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Cyro de Mattos


 

Rio Cachoeira


Havia o fragor de espumas,
Havia o verde das vagas,
Havia o tesouro na ilha,
Havia o areal de prata.
Havia margarida nas margens,
Havia borboletas no barranco,
Havia o sol na canoa,
Havia as fotos da lua.

Havia lavadeira nas pedras,
Havia andorinhas na vidraça,
Havia areeiros na música,
Havia pescadores na fábula.

Ao menino bebedor de poesia
Que falava com os peixes no mergulho
Certamente uma miragem que havia,
Sem saber de encalhe e caramujo
Reservando o pantanal de ventania.

O rio transpira claro nessa tarde
Na voz que vem das águas sem alarde
Dizendo que no leito antigamente
O tempo conspirava no horizonte.
Se na manhã de azul era banhado
Noturno o rio mirava o bem-amado.
 



Lê Fleuve Cachoeira*
Traduction par Maysa Miranda


Il y avait le bruit des écumes,
Il y a avait le vert des vagues,
Il y avait le tésor sur l’île,
Il y avaitr le sable argenté.

Il y avait des marguerites a la bord,
Il y avait des papillons au ravin,
Il y avait le soleil dans le canot,
Il y avait des photos de la lune.

Il y a avait les blanchisseuses sul les pières,
Il y avait les hirondelles a la vitre,
I y a vait les sableurs a la chanson,
Il y avait les pêcheurs a la fable.

Au garçon qui bouvait a la poésie
Qui parlait avec les poissons dans le plangeon
Certes c’etait une mirage,
Sans savoir du mystère et d’esgargot
En gardant le marécage des vents.

Cette après-midi le fleuve transpire clair
A la voix qui vient des eaux sans étalage
En disent qui en son lit autrefois
S’il était bagné au matin bleu
Nocturne le fleuve regardait le bien-aimé.


* chute d’eaux
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andreas Achenbach, Germany (1815 - 1910), A Fishing Boat

 

 

 

 

 

Cyro de Mattos


 

Rio morto


Vejo tua face invisível
na claridade das águas,
espumas lavadeiras nas pedras
diversicoloridas de roupas.
O céu azul de nuvens mansas.
A lua derramando prata
no areal deixado pela cheia.
Eu sou aquele menino
que engoliu tua piaba
para ter o fôlego forte.
Eu sou aquele menino
que pegou tuas borboletas
nos barrancos voando em bando.
Eu sou aquele menino
que sentiu em tuas boninas
a proposta livre da vida.
Eu sou aquele menino
magro, esperto, traquino
em tua paisagem luminosa.
Não havia, amor, dúvida.
Ares sombrios e pegajosos
cobrindo tua ilha com tesouro
guardada por almas de pirata.
Nessa manhã de banho ausente,
susto nos peraus e remansos,
o sol sem vidrilhar a correnteza,
tristes meus olhos testemunham
tua descida pobre e monótona.
Tua morte lentamente com sede
inventada nas bocas de vômito...
Cachoeira o teu nome
do rio que chora água.
 



Dead river
Translation by Manuel Portela


I see your invisible face
on the clear surface of water,
washerwomen foam on the rocks
diversicoloured by the linen.
A blue sky of gentle clouds.
A moon pouring silver
on the flooded sandbank.
I am that little boy
who swallowed your piaba
so he would be full of breath.
I am that little boy
who caught your butterflies
flying on the grass islands.
I am that little boy
who saw in your daisies
the free proposal of life.
I am that little boy,
skinny, clever, restless,
in your landscape full of light.
There was, love, no doubt.
Shady and sticky air
covered your treasure island
watched by pirate souls.
In the morn of absent bath,
low tide and backwater fears,
with no sun glassing your streams,
my sad eyes watch your
poor and monotonous ebb.
Your slow death of thirst
invented in vomit mouths...
Cachoeira your river
name is crying water.
 

 

 

Maura Barros de Carvalhos, Tentativa de retrato da alma do poeta

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Francisco Brennand

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), A Classical Beauty

 

 

 

 

 

Cyro de Mattos


 

Rio Definitivo


Não me tragam o Amazonas
com o seu mundo de água
ou o Nilo e suas dádivas
mas um rio com seus remansos
nos seus barrancos íngremes
trampolins improvisados
e sua lua derramando prata
no areal deixado pela cheia
e sua ilha com tesouro
guardada por fantasmas
e suas lavadeiras nas pedras
cantiga colorida de roupas
e seus areeiros com jumentos
levando manhãs de argamassa
e seus brilhos na corrente
inaugurando a vida sem mancha
e seus meninos com o vento no peito
soprando cálido e translúcido
certamente somente esse me basta.
 



Definitive river
Translation by Manuel Portela


Do not give me the Amazon
with his water world
or the Nile and his gifts
give me a river with his backwaters
on his steep islands of grass
improvised diving-boards
and his moon pouring silver
on the sand left by the flood
and his treasure island
kept by ghosts
and his washerwomen on the rocks
coloured song of linen
and his sand sellers with their donkeys
carrying mortar mornings
and his glittering stream
inaugural stainless life
and his boys with their chests against the wind
blowing warm and translucent
only that can make me happy.

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

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Paulo Bomfim