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Edson Bueno de Camargo


 

Tocar as teclas


não me permitam tocar as teclas
deste piano
esta agourenta ave branca
e seu ramo de oliveira no bico

o sono azul das velas
queimam águas dispersas
o deus velho arranca suas barbas
diante do inevitável luto
o novo acaso ri as escâncaras

a minha outra noiva
está dentro de mim
e seu retorno será a maré
que todo deserto deseja

esvaziemos garrafas verdes
e esqueçamos a noite
em pequenas taças chinesas
quando se bebem estrelas
lambendo a borda de espelhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

Edson Bueno de Camargo


 

Figos verdes


guitarras flamencas
tocam no verniz de pires brancos
servidos figos verdes e creme

folhas de menta cavalgam o colo
de insetos notívagos
entre as romãs de rubra semente
que seriam azuis em outra ocasião

romãs e figos maduros
são sexos femininos
tomados de carinhos extremos
se desmancham em gotas de deleite
ao calor tórrido dos trópicos


 

 

 

Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

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Andréa Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edson Bueno de Camargo


 

Úteros são flores


que nasceram para o interior da alma feminina
cujo os homens perdem no feto

somos viragos noturnos
esperando a cópula e a morte
não antes sem a lubricidade dos orgasmos
lembranças úmidas do conforto de nossas camas

teu beijo é uma galáxia
e caminho para a extinção negra e sem saída
cada vez que amo
este teu pedaço do princípio de tudo
reforma a ordem das coisas
cria e se extingue mais um universo


 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

Edson Bueno de Camargo


 

Cabelos brancos


derramar a seiva vermelha por horas
até que as raízes se amoleçam
em tom de branco liso e limpo

vasos de cerâmica minóica
são completados com as gotas de resina
da mastigação frenética de pequenas cigarras

o verde predomina em contraposição a xantofila dos ambientes
das casas com cadeiras amarelas
alpendres com pérgulas vivas
e vidro azul celeste em móbiles pendurados
com cabelos brancos de senhoras depois dos sessenta anos de idade

 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

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Edna Menezes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Edson Bueno de Camargo


 

Buscar abrigo


ungir com óleo
o rebentar de pontas de costelas
a dor de nascer de dentro de si mesmo
e andar a esmo pela rua

buscar abrigo sob às árvores
e nem aves de mau agouro te puderem suportar
e com a cor de teus desejos
escrever a carta de luz lunar
e se desfazer em cinzas ao primeiro vento da manhã


 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Mignon Pensive

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Raquel Naveira

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

Edson Bueno de Camargo


 

Abril de 1979


respiro flores de plástico em sua fronte
enquanto mosaicos gregos da Anatólia
reclamam de Bizâncio à sua origem

recolho as gotas de orvalho
pérolas nas pontas de seus cabelos
como as agulhas de pinheiro
na manhã de abril de 1979

chovera a pouco, e em todo o terreno alagadiço
pipocavam árias de Wagner
em voz de baixo barítono

não era o incêndio natural daqueles dias
era uma coisa nova
que cheirava a betume
e chorava flores roxas

toda a interrupção é desagradável
pode nos deixar em uma pequena estação de trem
entre nada e lugar algum
em meio a densa neblina com ares de algodão doce
onde crianças devoram todo o açúcar da terra

é irresistível olhar por debaixo da porta
quando os gansos se entopem de cerveja
e cerejas explodem como flores amarelas do Danúbio


 

 

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

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Clotilde Tavares

 

 

01/11/2006