Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

albano Martins

 

 

 

 

 

Dante Milano


 

Objeto de arte


Corpo de ancas opulentas,
Mulher de Angkor,
Coxas e tetas pedrentas
De árduo lavor.

 

Pedra, lição de escultura,
Da verdadeira
Carnadura, carne dura
Mais que a madeira

 

Ou o bronze que posto ao forno
Se liquefaz.
A pedra não; seu contorno
Mantém-se em paz

 

À maneira do medonho
Ser que no Egito
Contém o esfíngico sonho
Do granito.

 

Já no mármore a figura
Parece menos
Tosca; é mais branca, mais pura,
Mais lisa; é Vênus

 

Que, mesmo nua, ao expor
Sua vaidade,
Tem do mármore o pudor,
A castidade.

 

Ou então pedra-sabão,
Pedra-profeta,
Que da fêmea a carnação
Não interpreta.

 

Mas és da beleza o exemplo,
Pedra qualquer,
Se a figura em ti contemplo
De uma mulher,

 

Aparição singular,
Sem que me farte
Jamais o prazer de a olhar,
Objeto de arte.


In: MILANO, Dante. Poesia e prosa. Org. e apres. Virgílio Costa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: Núcleo Ed. da UERJ, 1979. p.177-178. (Coleção vária). Poema integrante da série Últimos Poemas.
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

Início desta página

Nauro Machado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Dante Milano


 

Paragem



Com os meus bois,
Os meus bois que mugem e comem o chão,
Os meus bois parados,
De olhos parados,
Chorando,
Olhando...
O boi da minha solidão,
O boi da minha tristeza,
O boi do meu cansaço,
O boi da minha humilhação.
E esta calma, esta canga, esta obediência.


Publicado no livro Poesias (1948). Poema integrante da série Distâncias.
In: MILANO, Dante. Poesias. Pref. Ivan Junqueira. Petrópolis: Ed. Firmo, 1994. p.75. (Pedra mágica, 1)
 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

Início desta página

Fernando Py

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Dante Milano


 

V (Na treva mais gelada, na brancura)


Na treva mais gelada, na brancura
Mais cega e morta, a vida ainda transluz.
Até de dentro de uma sepultura
Brota um soluço trêmulo de luz,
A luz que sua, a luz que desfigura
As pétalas pendidas nos pauis,
A espuma nos penhascos, fria e pura,
As chamas em seus ápices azuis.
Desalentos, angústias e canseiras
Tornam maior, mais tenebroso o olhar
Que lembra o olhar dos mortos: só olheiras
São existências que se dão inteiras
E sofrem, como o vento, como o mar,
Como todas as coisas verdadeiras.


Publicado no livro Poesias (1948). Poema integrante da série Sonetos e Fragmentos.
In: MILANO, Dante. Poesias. Pref. Ivan Junqueira. Petrópolis: Ed. Firmo, 1994. p.31. (Pedra mágica, 1)
 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

Início desta página

Carlos Felipe Moisés

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Bathsheba,

 

 

 

 

Elizabeth Marinheiro

 

Dante Milano


 

VII (Na noite cor de sono, cor de sonho)


Na noite cor de sono, cor de sonho,
Fulgurando na treva, um raio estronda,
Final do céu, divino mas medonho.
E uma mulher sem ter onde se esconda,
Os cabelos desfeitos, aparece
E em meus braços se atira. Então, absorto,
Vi que o corpo, quando ama, desfalece,
Vi que o rosto, ao beijar, parece morto.
Como se o beijo os lábios lhe torcesse,
A boca toma a forma de um sorriso
Que se contrai, como se o beijo doesse.
Visões do amor, possuídas mas incertas.
O corpo se entregou, mas indeciso,
E deixou-se cair de mãos abertas.


Publicado no livro Poesias (1948). Poema integrante da série Sonetos e Fragmentos.
In: MILANO, Dante. Poesias. Pref. Ivan Junqueira. Petrópolis: Ed. Firmo, 1994. p.33. (Pedra mágica, 1)
 

 

 

Culpa

Início desta página

Artur Eduardo Benevides