João Batista de Siqueira
(Cancão)
MANHÃ DE CHUVA
As
andorinhas no rio
Passam baixinho
voando
Como crianças
brincando
Num lago vasto e
sombrio
O mangueiral do
baixio
Sente a chuva,
estende a rama
No chão, a
verdosa grama
Se serve do mesmo
orvalho
Que o vento,
agitando o galho
A folha treme e
derrama
Do sopé da
cordilheira
As pequeninas
correntes
Se despenham
diligentes
Em busca da
cachoeira
O xexéu, na
aroeira
Olha toda a
redondeza
Diante tanta
beleza
Se sente todo
encantado
Pensa ser o
namorado
Mais fiel da
Natureza
Dentro do bosque
cerrado
A vegetação
cochila
Levanta a fronde
tranqüila
Sentindo o tronco
lavado
Dentro do
emaranhado
Que à tarde a
sombra rodeia
A ema, lenta,
passeia
Em um constante
arrepio
Já enfadada do
frio
Que a mão da
brisa semeia
Passa perto da
palhoça
Um boi em lentas
passadas
Fazendo as suas
pisadas
No balanço da
carroça
Vai a tabaroa à
roça
Em um ar
aborrecido
No caminho mais
seguido
Buscar água no
regato
Se defendendo do
mato
Pra não molhar
seu vestido
Caminha o rebanho
lento
Do arvoredo
vizinho
À procura do
caminho
Do planalto
lamacento
No campestre
friorento
A planta alegre
se agita
A flor sorri e
palpita
Sentindo os
ventos medonhos
Lá dos recantos
tristonhos
Que o gênio da
sombra habita
O vento passa
maneiro
Pelo campo
rosciado
Fingindo um céu
esmaltado
Coberto de
nevoeiro
Na baixada, o
ingazeiro
Sente vigor, se
renova
Como nos dando
uma prova
Se mostra todo
florido
Entre o
multicolorido
Dum mundo de rama
nova.
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DIAS DE OUTONO
Surge a manhã
radiante
Com seu clarão
luminoso
No prado verde e
relvoso
Derrama luz
cintilante
No horizonte
distante
Seu lindo foco
irradia
A aragem branda e
fria
Passa por entre a
ervança
Grata, meiga,
pura e mansa
Fresca, serena e
macia
Logo linda
claridade
Através do monte
surge
Muito triste a
vaca muge
Como quem sente
saudade
O sol, com
vivacidade
Nos anuncia um
bom ano
O seu disco
soberano
Faz o espaço
vermelho
Cristalizando o
espelho
Das águas do
oceano
O vento atravessa
certo
Os altos cumes
azuis
Roçando os verdes
bambus
Do coração do
deserto
O sol, qual
espelho aberto
Envia luz
luminosa
Por trás da serra
verdosa
Começa o clarão
surgir
Parece o mundo se
abrir
Num sonho de paz
e rosa
Os gigantes
vegetais
Na desabrida
procela
Soltam a folha
amarela
Pelos desertos
campais
Ouvimos, para os
rosais
Linda canção
maviosa
Na aroeira
frondosa
Um sabiá comovido
Solta o prelúdio
sentido
De sua endecha
chorosa
Canta contente o
carão
Na fronde do
cajueiro
Depois faz vôo
ligeiro
Pra longínqua
região
Grita alto o
gavião
Do sol gozando o
afago
Que do firmamento
vago
Envia pomos de
luz
Dourando as asas
azuis
Das borboletas do
lago
As águas
impetuosas
Descem do monte
barrentas
Procurando,
violentas
As catadupas
limosas
O colibri, entre
as rosas
Voa com certo
desvio
Enquanto o vento
macio
Passa abraçando
os barrancos
Dos gratos
terrenos brancos
Da margem fresca
do rio
As borboletas
ligeiras
Esvoaçam sem
empalho
Sorvendo as gotas
de orvalho
Das flores das
goiabeiras
Depois, voando
rasteiras
Vão procurar
novas bases
Para o tenebroso
oásis
Onde há mais
esperando
Uma à outra
revelando
As mais inocentes
frases
O nevoeiro parado
Fazendo negros
bulcões
Os mais pesados
trovões
Estalam de lado a
lado
No lindo pomar
florado
A aura espalha
frieza
Nos mostra sua
beleza
O pequeno
ouricuri
Recebendo, alegre
em si
Os beijos da
Natureza
Doze horas,
meio-dia
A vento soluça
manso
O nevoeiro, em
balanço
Uma mudança
anuncia
A passarada em
folia
Gorjeia pela
campina
Se ouve, além da
colina
Rumores do
vendaval
Assim a tarde
outonal
Chuvosa e fria
declina
As garças voam
vexadas
Dos desertos mais
vizinhos
Na direção de
seus ninhos
Perto das águas
paradas
A noite, além,
nas chapadas
Abre o manto
universal
E o nevoeiro em
geral
Mostra os últimos
rubores
Pelas derradeiras
cores
Do incêndio
ocidental
As sombras, no
mofumbal
Frias e densas se
enrolam
As goteiras
cantarolam
Uma canção
invernal
Seis horas na
catedral
Momento grato e
tocante
A brisa mansa e
cortante
Passa por monte e
sopé
Enquanto um velho
pajé
Evoca seu gênio
errante
O sol, por trás
dos silvedos
Espalha luz
soberana
Linda donzela
indiana
Olha, sorrindo,
seus dedos,
Ouvimos, para os
penedos
A catadupa
gemendo
As águas brandas
descendo
Pelas
escabrosidades
Pra nos trazer
mais saudades
Da tarde que vai
morrendo
Agora, a
escuridão
Desenrola num
levante
Vem tomando, num
instante
O mundo, de vão a
vão
Uma grande
solidão
Neste momento
aparece
O globo todo
entristece
Reina um silêncio
profundo
A noite amortalha
o mundo
E a Natureza
adormece...
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DEPOIS DA CHUVA
Era uma tarde de
abril,
A luz do sol se
escoava
Um traço da cor
de anil
O céu deserto
mostrava
Num lago triste e
sereno
Nadava um cisne
pequeno
Eriçando as alvas
plumas
As derradeiras
neblinas
Faziam lindas
ondinas
Por entre as
brancas espumas
Um sabiá pesaroso
Nos galhos em que
nasceu
Cantava, triste e
choroso
As mágoas do
peito seu
O sol além se
deitava
A sua luz se
esvasava
Pela ramagem da
horta
A brisa, em leves
ruídos
Levava os ternos
gemidos
Da tarde já quase
morta
A água branda
descia
Pelo pequeno
gramado
A relva, fresca e
macia,
Era um tapete
rendado
Se ouvia, lá da
colina,
No coração da
campina,
Soluçar uma
cascata
E o sol, com seus
lampejos,
Dava os
derradeiros beijos
No rosto verde da
mata
O sol, com luz
amarela
Dourava os morros
azuis
Tornando o céu
uma bela
Pulverização de
luz
A aura fresca e
macia
Por entre a mata
fazia
Os mais suaves
rumores
As borboletas
douradas
Se misturavam
vexadas
Bebendo o rócio
das flores
As auras
rumorejavam
Com lentidão e
leveza
Os regatos
retratavam
Um lindo céu de
turquesa
Os orvalhos
cristalinos
Se desprendiam
divinos
Da copa dos
arvoredos
Nas carnaúbas
rendadas
Como com mãos
espalmadas
O sol brincava em
seus dedos
Voavam pelos
verdores
Lindos colibris
dourados
Sugando o néctar
das flores
Dos jiquiris
borrifados
No pomar, um
rouxinol
Contemplava o
arrebol
Numa profunda
tristeza
Um traço débil de
luz
Rasgava os panos
azuis
Do corpo da
Natureza
Depois, os ventos
mansinhos
Sopravam no campo
vago
Fazendo alguns
burburinhos
Na face lisa do
lago
As abelhas,
preguiçosas,
Se escondiam nas
rosas
Que a Natureza
burila
E o cisne de
brancas penas
Cortava as águas
serenas
Da superfície
tranqüila.
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A CASA DO ÉBRIO
Era um casebre
tristonho
De cujas paredes
tortas
Vinha o rangido
enfadonho
Dos gonzos de
duas portas
As telhas já
nodoadas
Duas roletas
deitadas
Numa camarinha
escura
O vento, quando
passava
Parecia que
falava
Nas frinchas da
fechadura
Na parede do
nascente,
Um banco
desmantelado
Um garrafão de
aguardente
Que ainda havia
sobrado
Junto ao quarto
de dormida
Cera que foi
derretida
Do resto de
algumas velas
No chão, marcas
de escarros
Cacos de vidro,
cigarros
Rolavam por cima
delas
Uma rede
remendada,
Outra parte
descosida
Em um torno
pendurada
Pela fumaça
tingida
De um lado, havia
um cambito
Onde o couro de
um cabrito
Sobre um arame
pendia
Mais adiante, um
jirau
Junto à travessa
de um pau
Onde um morcego
vivia
Uma corda, uma
rodilha
Bem acima de um
caixão
Um pote, numa
forquilha
Vazava junto ao
fogão
Um gato cego e
doente
Deitado sobre um
batente
Por certo sentia
sono
De fora, um
jumento olhava
O seu olhar
revelava
A malvadez de seu
dono
Uma vara de
ferrão,
A banda de uma
tigela
Meio quilo de
sabão
Embrulhado dentro
dela
A banda de um
cobertor
Atada em um
armador
Onde havia um
candeeiro
Uma camisa de
saco
Mostrava por um
buraco
A tampa dum
tabaqueiro
Uma cadeira
quebrada
As pernas de um
tamborete
Uma foice
enferrujada
Encabada num
cacete
Ao lado de uma
cangalha
Havia um chapéu
de palha
Com um remendo de
pano
Um tronco de
mandioca
E um anzol numa
taboca
Pra pesca do fim
do ano
Havia armado um
quixó
Encostado a um
baú
Costurado com
cipó
Todo feito a
couro cru
Num recanto
separado
Se conservava
embrulhado
O braço de uma
viola
Zelava por
tradição
Que seu pai foi
campeão
De cantar pedindo
esmola
Uma calça de
azulão
Perto da porta do
meio
A bainha de um
facão
Balançava em um
esteio
Numa mesinha na
sala
Havia cascas de
bala
Um bisaco e uma
garrucha,
A manga de um
paletó
E um galho de
mororó
Guardado pra
tirar bucha
Cinco ovos de
galinha,
Um punhado de
limão,
Uma cuia com
farinha
Sobre a boca de
um pilão
Uma rolinha
pelada
Numa gaiola
quebrada
Junto à porta
dormia
Em frente, um cão
cochilava
Com certeza
decorava
Sua cruel
profecia
Um pedaço de
perneira,
Um serrote e uma
enxó
Tudo dentro duma
esteira
Amarrada em um
cipó
Um candeeiro sem
asa
E num recanto da
casa
Quatro cartas de
baralho
Em um barbante,
num prego
Atado por um nó
cego
Estava preso um
chocalho
A canela de um
veado,
Uma ponta de
carneiro,
Em um gibão
amarrado
Um facho de
marmeleiro
Em frente havia
um baú
Só feito de couro
cru
Bem apoiado no
chão
Sobre sua tampa
aberta
Mostrava uma
prova certa
Donde guardava o
carvão
Abaixo de um
travesseiro
Um pouco de sola
em dobra
Dada por um
curandeiro
Pra mordedura de
cobra
Mais um cachimbo
de barro
Que o mau cheiro
do sarro
Chegava até o
caminho
Em um recanto,
num banco
Um sapato preto e
branco
Que recebeu de um
padrinho
Muitas formigas
pequenas
Umas vinham,
outras iam
E assim muitas
centenas
Entre os torrões
se escondiam
Duas varas
emendadas
Numa parede
pregadas
Quase na forma
dum ‘vê’
Se o vento
passava, vinha
Do terreiro ou da
cozinha
Um cheiro não sei
de quê
Uma criança
chorava
Juntinho da mãe
doente
Que com esforço
lhe olhava
Mas já com ar
diferente
O rosto banhado
em pranto,
Deitada sobre um
recanto
Numa parede
encostada
A face triste e
sombria
Que durante
aquele dia
Não tinha comido
nada
Depois, um homem
barbado
Entrava
cambaleando
Num andar lento e
pesado
Exasperado
falando
Um ferimento num
braço
Se ia aumentar o
passo,
Botava a mão na
parede
Sorria e depois
chorava
Pelos seus traços
mostrava
Sinais de quem
tinha sede.
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SONHO DE SABIÁ
Um sabiá
diligente
Voou pela
vastidão
Mas por
inexperiente
Caiu em um
alçapão
Depois de
aprisionado
Ficou mais
martirizado
Pensando no seu
filhinho
Implume, sem
alimento
Exposto à chuva e
ao vento
Sem poder sair do
ninho
Deram-lhe por seu
abrigo
Uma pequena
gaiola
No casebre de um
mendigo
Que só comia de
esmola
Só vivia
cochilando
Com certeza
imaginando
Sua liberdade
santa
Ia cantar, não
podia
Que sua voz se
perdia
Logo ao sair da
garganta
Tornou-se a pena
cinzenta
Em seu profundo
castigo
Na saleta
fumarenta
Da casa do tal
mendigo
Sempre triste,
arrepiado
Nesse viver
desolado
Ia um mês, vinha
outro mês
Assim completou
um ano
Sentindo o seu
desengano
Nunca cantou uma
vez
Depois, uma tarde
inteira
O pobre do
passarinho
Sonhou que ia à
palmeira
Onde tinha feito
o ninho
Olhava, em
frente, as campinas
Via por trás das
colinas
A Natureza
sorrindo
Ao sentir a
liberdade
Pensou ser
realidade
Sem saber cantou
dormindo
Depois, sonhou
que voltava
À terra dos
braunais
Por onde sempre
cantava
Mais os outros
sabiás
Voava nas
ribanceiras,
Pousava nas
laranjeiras
Olhando o clarão
do dia
Voava através do
monte,
Voltava a beber
na fonte
Que todas manhãs
bebia
No sonho via as
favelas
Criadas nos
carrascais
Voou, baixou,
pousou nelas
Cantou os seus
madrigais
Voltou, colheu os
orvalhos
Que gotejavam dos
galhos
Dos frondosos
jiquiris
Contente, abria a
plumagem
Pra receber a
bafagem
Das manhãs de seu
país
Foi à terra dos
palmares
Atravessou toda a
flora
Voou por todos
lugares
Que tinha voado
outrora
Passou pelos
mangueirais
Entre os outros
sabiás
Cantou sonora
canção
O seu som
melodioso
Estava mais
pesaroso
Devido à sua
emoção
Viu a vinda do
inverno
Nos quadrantes da
paisagem
Ouviu o sussurro
terno
Do bulício da
folhagem
Cantou todo o
arrebol,
O brilho morno do
sol
Morrendo nos
altos cumes
Sentia, quando
cantava
Que seu coração
chorava
Com mais tristeza
e queixumes
Sonhou catando
semente
Num campo vasto e
risonho
Se sentia tão
contente
Que sonhou que
fosse um sonho
Olhava pra
vastidão
Tocava em seu
coração
Um regozijo
profundo
Todas delícias
sentia
Às vezes lhe
parecia
Vivendo fora do
mundo
Voou por entre os
verdores,
Atravessou as
searas,
Cantou pelos
resplendores
Das manhãs
frescas e claras
Passou pelo campo
vago,
Bebeu das águas
do lago,
Pousou sobre o
arvoredo,
Penetrou no
bosque escuro,
Aí sonhou um
futuro
Tão triste que
teve medo
Depois, sonhou
que estava
Trancado em uma
gaiola
Ouvindo alguém
que cantava
Na porta, pedindo
esmola
Ao despertar de
momento
Reparou seu
aposento,
Ouviu falar o
mendigo
Fechou os olhos
pensando
Sentiu seu íntimo
chorando
No rigor de seu
castigo
Ainda em vão
procurava
Sair daquela
prisão
Seu olhar
denunciava
Piedade e
compaixão
Ao pensar na
liberdade
A mais pungente
saudade
Devorava o peito
seu
Assim, o cantor
da mata
Ferido da sorte
ingrata
No outro dia
morreu.
|
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SAUDADES DA MINHA TERRA
Lembro as
palmeiras copadas
Daquela terra
querida
O prado, a veiga
nevada
Das manhãs da
minha vida
As florestas
circundantes,
As fontezinhas
cantantes
Que descem dos
tabuleiros
Os ventos que à
tarde vão
Passam quebrando
a canção
Chorosa dos
boiadeiros
O bosque, o vale,
a devesa
Meus belos campos
natais
Parece que a
Natureza
Não quer que os
veja mais
O canto do
rouxinol
Na hora em que o
arrebol
É mais suave e
brilhante
As manhãs
subdouradas
De brancas nuvens
franjadas
Do lindo sol do
levante
O odor das flores
mimosas
Criadas nas
cordilheiras
Passa nas mãos
carinhosas
Das brisas
madrugadeiras
Aquele céu
desmaiado,
Ligeiramente
azulado,
Prende, domina,
encanta
Um véu sereno de
neve
Baixa, cobrindo
de leve,
A copa verde da
planta
O braunal lá do
cume
Se estende num
vago açoite
Quando o sol
rasga o negrume
Do cortinado da
noite
A marreca, a
jaçanã,
Tudo saúda a
manhã
Diante o formoso
encanto
O sabiá da
campina
Canta a primeira
matina
Do matutinário
santo
Oh, felizes
serenadas
Meu lindo céu de
safira
Montanhas
alcantiladas
Por onde a brisa
suspira
Monte, vale,
veiga, flora
Belos recantos
que a aurora
Serenamente
irradia
Onde os ventos
sertanejos
Dão os primeiros
bafejos
No rosto alegre
do dia
Nas montanhas
esfumadas
O sol se esconde
sutil
Por trás das
nuvens douradas
Do céu sereno de
abril
As estrelas
fulgurantes
Aparecem,
tremulantes
Entre camadas de
véu
Surge o luar
purpurino,
Espelho sacro e
divino
Das namoradas do
céu.
|
|
O INCÊNDIO
Sobe ao lado
direito da ladeira
Turbilhão de
fumaça espiralada
A labareda se
eleva acompanhada
Do estalo ruidoso
da madeira
Animais se
dispersam na carreira
No bafo sufocante
da queimada
Passa a ave
piando embaraçada
Da quentura que
atinge a mata inteira
Lavas cruzam,
volteiam, se embaralham
Se misturam,
mergulham, se esbandalham
Numa fúria de
demônios poderosos
Já tudo
devastado, apenas brilha
O braseiro, que
ainda se enrodilha
Crepitando nos
troncos resinosos
|
|
ABANDONO
Não quero mais o
teu amor, perjura
Não me seduzas,
coração fingido
Repara, vê como
eu estou ferido
Por teu sorriso
de voraz ternura
És como a cobra
ao sentir bravura
Das criaturas que
já tem mordido
Em teu espírito
há um mal contido
Pra teu veneno
não existe cura
Foge pra longe
com os teus encantos
Enxuga noutro
teus malditos prantos
Não me atormente
com teus falsos ‘ais’
Esquece os tempos
que jamais revivem
Deixa eu viver
como as aves vivem
Por minha vida
não pergunte mais
|
|
O SERTÃO
Sertão rude das
secas causticantes
Esfumadas
montanhas comburidas
As pessoas, com
fome, perseguidas,
Se afastam de ti
como emigrantes
Aventureiras,
pedestres, viandantes
Muitas vezes
demais desprotegidas
Mesmo algumas que
são favorecidas
Sentem algo
viverem tão distantes
E um dia, movidas
de saudade
Deixam pão,
deixam lar, felicidade
Em regresso,
buscando seu torrão
Como a ave que
foge da gaiola
Voa, canta, porém
só se consola
Quando volta de
novo pra prisão
|
|
CREPÚSCULO
O céu se abre num
leque de rubor
A luz solar
cristaliza o panorama
Se escoa e
tremula sobre a rama
Tornando toda a
pelúcia multicor
Os horizontes
circulam de outra cor
A penumbra parece
arder em chama
A última luz no
ocaso se derrama
Num quadro
mágico, sublime, encantador
O sol, guerreiro
que veio do Oriente
Passou o dia
lutando ferozmente
Da guerra trouxe
seu golpe assinalado
Agoniza agora, e
através da tela infinda
Pela grimpa da
serra mostra ainda
A metade do rosto
ensangüentado.
|
|
A NOITE
As fontes
serpeiam, as águas que jorram
Nos vales
esborram, os montes respondem
Nos nenúfares
algumas crisálidas
Nas horas mais
pálidas as folhas escondem
O pirilampo que
vem do tapume
Procura o perfume
da flor mais distante
Piscando diante
de um traço da Lua
Que alto flutua
no quarto-minguante
Gemem os ventos
nos vastos penedos
Murmuram segredos
em beijos de açoite
Em todos sentidos
as lindas falenas
Se cobrem nas
penas da asa da noite
Suspiram as
brisas na boca da serra
Abanam a terra
sombria e gelada
As plantas se
curvam ao peso do sono
Diante o carbono
da noite enlutada
Noite de sonhos,
visões hediondas
De nuvens
redondas que o vento desfaz
Abrem-se os
lírios num santo costume
Que são o perfume
das noites campais
As auras soluçam
nas árvores virentes
De estrelas
cadentes o céu se reveste
O globo parece
que treme e desmaia
Oculto na saia da
noite que veste
A neve desdobra
no vasto baixio
Seu ramo macio
coberto de véu
Brilham serenas
estrelas polares
Em longes lugares
de um lado do céu
Existem receios
em todos recantos
Sustos, espantos,
daqui para ali
A noite, rainha
de sonho e fantasma
Se olha e pasma
com medo de si
Mãe dos impuros,
ladrões, assassinos
Dos crimes
ferinos, assaltos profundos
Oculta os maus no
negro sudário
O mais necessário
pra mais de cem mundos.
|
|
SONHO DE UM POETA
Dormi, dormi na
velhice
Sonhei que era
pequeno
Senti o zéfiro
brando
Soprar, suave e
sereno
Aromatizando as
plagas
Do meu sagrado
terreno
Ausente do meu
torrão
Grande saudade me
encerra
Na grata
imaginação
Lá da palhoça da
serra
Dormindo, o sonho
levou-me
Aos campos de
minha terra
Minha terra tem
palmeiras
Tem bosques,
carnaubais
Tem vales, tem
serranias
Gigantescos
laranjais
Outra terra como
a minha
Eu sei que não
vejo mais
O vento da minha
terra
Eu acho mais
perfumado
O sol é mais
luminoso
O céu é mais
estrelado
As noites são
mais serenas
O mundo, mais
descampado
Por sonho via os
verdores
Daquela terra
querida
A brisa soprava
lenta
Dentro da veiga
florida
Quebrando o
grande silêncio
Da floresta
adormecida
As brisas nos
mangueirais
Perpassavam com
meiguice
Onde meus pais
descansavam
Das fadigas da
velhice
Olhando eu colher
as flores
Cheirosas da
meninice
Olhava as lindas
chapadas
Onde cantava o
xexéu
Lugares onde eu
brincava
Descuidado, sem
chapéu
Correndo à margem
dos lagos
Olhando as
sombras do céu
Por sonho via os
coqueiros
De monstruosos
tamanhos
Ouvia a voz dos
pastores
Admirava os
rebanhos
Via os lagos em
que eu
Tomei os
primeiros banhos
Via os
verdejantes bosques
As esplanadas
mais belas
Pareciam um mar
de luz
Os rosais, as
caravelas
As aves, as
mariantes
Que viviam dentro
delas
A mata densa e
florida
Se estendia
divina
Os orvalhos
tremulavam
Porque o véu da
neblina
Se desdobrava
sereno
Na majestosa
campina
O cheiro de
várias flores
Aromatizava os
prados
O coqueiro erguia
a fronde
Pelos ventos
perfumados
Que vinham lá dos
confins
Dos campestres
matizados
Os grandes
jacarandás
Faziam grossas
colunas
Os sabiás
procuravam
Alguns fragaços
nas dunas
Para a construção
dos ninhos
Na copa das
cabiúnas
Eram quase sete
horas ...
Depois de ter
despertado
Na grande
imaginação
Do que havia
sonhado
Senti saudades do
berço
Que fui nascido e
criado
Este sonho eu
nunca mais
Afastei do
pensamento
Fiz dentro do
coração
Um forte
revestimento
Pra suportar a
saudade
Que chega a todo
momento
Todo sonho é
ilusão
Posso afirmar
seriamente
Dormindo se
sonha, às vezes,
Noutro lugar
diferente
Acho que seja por
causa
Do pensamento da
gente.
|
|
MOMENTOS MATUTINOS
Nas noites
caliginosas
As estrelas
luminosas
Pelas grimpas
montanhosas
Derramam luz
soberana
As florzinhas da
paisagem
Dormem por entre
a ramagem
Talvez sonhando a
imagem
Dos sorrisos de
Diana
Os pirilampos
pequenos
Vindos de outros
terrenos
Pousam, sutis e
serenos
Pelos estrumes da
terra
Os perfumados
vapores
Passam roçando os
verdores
Levando os leves
rumores
Das águas brandas
da serra
A Lua, alta e
feliz
Linda mãe dos
bugaris
Derrama raios
sutis
Por toda extensão
da selva
Dos lírios
desabrochados
Brancos e
imaculados,
Os seus perfumes
sagrados
A brisa bafeja e
leva
Dentro da
floresta densa
A vegetação
imensa
Parece ficar
suspensa
Nesse ditoso
momento
As carnaúbas
rendadas
Criadas lá nas
chapadas
Abrem as frondes
copadas
Para a passagem
do vento
A brisa sopra
dolente
Por entre a flora
virente
O céu de cor
transparente
Azul, sem uma só
mancha
Branca neve
matutina
Envolve a vasta
campina
Toalha de gaze
fina
Que o dia rasga e
desmancha
As corujas
traiçoeiras
Com suas asas
maneiras
Passam nos ares,
ligeiras
Para o grotilhão
enorme
Foge o tenebroso
véu
Na aroeira, o
xexéu
Olhando as cores
do céu
Desperta a mata
que dorme
Para as bandas do
levante
Lindo clarão
rutilante
Vem-se alargando,
brilhante
Cheio de glória e
encanto
A neve se
desenrola
E o beija-flor,
por esmola
Em cada fresca
corola
Deposita um beijo
santo
Dos floridos
vegetais
Os orvalhos
matinais
Como gotas de
cristais
Se desprendem
tremulantes
Um traço de fina
luz
Aquece os verdes
bambus
Dos altos cumes
azuis
Das cordilheiras
distantes
A borboleta
amarela
Passa juntinho à
janela
Vai pousar,
serena e bela
Num lindo
caramanchão
O sabiá, lá da
mata
No ingazeiro
desata
A nota suave e
grata
De sonorosa
canção
Cantam na serra
os pastores
Os tempos de seus
amores
Sentindo os
brandos calores
Dos raios do sol
nascente
E a Natureza
selvagem
Estende a sua
ramagem
Como rendendo
homenagem
A um Deus
onipotente.
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ÁRVORE MORTA
Foste tu, velha
braúna
A divisão da
paisagem
A gigantesca
coluna
Da Natureza
selvagem
Abrias tua
ramagem
Pelas tardes
nevoentas
As borrascas
violentas
Nunca te causaram
danos
Antes de
trezentos anos
Te açoitaram mil
tormentas
Respeitaram-te os
machados
Das primeiras
gerações
Teus grossos
galhos crispados
Desafiaram tufões
Venceste mil
furacões
Desde os tempos
de Cabral
Atalaia colossal
Soberbo gigante
antigo
Talvez até deste
abrigo
Aos filhos de
Portugal
Por certo ouviste
as cantigas
Das tribos depois
da guerra
Filha das lendas
antigas,
Rebento santo da
Terra
Antes, ó virgem
da serra,
Dos danos daquele
raio
Pelo teu leve
desmaio
Colhias na fronde
tua
Lindos sorrisos
da Lua
Nos noites do mês
de maio
Estes teus
grandes madeiros
Há uns cem anos
passados
Se sacudiam
maneiros
Cheios de viço,
copados
Nos teus ramos
delicados
Nas horas do
arrebol
O pequeno
rouxinol
Cantava com mais
ternura
Colhendo a doce
frescura
Das brisas do
pôr-do-sol
Já tens um lado
comido
Da era que foi
ingrata
Este teu galho
pendido
Relembra
longínqua data
Em teu pé uma
cascata
Se despenhava
fremente
Teu tronco, velho
e doente
Pelo cupim
estragado
Foi muitas vezes
lavado
Pela fragosa
corrente
Hoje, só tens a
carcaça
Sobre a estrada
caída
Uma pessoa que
passa
Medita e sai
comovida
Uma parte
apodrecida
Onde outrora os
sabiás
Voando dos
laranjais
Vinham pousar
cantando
E hoje passam
voando
Se assustam, não
pousam mais
Das plantas foi a
mais bela
Que entre a flora
viveu
Quem sabe na vida
dela
Quantos janeiros
venceu ...
Depois murchou e
morreu
Ficou dos ramos
despida
Para o poente
estendida
Sem verdura e sem
beleza
Talvez que nessa
tristeza
Sinta saudades da
vida.
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OS DOIS COQUEIROS
Testemunhas
seculares
Do outro lado do
rio
Rumor das brisas
lunares
Nas calmas noites
de estio
Foram vigias de
feras
Venceram eras e
eras
Se tornaram
centenários
Os seus bulícios
tristonhos
Tinham a doçura
dos sonhos
De mil poemas
lendários
Com prazeres
recebiam
O pequeno
rouxinol
Eram os primeiros
que viam
A face alegre do
sol
Sentiram as
mesmas mágoas
Beberam das
mesmas águas
Queimados do
mesmo pó
Colheram o mesmo
sereno
Viveram num só
terreno
Nasceram num dia
só
Com todo viço
aumentaram
As duas plantas
vizinhas
Em pouco tempo
chegaram
Ao mundo das
andorinhas
Neve, chuva e
cerração
Frio, sereno e
verão
Nada disso os
atingiram
Vencedores das
idades
Nem as próprias
tempestades
Tempo algum lhes
aluíram
Nas brisas que
perpassavam
Brandas ou mais
violentas
Eles os dois
conversavam
Numas frases
barulhentas
Receberam
temporais,
Deslocamentos
fatais
Por brusco arrojo
dos ventos
Viveram nestes
combates
Lutando contra os
embates
Da força dos
elementos
Assim aqueles
coqueiros
Cheios de viço e
enganos
Se tornaram dois
guerreiros
Foram lutar
contra os anos
Um ao outro em
homenagem
Nos bafejos da
aragem
Estendiam a palha
sua
Cada fronde,
verde e bela
Conservava uma
parcela
Da luz serena da
Lua
Suas palhas
sussurrantes
Continham graça e
beleza
Dois monstruosos
gigantes
Criados da
Natureza
Desde a fronde às
raízes
Todas suas
cicatrizes
Foram profundas
feridas
Cada marca, uma
história
Uma medalha, uma
glória
De cem batalhas
vencidas
Em certos dias
marcados
Choveu
torrencialmente
Foram os dois
abraçados
Por poderosa
corrente
Um rodava, outro
pendia
A água se remexia
Numa fúria de
dragão
O mais fraco, já
vencido,
Num arrojo
desmedido
Caiu sem ter
salvação
Ficou o outro
coqueiro
Em meio à
corrente, em pé
Como fosse um
guerreiro
Sem esperança e
sem fé
Se balançava,
tremia
Tombava, depois
se erguia
Entre o furor do
perigo
E a morrer se
dispunha
Como a maior
testemunha
Da morte de seu
amigo
No horroroso
fragor
Já se mostrava
pendido
Sentiu faltar-lhe
o vigor
Foi ficando
esmorecido
A água, em
borbotão
Fazia revolução
Da superfície à
areia
Caiu no mesmo
momento
Ao impulso
violento
Dos solavancos da
cheia
As grandes vagas
caudais
Desciam
ligeiramente
Sem ter
resistência mais
Se lançou sobre a
corrente
O aguaceiro o
levou
E junto ao outro
o deixou
Por um ligeiro
desvio
Ficando os dois
encostados
Onde estão
sepultados
Do outro lado do
rio.
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MEU LUGAREJO
Meu recanto
pequenino
De planalto e de
baixio
Onde eu brincava
em menino
Pelos barrancos
do rio
Gigantescos
braunais,
Meus soberbos
taquarais
Cheios de viço e
vigor
Belas roseiras
nevadas
Diariamente
abanadas
Das asas do
beija-flor
A terra da
catingueira
Criada na penedia
Onde a ave
prazenteira
Canta a chegada
do dia
Planalto,
ribeiro, prado
Onde até o
próprio gado
Parece ter mais
prazer
Terreno das
andorinhas
Onde arrulham mil
rolinhas
Quando começa a
chover
A borboleta
ligeira
Que desce do
verde monte
Passa voando
maneira
Roçando as águas
da fonte
As aragens dos
campestres
Pelas florzinhas
silvestres
Atravessam sem
alarde
Quando o sol se
debruça
A Natureza soluça
Nas sombras do
véu da tarde
Terreno em que os
sabiás
Cantam com mais
queixumes
Belas noites de
cristais
Cravadas de
vaga-lumes
Meus mangueirais
magníficos
Por onde os
ventos pacíficos
Atravessam
mansamente
Verdes matas
perfumadas
Nas lindas tardes
toldadas
Das cinzas do sol
poente
Esvoaçam,
preguiçosas,
As abelhas
pequeninas
Tirando néctar
das rosas
Das regiões
campesinas
Os colibris
multicores
Pelos serenos
verdores
Perpassam com
sutileza
O orvalho
cristalino
Lembra o pranto
divino
Dos olhos da
Natureza
Palmeiras que o
rouxinol
Canta ainda horas
inteiras
As auras do
pôr-do-sol
Soluçam nas
laranjeiras
A pelúcia
aveludada
De muitas flores
bordada
Desde o vale até
o outeiro
Lugar em que cada
planta
Soluça, sorri e
canta
Pelos trovões de
janeiro
Deslumbra a gente
o encanto
Das borboletas
douradas
Pousarem no
róscio santo
Das manhãs
cristalizadas
Fingem variadas
fitas
De fato que são
bonitas
Porém se fingem
mais belas
Que a divina
Natureza,
Por ter-lhes
posto a beleza,
Deu mais vaidade
a elas
Oh, noite de Lua
cheia
De minha terra
querida!
Lindas baixadas
de areia
Princípios da
minha vida
Lugares de
despenhado
Onde gozei,
descansado
Sombra, frescura
e carinho
Bosque, vale,
serrania
Lugares onde eu
vivia
Em busca de
passarinho
Os colibris
delicados
Pelas manhãs de
neblina
Passam voando
vexados
Na vastidão da
campina
Nos frondosos
jiquiris
Dezenas de
bem-te-vis
Elevam seus
madrigais
Lugar que grita o
carão
Olhando o santo
clarão
Primeiro que o
dia traz
As pequeninas
ovelhas
Descem buscando o
aprisco
Colhendo ainda as
centelhas
Do sol ocultando
o disco
Seguem pelas
mesmas trilhas
Como que sejam as
filhas
Dum pastor que
lhes quer bem
Recebendo ainda
as cores
Dos derradeiros
rubores
Que o céu do
oeste tem
Vivia sempre
brincando
Fosse de noite ou
de dia
Na alma se
apresentando
Um mundo de
poesia
Minhas queridas
delícias
Aquelas santas
primícias
Se passaram como
um hino
Hoje só resta a
lembrança
Do tempo em que
fui criança
No meu torrão
pequenino.
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