Camilo Mota
Valparaíso
Meu bairro tem becos aonde nunca fui: escadas e portais para o velho
mundo. Contornos de tardes alemãs, cheiros portugueses, alianças de
Minas e o mistério de seus habitantes se inserem nos sentidos. Tão
velhas pedras!... Tintas descascam janelas cansadas onde a luz morna
das lâmpadas abriga casais e sonhos. É Petrópolis ou Lisboa, São
João ou Bonn? A cidade tem idiomas que nunca aprenderei, e viagens —
leve balançar em trilhos de trem, leve lembrança de fuga para o
imaginário, e o caderno em que desenhei países cujas fronteiras
inventavam geografias da cor. O morro próximo à escola se insinua:
casebres, tijolos, lama, cachorros, e um pedacinho de verde nas
encostas. O avião de papel, lançado inocente pela janela, custou-nos
um curto castigo. Pensei que os pássaros fossem mais felizes em seu
destino. Quando fiz primeira comunhão, ganhei terço, vela e outra
razão de ser. Compreendi o corpo como canto órfico de luz e asas. Só
então fui sozinho à padaria e trouxe dez pães e um litro de leite.
Minha mãe me confortava e ria de minha ingenuidade: ela sabe que
sobrevôo nuvens e que as palavras estão por nascer.
|