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Flávio de Araújo

flaviopty@hotmail.com

Jornal do Conto
 

Poesia & conto:

 

 
 

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 

 

 
Micheliny Verunschk

Alguma notícia do(a) autor(a):

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

 

 

Flávio de Araújo


As crenças infantis

 

Eu era menino como todos foram ou são

e sob as barras do manto

de Santa Tereza Justafé fui criado

 

- mudo de opinião.

 

Menino descozido de crenças

mas tradicionalmente religioso

(rezava aves e pais).

 

Trocava a água das flores

rosas brancas e encarnadas contrastavam

com o local lúgubre

onde o ranço de velas impregnava

as fotografias dos enfermos.

Tudo naquela casa se prostrava

aos pés de porcelana queimada

de Santa Tereza Justafé.

 

Vó Coralina antes de deixar morrer

o símbolo majesto

da matriarca que era,

tinha por desejo supremo

ser enterrada com a santa

 

- e foi.

 

Naquela mesma noite

arrebentaram-me a boca

pois como esperavam o consentimento

de um menino-anjo

achei que seria muito justo

que os mortos fossem enterrados

com seus mortos.

 

  Jornal do Conto

 

 

 

 

 

 

Flávio de Araújo

 

Parcel dos Ossos

 

Estorvo.

Monturo de um marfim

infinitamente altivo e exangue.

Velamos sua distância, vendo o marolar

das espumas subir à proa

como tripulação amotinada.

 

Espécie de chamamento rochoso

a todos os calados.

Um assanhador impenitente

de velas e lemes,

feito uma fome lenta que abre suturas

nos ventres cedrosos,

na risível calafetação do casco.

 

E a fome também é sede.

Insaciada nas profunduras do mar

e suas generosidades.

 

Peca o navegador a confiar em destreza:

- A ousadia é a honra dos nautas.

 

E ele se precipita cada vez mais,

tanto para cima, quanto para baixo.

Bebericando anilhas, poitas, mastros

e não é essa a fama

de sua supra-estrutura.

Mas do que fora sustentação

da robusta carne-viva.

 

Um emaranhado:

de calcanhares, fêmures,

braços e antebraços.

De costelas,

como feitio de uma escadaria sem fim.

Crânios, anulares, carpos e metacarpos.

Falanges, omoplatas, perônios e vértebras.

Rótulas, tíbias, rádios,

artelhos, mandíbulas e ossos ilíacos.

 

E esse cavername dos oceanos

requerendo sempre mais, assim:

Coroados, vassalos, artesãos,

nascituros, guarnições.

Base do colosso

de um marfim infinitamente

altivo e exangue.

 

A todos dando a serventia de marco

para recanto do avesso que encadavera

outros em sua ossatura.

 

Clamamos pela tribuzana

para que nos sopre longe,

do que agora chamamos

Parcel dos Ossos.

 

   

 

   

 

 

Flávio de Araújo

 

Credo Caiçara

 
Creio no pirão de gonguito com banana bacubita.

Na roça de feijão guandu, na cepa de mandioca

de sete ramas, no doce da cana caiana,

no limão em puxa-puxa.

Creio no café de garapa, na cavala salpresa.

No cará com melado, no desbulhar do milho,

no manuê de bacia e no cardo de caranha.

Creio no poder das ervas:

No chá de boldo amargoso no gorgomilo, no chá de losna,

no banhado de arnica e na santa Maria socada

com sal grosso e cânfo.

Creio na canoa de voga, no cerco na espia,

no espinhel preso à pôita, na rede de minjuada no lagamar.

Creio no remo de guacá, no samburá de imbé,

no náilon 0.40, na faca amolada em pedra de cachoeira.

Creio na tribuzana, nos primeiros ventos do sudunga,

nas gaivotas sobre as traineiras.

Nas modas de viola, rabeca e sanfona.

No mergulho da tesoureira.

Creio na rede tingida em casca de jacatirão e aroeira.

Na tainha com barriga de ova, no jirau de taquara,

no varal pra secar o peixe escalado, no caniço de bambu japonês.

Creio na voz do Brasil, na cabeça de maré,

no barro pro estuque e no covo.

No gemido do gaturamo e na malhação do Judas.

Creio no óleo de babosa, nas cantigas de roda,

nos barquinhos de cacheta e cajuja.

No olho dágua, no cachorro paqueiro.

Creio na chinela de dedo, na galinha botadeira.

Creio no furo do busano, no forneio de farinha,

No pargueiro, no calafeto de betume, nas lulas no zangarêio.

Creio na foice Tremontina, no bodoque de goiabeira,

No trabissero de marcela.

Creio no borrachudo, na lagosta pitu,

No guaiá, no marisco sururu.

Creio na corosena do fifó, na gadanha e na enxó.

No azulado do perau, no clareio depois do fuzilo.


Creio em Deus pai,

Creio em Deus filho.

E no Espírito Santo tumém

 

 

   

 

   

 

 

Flávio de Araújo

 

Quinhão

 

À mesa, como num tribunal

sob o juízo de nossa mãe

disputávamos, com fervor,

os melhores pedaços

da magra galinha.

 

As irmãs menores,

cada qual com suas asas,

balbuciavam qualquer coisa

de bom

voando entre os dentes.

 

O impasse era sempre

com as coxas.

Duas

para três admiradores.

 

Fora o confronto

tomei predileção

por peitos.

 

O que Freud explicaria

com a teoria das perdas.

 

 
     

 

 

Flávio de Araújo

 

Shiiilêncio

 

A necessidade de silêncio

Leva o dedo riste a boca

E não é o silencio que procuro.

 

O dedo que chia na boca

Traz consigo

Batom vermelho-guelra.

 

Agora eu sei.

Dos afagos

O silêncio é o mais obsceno

 

   
Adelaide Lessa

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Edna Menezes
   

 

 

 

 

 

 

 

Flávio de Araújo


 

Quem sou:  Flávio de Araújo é filho de uma família de pescadores da Praia do Sono, comunidade caiçara situada em Paraty (RJ). Flávio participou com destaque do Cabaré Literário na OFF-Flip 2005 e da Oficina Literária ministrada pelo escritor Raimundo Carrero, também oficina com Carlito Azevedo durante a FLIP no ano de 2009. tem poemas publicados em coletâneas, sites e revistas literárias. Colabora com o Jornal de Paraty desde 1999, sendo atualmente um de seus redadores. Na OFF-FLIP 2006 participou da conversa de botequim ao lado de Fausto Fawcett, Marcelino Freire, Micheliny Verunsck e Paulo Scott. Em 2008 lançou Zangareio (Poesia) e participou da FLIPORTO - Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas - Pernambuco 2008 e do XIV Festival Internacional de Poesía de la Habana (Cuba) 2009.



 

Como os versos do poeta caribenho Derek Walcott - leia-se o magnífico OMEROS- a poesia de Flávio de Araújo tem a cor do mar. Também em ZANGAREIO há uma odisséia, escrita por um dos filhos da Praia do Sono, esse povoado de pescadores que ainda resiste à especulação imobiliária (...) ZANGAREIO tem traços regionalistas, mas nao se esgota em uma rememoração idílica de um passado morto. Mais que isso, tem os pés fincados na modernidade, lançando também um olhar em torno do mundo urbano e globalizado, desse universo tecnológico interligado por terra, mar e ar e que estende seus tentáculos até os mais remotos rincões do planeta. Ovídio Poli Junior

Ovídio Poli Junior é graduado em Filosofia pela USP e doutor em Literatura Brasileira pela mesma universidade. Organiza a programação literária da OFF FLIP e idealizou o Prêmio OFF FLIP de Literatura. É editor do Selo OFF FLIP e coordena oficinas de criação literária.
              

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