Caio Porfírio
Carneiro
Marigê, me
chame o Sayeg
Faleceu, no dia 28 de julho, nesta capital, aos
73 anos, o poeta, escritor e advogado João Baptista Sayeg. Nascido
em Catanduva (SP), dividiu sempre sua vida entre a banca de
advocacia e as letras, e foi ativo membro da União Brasileira de
Escritores.
Poeta primoroso, e também excelente contista,
Sayeg, como o tratávamos, era um virtuoso em tudo o que escrevia,
até em trabalhos jurídicos. Um perfeccionista. Tudo o que escrevia
examinava com atenção cuidadosa, mostrando-se até um pouco irritante
aos que não o conheciam de perto. É que, para ele, tudo tinha de ter
um lavor de Arte.
Traduziu vários poetas americanos e ingleses.
Publicou em Poesia: Permissivo Amor;
Os Comedores do Museu; Cavalos ao Sol; Pantomimas e Animação.
Em 1999 lançou o livro de contos A
Torre de Mandarino, verdadeira surpresa no gênero.
Aparecia como uma ficção a um tempo impressionista e mágica,
limpidamente bem escrita, histórias às vezes trazidas dos idos
vividos em Catanduva, sem cair, porém, na memorialística. O
descritivo e o narrativo muito bem conduzidos.
Enveredou pela literatura infantil, com tanta
emoção, que ele próprio tratou, com cuidado de artista, da parte
artesanal. Único livro que publicou no gênero, intitulado.
Diretor e Conselheiro da União Brasileira de
Escritores em várias gestões, sucessivamente, desde sua entrada para
a entidade, em 13/12/1976, recebendo número 919. Participou de
diversos eventos culturais, inclusive dos Congressos de Escritores
no Brasil e em Portugal. Nas décadas de 70 e 80 integrou o grupo da
Revista Escrita, editada por Wladir Nader,
e participou de várias comissões julgadoras em concursos literários.
Aparece com trabalhos ou verbetes em diversas antologias e
dicionários literários, inclusive na Antologia de Poesia
Brasileira Contemporânea, editada em Portugal,
organizada pelo poeta Álvaro Alves de Faria, em 2001.
Dado ao seu espírito empreendedor, em tudo que
participava fazia com muita paixão e zelo. A reforma dos estatutos
da UBE mereceu da sua parte permanente preocupação, para bem
adaptá-lo às normas do Código Civil Brasileiro.
Eleito coordenador da equipe que escreveria a
história da UBE desde a sua fundação, em 1942, sessenta e dois anos,
portanto da sua história, quando viu que a comissão, por motivos
vários, não se articulava bem, chamou-me para ajudá-lo, tomou o pião
na unha, e partimos para uma aventura, porque foi uma verdadeira
aventura elaborar o livro, que a vida da entidade vinha de muitas
realizações, lutas políticas, divisões e desentendimentos,
provocando, com isto, um verdadeiro trabalho de formiga para
deslindar ou quase decifrar, nos arquivos desorganizados, e
descobrir nos diversos cartórios, todo o palmilhar da UBE. Sem falso
exagero, tarefa dificílima, que nos tomou meses e meses de trabalho
e fins de semana de insônia. Pronto o livro, editado pela RG
Editores com o título por ele sugerido de A Vocação
Nacional da UBE (62 anos), com algumas falhas, é
verdade, falei para o Sayeg de algumas críticas injustas ao livro,
particularmente de dois ou três sedentos de louvores, e que eu iria
responder diretamente a cada um. Ele, com aquele espírito
conciliador, mas determinado, respondeu: “Calma, Caio. Não dá bola.
Daqui para frente outra história da UBE só será feita a partir
desta. E vamos rever o livro daqui a cinco anos”.
Não há como traçar aqui, em apanhado curto,
sobre a vida do amigo e do artista J. B. Sayeg. A amizade interfere
demais. E ainda me parece um sonho o seu falecimento. Praticamente
tudo o que eu escrevia mostrava para ele, e ele não era “bonzinho”,
não. Sem ser ferino, lia, relia, argumentava, sempre à procura da
perfeição artística, nele e nos amigos. Mas nunca se aborrecia, se
malhávamos alguma coisa dele. Dizia apenas, com aquele meio riso:
“Vocês são analfabetos mesmo... fazer o quê...?”.
Colaborou, desde a sua fundação, com o jornal
literário Linguagem Viva, com poemas e comentários.
Deixou praticamente prontos para publicação um
novo livro de poemas e um de contos e falava na reedição de
Pantomimas e Animação, revisto e modificado. E
sempre que me encontrava, lá vinha a bomba: “Prepare-se que vamos
rever toda a história da UBE...”
Dominava bem o Espanhol, o Inglês, o Francês, e
conhecia profundamente a poesia brasileira, desde os seus
primórdios. Relia Camões e os clássicos e estava sempre atento e em
dia com tudo o que, sobre o gênero, se escrevia no País.
Advogado de profissão, tendo se aposentado como
chefe do Departamento Jurídico da Avon, e com bom escritório
montado, era, em tudo, para além do jurista, o intelectual e o
artista.
Casado com a poetisa Marigê Quirino Marchini,
deixou filhos e neto.
E foi trágico quando eu soube da sua morte. Telefonei para a Marigê,
sábado, logo cedo:
– Marigê, me chama aí o Sayeg. Quero falar com
ele sobre as modificações que estamos fazendo nos estatutos da
entidade.
A resposta quase me fez cair da mão o telefone:
– Caio, o Sayeg acabou de morrer...
Caio
Porfírio Carneiro é escritor, crítico literário e secretário
administrativo da União Brasileira de Escritores.
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