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            Dante Milano 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                        
          
            Fuga do 
            centauro  
             
             
            Surpreendi-a numa gruta, 
            O corpo fosforescente 
            Como uma Santa! Porém, 
            Rindo, quase com desdém, 
            Do meu êxtase inocente, 
            Toda nua e transparente, 
            Sob o véu, numa impudente 
            Postura de prostituta. 
             
  
                                                                        
          
            Receoso, tentei 
            fugir. 
            Ela pegou-me das crinas, 
            Em minhas costas montou 
            E meus flancos esporeou. 
            Quis domar-me com mãos finas. 
            Ah, que tu não me dominas! 
            Logo aflaram-me as narinas 
            E comecei a nitrir... 
             
  
                                                                        
          
            Fui beijá-la e dei 
            dentadas. 
            Havia sangue em seu gosto. 
            Espanquei-a com carícias, 
            Massacrei-a de delícias. 
            Arrastei-lhe o corpo exposto, 
            Nua, o gesto decomposto, 
            E pus-lhe as patas no rosto. 
            — Ela dava gargalhadas. 
             
  
                                                                        
          
            Estatelada no chão 
            Saía dela um calor 
            De forno, que a consumia, 
            Um hálito de agonia 
            E de esquálido suor. 
            E vendo-a perder a cor, 
            Sentia nela o sabor 
            De toda carne: extinção. 
             
  
                                                                        
          
            Afinal me libertei 
            Do seu espantoso abraço 
            E larguei-a quase morta, 
            Esvaída, a boca torta, 
            As mãos hirtas, o olhar baço. 
            Afastei-me, firme o passo, 
            Respirando um novo espaço, 
            Vitorioso como um rei. 
             
  
                                                                        
          
            Ela ergueu-se e de 
            mãos postas 
            Pediu-me, ao ver-me partir, 
            Que jamais a abandonasse. 
            Tinha lágrimas na face. 
            A princípio eu quis sorrir: 
            Voltar, depois de fugir? 
            E fugi, mas a nitrir, 
            Com ela nas minhas costas... 
             
             
            Publicado no livro Poesias (1948). Poema integrante 
            da série Momentos. 
            In: MILANO, Dante. Poesias. Pref. Ivan Junqueira. Petrópolis: Ed. 
            Firmo, 1994. p.130-131. (Pedra mágica, 1) 
  
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