho, misturo as coias.                 
                            
            14. Carlos Willian Leite
             - E Paulo Coelho é literatura?                                                       
   Continua          
     
 
   
                    
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