Dante Milano
Objeto de arte
Corpo de ancas opulentas,
Mulher de Angkor,
Coxas e tetas pedrentas
De árduo lavor.
Pedra, lição de
escultura,
Da verdadeira
Carnadura, carne dura
Mais que a madeira
Ou o bronze que
posto ao forno
Se liquefaz.
A pedra não; seu contorno
Mantém-se em paz
À maneira do
medonho
Ser que no Egito
Contém o esfíngico sonho
Do granito.
Já no mármore a
figura
Parece menos
Tosca; é mais branca, mais pura,
Mais lisa; é Vênus
Que, mesmo nua, ao
expor
Sua vaidade,
Tem do mármore o pudor,
A castidade.
Ou então
pedra-sabão,
Pedra-profeta,
Que da fêmea a carnação
Não interpreta.
Mas és da beleza o
exemplo,
Pedra qualquer,
Se a figura em ti contemplo
De uma mulher,
Aparição singular,
Sem que me farte
Jamais o prazer de a olhar,
Objeto de arte.
In: MILANO, Dante. Poesia e prosa. Org. e apres.
Virgílio Costa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: Núcleo Ed.
da UERJ, 1979. p.177-178. (Coleção vária). Poema integrante da série
Últimos Poemas.
|