Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Conceição Paranhos

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

João Batista de Siqueira

(Cancão)

 

 

 

 

MANHÃ DE CHUVA

 

As andorinhas no rio

Passam baixinho voando

Como crianças brincando

Num lago vasto e sombrio

O mangueiral do baixio

Sente a chuva, estende a rama

No chão, a verdosa grama

Se serve do mesmo orvalho

Que o vento, agitando o galho

A folha treme e derrama

 

 

Do sopé da cordilheira

As pequeninas correntes

Se despenham diligentes

Em busca da cachoeira

O xexéu, na aroeira

Olha toda a redondeza

Diante tanta beleza

Se sente todo encantado

Pensa ser o namorado

Mais fiel da Natureza

 

 

Dentro do bosque cerrado

A vegetação cochila

Levanta a fronde tranqüila

Sentindo o tronco lavado

Dentro do emaranhado

Que à tarde a sombra rodeia

A ema, lenta, passeia

Em um constante arrepio

Já enfadada do frio

Que a mão da brisa semeia

 

 

Passa perto da palhoça

Um boi em lentas passadas

Fazendo as suas pisadas

No balanço da carroça

Vai a tabaroa à roça

Em um ar aborrecido

No caminho mais seguido

Buscar água no regato

Se defendendo do mato

Pra não molhar seu vestido

 

Caminha o rebanho lento

Do arvoredo vizinho

À procura do caminho

Do planalto lamacento

No campestre friorento

A planta alegre se agita

A flor sorri e palpita

Sentindo os ventos medonhos

Lá dos recantos tristonhos

Que o gênio da sombra habita

 

 

O vento passa maneiro

Pelo campo rosciado

Fingindo um céu esmaltado

Coberto de nevoeiro

Na baixada, o ingazeiro

Sente vigor, se renova

Como nos dando uma prova

Se mostra todo florido

Entre o multicolorido

Dum mundo de rama nova.

 

 

 

 

 

DIAS DE OUTONO

 

 

Surge a manhã radiante

Com seu clarão luminoso

No prado verde e relvoso

Derrama luz cintilante

No horizonte distante

Seu lindo foco irradia

A aragem branda e fria

Passa por entre a ervança

Grata, meiga, pura e mansa

Fresca, serena e macia

 

 

Logo linda claridade

Através do monte surge

Muito triste a vaca muge

Como quem sente saudade

O sol, com vivacidade

Nos anuncia um bom ano

O seu disco soberano

Faz o espaço vermelho

Cristalizando o espelho

Das águas do oceano

 

 

O vento atravessa certo

Os altos cumes azuis

Roçando os verdes bambus

Do coração do deserto

O sol, qual espelho aberto

Envia luz luminosa

Por trás da serra verdosa

Começa o clarão surgir

Parece o mundo se abrir

Num sonho de paz e rosa

 

 

Os gigantes vegetais

Na desabrida procela

Soltam a folha amarela

Pelos desertos campais

Ouvimos, para os rosais

Linda canção maviosa

Na aroeira frondosa

Um sabiá comovido

Solta o prelúdio sentido

De sua endecha chorosa

 

 

Canta contente o carão

Na fronde do cajueiro

Depois faz vôo ligeiro

Pra longínqua região

Grita alto o gavião

Do sol gozando o afago

Que do firmamento vago

Envia pomos de luz

Dourando as asas azuis

Das borboletas do lago

 

 

As águas impetuosas

Descem do monte barrentas

Procurando, violentas

As catadupas limosas

O colibri, entre as rosas

Voa com certo desvio

Enquanto o vento macio

Passa abraçando os barrancos

Dos gratos terrenos brancos

Da margem fresca do rio

 

 

As borboletas ligeiras

Esvoaçam sem empalho

Sorvendo as gotas de orvalho

Das flores das goiabeiras

Depois, voando rasteiras

Vão procurar novas bases

Para o tenebroso oásis

Onde há mais esperando

Uma à outra revelando

As mais inocentes frases

 

 

O nevoeiro parado

Fazendo negros bulcões

Os mais pesados trovões

Estalam de lado a lado

No lindo pomar florado

A aura espalha frieza

Nos mostra sua beleza

O pequeno ouricuri

Recebendo, alegre em si

Os beijos da Natureza

 

 

Doze horas, meio-dia

A vento soluça manso

O nevoeiro, em balanço

Uma mudança anuncia

A passarada em folia

Gorjeia pela campina

Se ouve, além da colina

Rumores do vendaval

Assim a tarde outonal

Chuvosa e fria declina

 

 

As garças voam vexadas

Dos desertos mais vizinhos

Na direção de seus ninhos

Perto das águas paradas

A noite, além, nas chapadas

Abre o manto universal

E o nevoeiro em geral

Mostra os últimos rubores

Pelas derradeiras cores

Do incêndio ocidental

 

 

As sombras, no mofumbal

Frias e densas se enrolam

As goteiras cantarolam

Uma canção invernal

Seis horas na catedral

Momento grato e tocante

A brisa mansa e cortante

Passa por monte e sopé

Enquanto um velho pajé

Evoca seu gênio errante

 

 

O sol, por trás dos silvedos

Espalha luz soberana

Linda donzela indiana

Olha, sorrindo, seus dedos,

Ouvimos, para os penedos

A catadupa gemendo

As águas brandas descendo

Pelas escabrosidades

Pra nos trazer mais saudades

Da tarde que vai morrendo

 

 

Agora, a escuridão

Desenrola num levante

Vem tomando, num instante

O mundo, de vão a vão

Uma grande solidão

Neste momento aparece

O globo todo entristece

Reina um silêncio profundo

A noite amortalha o mundo

E a Natureza adormece...

 

 

 

 

 

 

DEPOIS DA CHUVA

 

 

 

Era uma tarde de abril,

A luz do sol se escoava

Um traço da cor de anil

O céu deserto mostrava

Num lago triste e sereno

Nadava um cisne pequeno

Eriçando as alvas plumas

As derradeiras neblinas

Faziam lindas ondinas

Por entre as brancas espumas

 

 

Um sabiá pesaroso

Nos galhos em que nasceu

Cantava, triste e choroso

As mágoas do peito seu

O sol além se deitava

A sua luz se esvasava

Pela ramagem da horta

A brisa, em leves ruídos

Levava os ternos gemidos

Da tarde já quase morta

 

 

A água branda descia

Pelo pequeno gramado

A relva, fresca e macia,

Era um tapete rendado

Se ouvia, lá da colina,

No coração da campina,

Soluçar uma cascata

E o sol, com seus lampejos,

Dava os derradeiros beijos

No rosto verde da mata

 

 

O sol, com luz amarela

Dourava os morros azuis

Tornando o céu uma bela

Pulverização de luz

A aura fresca e macia

Por entre a mata fazia

Os mais suaves rumores

As borboletas douradas

Se misturavam vexadas

Bebendo o rócio das flores

 

 

As auras rumorejavam

Com lentidão e leveza

Os regatos retratavam

Um lindo céu de turquesa

Os orvalhos cristalinos

Se desprendiam divinos

Da copa dos arvoredos

Nas carnaúbas rendadas

Como com mãos espalmadas

O sol brincava em seus dedos

 

 

Voavam pelos verdores

Lindos colibris dourados

Sugando o néctar das flores

Dos jiquiris borrifados

No pomar, um rouxinol

Contemplava o arrebol

Numa profunda tristeza

Um traço débil de luz

Rasgava os panos azuis

Do corpo da Natureza

 

 

Depois, os ventos mansinhos

Sopravam no campo vago

Fazendo alguns burburinhos

Na face lisa do lago

As abelhas, preguiçosas,

Se escondiam nas rosas

Que a Natureza burila

E o cisne de brancas penas

Cortava as águas serenas

Da superfície tranqüila.

 

 

 

 

A CASA DO ÉBRIO

 

 

 

Era um casebre tristonho

De cujas paredes tortas

Vinha o rangido enfadonho

Dos gonzos de duas portas

As telhas já nodoadas

Duas roletas deitadas

Numa camarinha escura

O vento, quando passava

Parecia que falava

Nas frinchas da fechadura

 

 

Na parede do nascente,

Um banco desmantelado

Um garrafão de aguardente

Que ainda havia sobrado

Junto ao quarto de dormida

Cera que foi derretida

Do resto de algumas velas

No chão, marcas de escarros

Cacos de vidro, cigarros

Rolavam por cima delas

 

 

Uma rede remendada,

Outra parte descosida

Em um torno pendurada

Pela fumaça tingida

De um lado, havia um cambito

Onde o couro de um cabrito

Sobre um arame pendia

Mais adiante, um jirau

Junto à travessa de um pau

Onde um morcego vivia

 

 

Uma corda, uma rodilha

Bem acima de um caixão

Um pote, numa forquilha

Vazava junto ao fogão

Um gato cego e doente

Deitado sobre um batente

Por certo sentia sono

De fora, um jumento olhava

O seu olhar revelava

A malvadez de seu dono

  

 

Uma vara de ferrão,

A banda de uma tigela

Meio quilo de sabão

Embrulhado dentro dela

A banda de um cobertor

Atada em um armador

Onde havia um candeeiro

Uma camisa de saco

Mostrava por um buraco

A tampa dum tabaqueiro

 

 

Uma cadeira quebrada

As pernas de um tamborete

Uma foice enferrujada

Encabada num cacete

Ao lado de uma cangalha

Havia um chapéu de palha

Com um remendo de pano

Um tronco de mandioca

E um anzol numa taboca

Pra pesca do fim do ano

 

 

Havia armado um quixó

Encostado a um baú

Costurado com cipó

Todo feito a couro cru

Num recanto separado

Se conservava embrulhado

O braço de uma viola

Zelava por tradição

Que seu pai foi campeão

De cantar pedindo esmola

 

 

Uma calça de azulão

Perto da porta do meio

A bainha de um facão

Balançava em um esteio

Numa mesinha na sala

Havia cascas de bala

Um bisaco e uma garrucha,

A manga de um paletó

E um galho de mororó

Guardado pra tirar bucha

 

Cinco ovos de galinha,

Um punhado de limão,

Uma cuia com farinha

Sobre a boca de um pilão

Uma rolinha pelada

Numa gaiola quebrada

Junto à porta dormia

Em frente, um cão cochilava

Com certeza decorava

Sua cruel profecia

 

 

Um pedaço de perneira,

Um serrote e uma enxó

Tudo dentro duma esteira

Amarrada em um cipó

Um candeeiro sem asa

E num recanto da casa

Quatro cartas de baralho

Em um barbante, num prego

Atado por um nó cego

Estava preso um chocalho

 

 

A canela de um veado,

Uma ponta de carneiro,

Em um gibão amarrado

Um facho de marmeleiro

Em frente havia um baú

Só feito de couro cru

Bem apoiado no chão

Sobre sua tampa aberta

Mostrava uma prova certa

Donde guardava o carvão

 

 

Abaixo de um travesseiro

Um pouco de sola em dobra

Dada por um curandeiro

Pra mordedura de cobra

Mais um cachimbo de barro

Que o mau cheiro do sarro

Chegava até o caminho

Em um recanto, num banco

Um sapato preto e branco

Que recebeu de um padrinho

 

Muitas formigas pequenas

Umas vinham, outras iam

E assim muitas centenas

Entre os torrões se escondiam

Duas varas emendadas

Numa parede pregadas

Quase na forma dum ‘vê’

Se o vento passava, vinha

Do terreiro ou da cozinha

Um cheiro não sei de quê

 

 

Uma criança chorava

Juntinho da mãe doente

Que com esforço lhe olhava

Mas já com ar diferente

O rosto banhado em pranto,

Deitada sobre um recanto

Numa parede encostada

A face triste e sombria

Que durante aquele dia

Não tinha comido nada

 

 

Depois, um homem barbado

Entrava cambaleando

Num andar lento e pesado

Exasperado falando

Um ferimento num braço

Se ia aumentar o passo,

Botava a mão na parede

Sorria e depois chorava

Pelos seus traços mostrava

Sinais de quem tinha sede. 

 

 

 

 

SONHO DE SABIÁ

 

 

Um sabiá diligente

Voou pela vastidão

Mas por inexperiente

Caiu em um alçapão

Depois de aprisionado

Ficou mais martirizado

Pensando no seu filhinho

Implume, sem alimento

Exposto à chuva e ao vento

Sem poder sair do ninho

 

 

Deram-lhe por seu abrigo

Uma pequena gaiola

No casebre de um mendigo

Que só comia de esmola

Só vivia cochilando

Com certeza imaginando

Sua liberdade santa

Ia cantar, não podia

Que sua voz se perdia

Logo ao sair da garganta

 

 

Tornou-se a pena cinzenta

Em seu profundo castigo

Na saleta fumarenta

Da casa do tal mendigo

Sempre triste, arrepiado

Nesse viver desolado

Ia um mês, vinha outro mês

Assim completou um ano

Sentindo o seu desengano

Nunca cantou uma vez

 

 

Depois, uma tarde inteira

O pobre do passarinho

Sonhou que ia à palmeira

Onde tinha feito o ninho

Olhava, em frente, as campinas

Via por trás das colinas

A Natureza sorrindo

Ao sentir a liberdade

Pensou ser realidade

Sem saber cantou dormindo

 

 

Depois, sonhou que voltava

À terra dos braunais

Por onde sempre cantava

Mais os outros sabiás

Voava nas ribanceiras,

Pousava nas laranjeiras

Olhando o clarão do dia

Voava através do monte,

Voltava a beber na fonte

Que todas manhãs bebia

 

 

No sonho via as favelas

Criadas nos carrascais

Voou, baixou, pousou nelas

Cantou os seus madrigais

Voltou, colheu os orvalhos

Que gotejavam dos galhos

Dos frondosos jiquiris

Contente, abria a plumagem

Pra receber a bafagem

Das manhãs de seu país

 

 

Foi à terra dos palmares

Atravessou toda a flora

Voou por todos lugares

Que tinha voado outrora

Passou pelos mangueirais

Entre os outros sabiás

Cantou sonora canção

O seu som melodioso

Estava mais pesaroso

Devido à sua emoção

 

 

Viu a vinda do inverno

Nos quadrantes da paisagem

Ouviu o sussurro terno

Do bulício da folhagem

Cantou todo o arrebol,

O brilho morno do sol

Morrendo nos altos cumes

Sentia, quando cantava

Que seu coração chorava

Com mais tristeza e queixumes

 

 

Sonhou catando semente

Num campo vasto e risonho

Se sentia tão contente

Que sonhou que fosse um sonho

Olhava pra vastidão

Tocava em seu coração

Um regozijo profundo

Todas delícias sentia

Às vezes lhe parecia

Vivendo fora do mundo

 

 

Voou por entre os verdores,

Atravessou as searas,

Cantou pelos resplendores

Das manhãs frescas e claras

Passou pelo campo vago,

Bebeu das águas do lago,

Pousou sobre o arvoredo,

Penetrou no bosque escuro,

Aí sonhou um futuro

Tão triste que teve medo

 

 

Depois, sonhou que estava

Trancado em uma gaiola

Ouvindo alguém que cantava

Na porta, pedindo esmola

Ao despertar de momento

Reparou seu aposento,

Ouviu falar o mendigo

Fechou os olhos pensando

Sentiu seu íntimo chorando

No rigor de seu castigo

 

 

Ainda em vão procurava

Sair daquela prisão

Seu olhar denunciava

Piedade e compaixão

Ao pensar na liberdade

A mais pungente saudade

Devorava o peito seu

Assim, o cantor da mata

Ferido da sorte ingrata

No outro dia morreu.

 

 

 

  

SAUDADES DA MINHA TERRA

 

  

Lembro as palmeiras copadas

Daquela terra querida

O prado, a veiga nevada

Das manhãs da minha vida

As florestas circundantes,

As fontezinhas cantantes

Que descem dos tabuleiros

Os ventos que à tarde vão

Passam quebrando a canção

Chorosa dos boiadeiros

 

 

O bosque, o vale, a devesa

Meus belos campos natais

Parece que a Natureza

Não quer que os veja mais

O canto do rouxinol

Na hora em que o arrebol

É mais suave e brilhante

As manhãs subdouradas

De brancas nuvens franjadas

Do lindo sol do levante

 

 

O odor das flores mimosas

Criadas nas cordilheiras

Passa nas mãos carinhosas

Das brisas madrugadeiras

Aquele céu desmaiado,

Ligeiramente azulado,

Prende, domina, encanta

Um véu sereno de neve

Baixa, cobrindo de leve,

A copa verde da planta

 

 

O braunal lá do cume

Se estende num vago açoite

Quando o sol rasga o negrume

Do cortinado da noite

A marreca, a jaçanã,

Tudo saúda a manhã

Diante o formoso encanto

O sabiá da campina

Canta a primeira matina

Do matutinário santo

 

 

Oh, felizes serenadas

Meu lindo céu de safira

Montanhas alcantiladas

Por onde a brisa suspira

Monte, vale, veiga, flora

Belos recantos que a aurora

Serenamente irradia

Onde os ventos sertanejos

Dão os primeiros bafejos

No rosto alegre do dia

 

 

Nas montanhas esfumadas

O sol se esconde sutil

Por trás das nuvens douradas

Do céu sereno de abril

As estrelas fulgurantes

Aparecem, tremulantes

Entre camadas de véu

Surge o luar purpurino,

Espelho sacro e divino

Das namoradas do céu.

 

 

 

 

O INCÊNDIO

 

 

Sobe ao lado direito da ladeira

Turbilhão de fumaça espiralada

A labareda se eleva acompanhada

Do estalo ruidoso da madeira

 

Animais se dispersam na carreira

No bafo sufocante da queimada

Passa a ave piando embaraçada

Da quentura que atinge a mata inteira

 

Lavas cruzam, volteiam, se embaralham

Se misturam, mergulham, se esbandalham

Numa fúria de demônios poderosos

 

Já tudo devastado, apenas brilha

O braseiro, que ainda se enrodilha

Crepitando nos troncos resinosos

 

 

 

 

ABANDONO

 

 

Não quero mais o teu amor, perjura

Não me seduzas, coração fingido

Repara, vê como eu estou ferido

Por teu sorriso de voraz ternura

 

És como a cobra ao sentir bravura

Das criaturas que já tem mordido

Em teu espírito há um mal contido

Pra teu veneno não existe cura

 

Foge pra longe com os teus encantos

Enxuga noutro teus malditos prantos

Não me atormente com teus falsos ‘ais’

 

Esquece os tempos que jamais revivem

Deixa eu viver como as aves vivem

Por minha vida não pergunte mais

 

 

 

 

 

 

O SERTÃO

 

 

Sertão rude das secas causticantes

Esfumadas montanhas comburidas

As pessoas, com fome, perseguidas,

Se afastam de ti como emigrantes

 

Aventureiras, pedestres, viandantes

Muitas vezes demais desprotegidas

Mesmo algumas que são favorecidas

Sentem algo viverem tão distantes

 

E um dia, movidas de saudade

Deixam pão, deixam lar, felicidade

Em regresso, buscando seu torrão

 

Como a ave que foge da gaiola

Voa, canta, porém só se consola

Quando volta de novo pra prisão

 

 

 

 

 

CREPÚSCULO

 

 

O céu se abre num leque de rubor

A luz solar cristaliza o panorama

Se escoa e tremula sobre a rama

Tornando toda a pelúcia multicor

 

Os horizontes circulam de outra cor

A penumbra parece arder em chama

A última luz no ocaso se derrama

Num quadro mágico, sublime, encantador

 

O sol, guerreiro que veio do Oriente

Passou o dia lutando ferozmente

Da guerra trouxe seu golpe assinalado

 

Agoniza agora, e através da tela infinda

Pela grimpa da serra mostra ainda

A metade do rosto ensangüentado.

  

 

 

 

 

 

A NOITE

 

 

As fontes serpeiam, as águas que jorram

Nos vales esborram, os montes respondem

Nos nenúfares algumas crisálidas

Nas horas mais pálidas as folhas escondem

 

O pirilampo que vem do tapume

Procura o perfume da flor mais distante

Piscando diante de um traço da Lua

Que alto flutua no quarto-minguante

 

Gemem os ventos nos vastos penedos

Murmuram segredos em beijos de açoite

Em todos sentidos as lindas falenas

Se cobrem nas penas da asa da noite

 

Suspiram as brisas na boca da serra

Abanam a terra sombria e gelada

As plantas se curvam ao peso do sono

Diante o carbono da noite enlutada

 

Noite de sonhos, visões hediondas

De nuvens redondas que o vento desfaz

Abrem-se os lírios num santo costume

Que são o perfume das noites campais

 

As auras soluçam nas árvores virentes

De estrelas cadentes o céu se reveste

O globo parece que treme e desmaia

Oculto na saia da noite que veste

 

A neve desdobra no vasto baixio

Seu ramo macio coberto de véu

Brilham serenas estrelas polares

Em longes lugares de um lado do céu

 

Existem receios em todos recantos

Sustos, espantos, daqui para ali

A noite, rainha de sonho e fantasma

Se olha e pasma com medo de si

 

Mãe dos impuros, ladrões, assassinos

Dos crimes ferinos, assaltos profundos

Oculta os maus no negro sudário

O mais necessário pra mais de cem mundos. 

 

 

 

 

SONHO DE UM POETA

 

 

Dormi, dormi na velhice

Sonhei que era pequeno

Senti o zéfiro brando

Soprar, suave e sereno

Aromatizando as plagas

Do meu sagrado terreno

 

Ausente do meu torrão

Grande saudade me encerra

Na grata imaginação

Lá da palhoça da serra

Dormindo, o sonho levou-me

Aos campos de minha terra

 

Minha terra tem palmeiras

Tem bosques, carnaubais

Tem vales, tem serranias

Gigantescos laranjais

Outra terra como a minha

Eu sei que não vejo mais

 

O vento da minha terra

Eu acho mais perfumado

O sol é mais luminoso

O céu é mais estrelado

As noites são mais serenas

O mundo, mais descampado

 

 

Por sonho via os verdores

Daquela terra querida

A brisa soprava lenta

Dentro da veiga florida

Quebrando o grande silêncio

Da floresta adormecida

 

As brisas nos mangueirais

Perpassavam com meiguice

Onde meus pais descansavam

Das fadigas da velhice

Olhando eu colher as flores

Cheirosas da meninice

 

Olhava as lindas chapadas

Onde cantava o xexéu

Lugares onde eu brincava

Descuidado, sem chapéu

Correndo à margem dos lagos

Olhando as sombras do céu

 

Por sonho via os coqueiros

De monstruosos tamanhos

Ouvia a voz dos pastores

Admirava os rebanhos

Via os lagos em que eu

Tomei os primeiros banhos

 

Via os verdejantes bosques

As esplanadas mais belas

Pareciam um mar de luz

Os rosais, as caravelas

As aves, as mariantes

Que viviam dentro delas

 

A mata densa e florida

Se estendia divina

Os orvalhos tremulavam

Porque o véu da neblina

Se desdobrava sereno

Na majestosa campina

 

O cheiro de várias flores

Aromatizava os prados

O coqueiro erguia a fronde

Pelos ventos perfumados

Que vinham lá dos confins

Dos campestres matizados

 

Os grandes jacarandás

Faziam grossas colunas

Os sabiás procuravam

Alguns fragaços nas dunas

Para a construção dos ninhos

Na copa das cabiúnas

 

Eram quase sete horas ...

Depois de ter despertado

Na grande imaginação

Do que havia sonhado

Senti saudades do berço

Que fui nascido e criado

 

Este sonho eu nunca mais

Afastei do pensamento

Fiz dentro do coração

Um forte revestimento

Pra suportar a saudade

Que chega a todo momento

 

Todo sonho é ilusão

Posso afirmar seriamente

Dormindo se sonha, às vezes,

Noutro lugar diferente

Acho que seja por causa

Do pensamento da gente.

 

 

 

 

MOMENTOS MATUTINOS

 

 

Nas noites caliginosas

As estrelas luminosas

Pelas grimpas montanhosas

Derramam luz soberana

As florzinhas da paisagem

Dormem por entre a ramagem

Talvez sonhando a imagem

Dos sorrisos de Diana

 

 

Os pirilampos pequenos

Vindos de outros terrenos

Pousam, sutis e serenos

Pelos estrumes da terra

Os perfumados vapores

Passam roçando os verdores

Levando os leves rumores

Das águas brandas da serra

 

 

A Lua, alta e feliz

Linda mãe dos bugaris

Derrama raios sutis

Por toda extensão da selva

Dos lírios desabrochados

Brancos e imaculados,

Os seus perfumes sagrados

A brisa bafeja e leva

 

 

Dentro da floresta densa

A vegetação imensa

Parece ficar suspensa

Nesse ditoso momento

As carnaúbas rendadas

Criadas lá nas chapadas

Abrem as frondes copadas

Para a passagem do vento

 

 

A brisa sopra dolente

Por entre a flora virente

O céu de cor transparente

Azul, sem uma só mancha

Branca neve matutina

Envolve a vasta campina

Toalha de gaze fina

Que o dia rasga e desmancha

 

 

 

As corujas traiçoeiras

Com suas asas maneiras

Passam nos ares, ligeiras

Para o grotilhão enorme

Foge o tenebroso véu

Na aroeira, o xexéu

Olhando as cores do céu

Desperta a mata que dorme

 

 

Para as bandas do levante

Lindo clarão rutilante

Vem-se alargando, brilhante

Cheio de glória e encanto

A neve se desenrola

E o beija-flor, por esmola

Em cada fresca corola

Deposita um beijo santo

 

 

Dos floridos vegetais

Os orvalhos matinais

Como gotas de cristais

Se desprendem tremulantes

Um traço de fina luz

Aquece os verdes bambus

Dos altos cumes azuis

Das cordilheiras distantes

 

 

A borboleta amarela

Passa juntinho à janela

Vai pousar, serena e bela

Num lindo caramanchão

O sabiá, lá da mata

No ingazeiro desata

A nota suave e grata

De sonorosa canção

 

 

Cantam na serra os pastores

Os tempos de seus amores

Sentindo os brandos calores

Dos raios do sol nascente

E a Natureza selvagem

Estende a sua ramagem

Como rendendo homenagem

A um Deus onipotente.

 

 

 

 

ÁRVORE MORTA

 

 

 

Foste tu, velha braúna

A divisão da paisagem

A gigantesca coluna

Da Natureza selvagem

Abrias tua ramagem

Pelas tardes nevoentas

As borrascas violentas

Nunca te causaram danos

Antes de trezentos anos

Te açoitaram mil tormentas

 

 

Respeitaram-te os machados

Das primeiras gerações

Teus grossos galhos crispados

Desafiaram tufões

Venceste mil furacões

Desde os tempos de Cabral

Atalaia colossal

Soberbo gigante antigo

Talvez até deste abrigo

Aos filhos de Portugal

 

 

Por certo ouviste as cantigas

Das tribos depois da guerra

Filha das lendas antigas,

Rebento santo da Terra

Antes, ó virgem da serra,

Dos danos daquele raio

Pelo teu leve desmaio

Colhias na fronde tua

Lindos sorrisos da Lua

Nos noites do mês de maio

 

 

Estes teus grandes madeiros

Há uns cem anos passados

Se sacudiam maneiros

Cheios de viço, copados

Nos teus ramos delicados

Nas horas do arrebol

O pequeno rouxinol

Cantava com mais ternura

Colhendo a doce frescura

Das brisas do pôr-do-sol

 

 

Já tens um lado comido

Da era que foi ingrata

Este teu galho pendido

Relembra longínqua data

Em teu pé uma cascata

Se despenhava fremente

Teu tronco, velho e doente

Pelo cupim estragado

Foi muitas vezes lavado

Pela fragosa corrente

 

 

Hoje, só tens a carcaça

Sobre a estrada caída

Uma pessoa que passa

Medita e sai comovida

Uma parte apodrecida

Onde outrora os sabiás

Voando dos laranjais

Vinham pousar cantando

E hoje passam voando

Se assustam, não pousam mais

 

 

Das plantas foi a mais bela

Que entre a flora viveu

Quem sabe na vida dela

Quantos janeiros venceu ...

Depois murchou e morreu

Ficou dos ramos despida

Para o poente estendida

Sem verdura e sem beleza

Talvez que nessa tristeza

Sinta saudades da vida.

 

 

 

 

  

OS DOIS COQUEIROS

 

 

Testemunhas seculares

Do outro lado do rio

Rumor das brisas lunares

Nas calmas noites de estio

Foram vigias de feras

Venceram eras e eras

Se tornaram centenários

Os seus bulícios tristonhos

Tinham a doçura dos sonhos

De mil poemas lendários

 

 

Com prazeres recebiam

O pequeno rouxinol

Eram os primeiros que viam

A face alegre do sol

Sentiram as mesmas mágoas

Beberam das mesmas águas

Queimados do mesmo pó

Colheram o mesmo sereno

Viveram num só terreno

Nasceram num dia só

 

 

Com todo viço aumentaram

As duas plantas vizinhas

Em pouco tempo chegaram

Ao mundo das andorinhas

Neve, chuva e cerração

Frio, sereno e verão

Nada disso os atingiram

Vencedores das idades

Nem as próprias tempestades

Tempo algum lhes aluíram

 

 

Nas brisas que perpassavam

Brandas ou mais violentas

Eles os dois conversavam

Numas frases barulhentas

Receberam temporais,

Deslocamentos fatais

Por brusco arrojo dos ventos

Viveram nestes combates

Lutando contra os embates

Da força dos elementos

 

 

Assim aqueles coqueiros

Cheios de viço e enganos

Se tornaram dois guerreiros

Foram lutar contra os anos

Um ao outro em homenagem

Nos bafejos da aragem

Estendiam a palha sua

Cada fronde, verde e bela

Conservava uma parcela

Da luz serena da Lua

 

 

Suas palhas sussurrantes

Continham graça e beleza

Dois monstruosos gigantes

Criados da Natureza

Desde a fronde às raízes

Todas suas cicatrizes

Foram profundas feridas

Cada marca, uma história

Uma medalha, uma glória

De cem batalhas vencidas

 

 

Em certos dias marcados

Choveu torrencialmente

Foram os dois abraçados

Por poderosa corrente

Um rodava, outro pendia

A água se remexia

Numa fúria de dragão

O mais fraco, já vencido,

Num arrojo desmedido

Caiu sem ter salvação

 

 

Ficou o outro coqueiro

Em meio à corrente, em pé

Como fosse um guerreiro

Sem esperança e sem fé

Se balançava, tremia

Tombava, depois se erguia

Entre o furor do perigo

E a morrer se dispunha

Como a maior testemunha

Da morte de seu amigo

 

No horroroso fragor

Já se mostrava pendido

Sentiu faltar-lhe o vigor

Foi ficando esmorecido

A água, em borbotão

Fazia revolução

Da superfície à areia

Caiu no mesmo momento

Ao impulso violento

Dos solavancos da cheia

 

 

As grandes vagas caudais

Desciam ligeiramente

Sem ter resistência mais

Se lançou sobre a corrente

O aguaceiro o levou

E junto ao outro o deixou

Por um ligeiro desvio

Ficando os dois encostados

Onde estão sepultados

Do outro lado do rio.

 

 

 

 

MEU LUGAREJO

 

 

Meu recanto pequenino

De planalto e de baixio

Onde eu brincava em menino

Pelos barrancos do rio

Gigantescos braunais,

Meus soberbos taquarais

Cheios de viço e vigor

Belas roseiras nevadas

Diariamente abanadas

Das asas do beija-flor

 

 

A terra da catingueira

Criada na penedia

Onde a ave prazenteira

Canta a chegada do dia

Planalto, ribeiro, prado

Onde até o próprio gado

Parece ter mais prazer

Terreno das andorinhas

Onde arrulham mil rolinhas

Quando começa a chover

 

 

A borboleta ligeira

Que desce do verde monte

Passa voando maneira

Roçando as águas da fonte

As aragens dos campestres

Pelas florzinhas silvestres

Atravessam sem alarde

Quando o sol se debruça

A Natureza soluça

Nas sombras do véu da tarde

 

 

Terreno em que os sabiás

Cantam com mais queixumes

Belas noites de cristais

Cravadas de vaga-lumes

Meus mangueirais magníficos

Por onde os ventos pacíficos

Atravessam mansamente

Verdes matas perfumadas

Nas lindas tardes toldadas

Das cinzas do sol poente

 

Esvoaçam, preguiçosas,

As abelhas pequeninas

Tirando néctar das rosas

Das regiões campesinas

Os colibris multicores

Pelos serenos verdores

Perpassam com sutileza

O orvalho cristalino

Lembra o pranto divino

Dos olhos da Natureza

 

 

Palmeiras que o rouxinol

Canta ainda horas inteiras

As auras do pôr-do-sol

Soluçam nas laranjeiras

A pelúcia aveludada

De muitas flores bordada

Desde o vale até o outeiro

Lugar em que cada planta

Soluça, sorri e canta

Pelos trovões de janeiro

 

 

Deslumbra a gente o encanto

Das borboletas douradas

Pousarem no róscio santo

Das manhãs cristalizadas

Fingem variadas fitas

De fato que são bonitas

Porém se fingem mais belas

Que a divina Natureza,

Por ter-lhes posto a beleza,

Deu mais vaidade a elas

 

 

Oh, noite de Lua cheia

De minha terra querida!

Lindas baixadas de areia

Princípios da minha vida

Lugares de despenhado

Onde gozei, descansado

Sombra, frescura e carinho

Bosque, vale, serrania

Lugares onde eu vivia

Em busca de passarinho

 

 

Os colibris delicados

Pelas manhãs de neblina

Passam voando vexados

Na vastidão da campina

Nos frondosos jiquiris

Dezenas de bem-te-vis

Elevam seus madrigais

Lugar que grita o carão

Olhando o santo clarão

Primeiro que o dia traz

 

 

As pequeninas ovelhas

Descem buscando o aprisco

Colhendo ainda as centelhas

Do sol ocultando o disco

Seguem pelas mesmas trilhas

Como que sejam as filhas

Dum pastor que lhes quer bem

Recebendo ainda as cores

Dos derradeiros rubores

Que o céu do oeste tem

 

 

Vivia sempre brincando

Fosse de noite ou de dia

Na alma se apresentando

Um mundo de poesia

Minhas queridas delícias

Aquelas santas primícias

Se passaram como um hino

Hoje só resta a lembrança

Do tempo em que fui criança

No meu torrão pequenino.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

Patativa do Assaré

 

 

 

Ao Poeta João Batista de Siqueira (Cancão)*

Patativa do Assaré

(do livro Cante Lá Que Eu Canto Cá - Ed. Vozes - págs. 117 a 120)

 

 

 

 

 

 

Não está no gesto escrito

Qual a pessoa feliz

Pois muitas vezes o dito

A verdade contradiz.

Às vezes vem um sorriso

Disfarçar um prejuízo

Sempre houve contradição

Entre a grande humanidade

Vou provar esta verdade

Caro poeta Cancão

 

 

No meu modo de julgar

Tenho Deus por testemunha

É mesmo de admirar

O erro da tua alcunha

O teu vulgo está oposto

Ao grande prazer e gosto

Que a tua musa nos dá

Eu não te julgo Cancão

Na minha interpretação

És um grande sabiá

 

 

Esta suave ternura

De tua musa sublime

Nos afugenta a tortura

Do pranto que nos oprime

Estas jóias cintilantes

De teus poemas cantantes

Para mim são obras-primas

Quer no prazer quer na mágoa

Tu fazes de um pingo de água

Um oceano de rimas

 

 

Compondo a beleza rara

Da poesia sonora

Tua noite é sempre clara

E o teu dia é sempre aurora

Pois, mesmo sendo Cancão

Gozas da mesma atração

Do famoso uirapuru

Teu verso causa ciúme

E possui mesmo o perfume

Das flores do Pajeú

 

 

Colhendo o mais puro suco

Das rosas do teu rincão

Tu cantas o Pernambuco

Teu glorioso Leão

Cantas a crista do monte

E o choramingo da fonte

Das luzes mais protetoras

Já nasceste iluminado

E serás sempre lembrado

Pelas gerações vindouras

 

 

Com um primor estupendo

O teu livro nos aponta

A tarde que vai morrendo

E o dia quando desponta.

Teu verso sentimental

De beleza natural

Entra em nosso coração

Com amor e complacência

Tem das flores a essência

E a doçura do perdão

 

Poeta de alma sentida

Tu vives entre os primores

Honrando a terra querida

Dos famosos cantadores

Uma brisa benfazeja

Sobre o teu estro bafeja

Tu és com amor e fé

Orgulho de tua gente

E serás eternamente

A glória de São José

 

Te fornece com bondade

O espírito que te guia

A franca espontaneidade

Desta tua poesia

Poeta predestinado

Teu sonho é sempre dourado

Quando leio os versos teus

Sinto o suave perfume

E vejo no teu volume

O santo dedo de Deus

 

Nos teus versos, caro amigo

Que jorram como a nascente

A gente sente contigo

Tudo que tua alma sente.

Com inspiração divina

A tua lira domina

O vale, o sertão e a serra

Com melodias infindas

Colheste as flores mais lindas

Que o teu Pajeú encerra

 

A tua imaginação

Tem um amplo repertório

Canta, canta, meu Cancão

De um vulgo contraditório

Pois mesmo com este nome

Não há no mundo quem tome

Isto que a tua alma encerra

Tu tens o canto saudoso

Do sabiá sonoroso

Das plagas da nossa terra

 


 

 

No livro Cante Lá Que Eu Canto Cá, no título deste poema consta o sobrenome Cerqueira, em vez do correto Siqueira. Isto se deve ao fato de que tal equívoco foi cometido já na obra Flores do Pajeú, de Cancão, a que Patativa do Assaré se refere neste poema (4ª déc./10º v.)