Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, Pietá

Luciano Maia


Galope à beira-mar

 

 

                                    Para

 

                                           Tereza Tenório
                                           Jaci Bezerra
                                           Pedro Américo
                                           Sílvio Roberto de Oliveira

 

 

 

Abrindo os espaços da longa memória,

escuto uma voz do relembro que abala

o acento matuto do gesto e da fala 

da lenda-epopéia, de canto de história.

Revejo os avós, seu tempo de glória,

caminhos tão noite do seu cavalgar.

Amor-utopia do chão secular

da casa-do-alto, da velha aroeira,

lembrança a galope, roçando ligeira

as crinas do vento na beira do mar.

 

 

À força da chuva, qual bicho, se esconde

o sol tão presente no tempo-perigo

do solo Nordeste, perene jazigo

de bichos e plantas, sem quando nem onde.

Se a chuva nos ares, nas nuvens estronde,

é tempo chegado do rio passar.

Semente se lança na terra, a brotar

tão frágil, tão tenra colheita-esperança,

que a morte apressada por vezes alcança

sem ter nunca vindo pra beira do mar.

 

 

Roçando os espinhos do cacto acendido,

vencendo o mormaço da pedra-sertão,

galopo sem medo o veloz alazão

no traço rimado do verso medido.

Meu canto é de estrada, caminho estendido

no dorso da idéia do verbo lutar,

semente madura que vai germinar

da lavra do canto, por isso não calo

o aboio-vaqueiro, soltando o cavalo

do verso-repente na beira do mar.

 

 

Manhã ainda noite, linguagem ronceira

dos que se levantam de todos bem antes,

a fala ofegante dos velhos feirantes

levando à cabeça seus potes à feira.

O berro-bezerro lembrando a porteira

à hora de ir ter ao curral e tirar

da mãe todo o leite e deixá-lo a sugar

as tetas vazias da vaca tão mansa

e a flor estavento que gira e descansa

na brisa-lembrança da beira do mar.

 

 

Mourão, pau-a-pique, curral, boi de raça,

fogueira estalando na marca dos ferros,

o laço certeiro, a derriba e os berros

subindo ao abafo da preta fumaça.

Os goles no alpendre da boa cachaça,

tropel de novilhos, voltando ao seu ar;

a fala arrastada dos velhos a dar

as mostras de quem quando moço gozou

das mesmas delícias e o tempo passou

mas canta e relembra na beira do mar.

 

 

Sovela, serrote, mourão e martelo,

quadrão oitavado, galope e sextilha

emprego na lavra da rima que é filha

do verso esculpido, moldado a cutelo.

Navego a distância entre o feio e o belo

e nessa viagem procuro encontrar

enfim o poema que sirva de par

ao canto formoso da mãe-natureza,

mas não alcançando tamanha beleza,

consolo o meu verso na beira do mar.

 

Caminhos cruzados à força dos dias

que fazem-se noites, por longes demais,

exílio dos ventos que agitam varais

e as asas tão leves das aves esguias.

A volta ilusória, nas fotografias,

sem tempo, sem fala, sem nada guardar

do hoje, encerrado no nunca encontrar

o outrora deixado por trás da barranca

do rio que passa por nós e destranca

as portas dos olhos, na beira do mar.

 

 

Tinindo as esporas ao vento que arde,

cavalo e vaqueiro, de sela e gibão,

são donos da lenda do boi barbatão

que a morte alcançou, no lombo da tarde.

Herói sem notícia, sem fama ou alarde,

virou velho e mudo, prefere calar

a história hoje ingênua do seu campear

nas longas chapadas dos tempos de outrora,

já tendo por isso até vindo embora

findar seu galope na beira do mar.

 

 

Mal deita-se o sol em seu berço de ouro,

levanta-se a lua, vestida de prata.

Faz-se hora propícia à canção-serenata

na tarde de missa, quermesse e namoro

O pinho afinado começa o seu choro

e a linda morena vem calma, embalar

um sonho incontido de poeta a cantar

uns versos tão cheios de amor e desejo,

poema que fala do mais louco beijo

roubado ao murmúrio da beira do mar.

 

 

Cantor dos alpendres, ao vento das rimas,

sorvendo as cantigas chegadas da noite,

trazendo em seu bojo quentura de açoite,

violas-ponteio, bordões, notas primas.

O travo-caju e o amargo das limas

cortando as ardências da cana a alagar

gargantas dispostas ao canto-avatar

na roça-palavra de bocas loquazes;

com a moça praiana vou fazer as pazes

trazendo o sertão para a beira do mar.

 

 

Palavra vertida na voz desterrada,

caminhos cumpridos no fado do povo,

e um sol rotineiro que queima de novo

a mesma epiderme de rugas vincada.

O oitão sem reboco da casa deixada

atrás da colina, suspensa no ar;

a rosa impossível, de nunca brotar

do pé-de-fulô da donzela Maria

e o pé na estrada, em fatal romaria,

até que sé perca na beira do mar.

 

 

Cantor das coivaras queimando o horizonte,

das brancas raízes expostas à lua,

da pedra alvejada, da laje tão nua

guardando o silêncio da noite no monte.

Cantor do lamento da água da fonte

que desce ao açude e lá fica a teimar

com o sol e com o vento, até se finar

no último adejo da asa sedenta,

que busca salvar-se da morte e inventa

cantigas de adeuses na beira do mar.

 

 

Eu canto o galope medido na idade

de todas as coisas, janeiro a dezembro,

o tempo-menino que agora relembro...

sorvendo o que resta da tal mocidade.

O certo é que em busca da pura verdade

passado e presente é preciso habitar.

Futuro é o tempo da safra provar

do que hoje é o mais fundo e mais vivo desejo.

Sou como o incansável, tenaz sertanejo

que planta o sertão cá na beira do mar.

 

 

A seca lagoa, fendida e escura,

nos lembra um mosaico, de cor tão igual,

porém a sua forma é poligonal,

tal como convém ao terreno em secura.

Pois essa erodida e disforme textura

é marca ferrada do chão secular

da pátria Nordeste, que habita o avatar

das chuvas-verão, de invernos sedentos,

esprito jocoso de muitos inventos,

histórias que ouvir cá na beira do mar.

 

 

O pai disse ao filho, que ia-se embora:

- "É hora de planta, meu fio, num arribe,

é já que mais chove e rio Jaguaribe

traz água pra roça, em cima da hora".

Sem crer no seu velho se foi e agora

recebe a encomenda que vão lhe entregar:

(espigas, feijão... ) e então põe-se a chorar

com pena de ter desertado da roça

deixando a família na antiga palhoça

e ele sozinho, na beira do mar.

 

 


 

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