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Luciano
Maia
Galope
à beira-mar
Para
Tereza Tenório
Jaci Bezerra
Pedro Américo
Sílvio Roberto de Oliveira
Abrindo
os espaços da longa memória,
escuto
uma voz do relembro que abala
o
acento matuto do gesto e da
fala
da
lenda-epopéia, de canto de história.
Revejo
os avós, seu tempo de glória,
caminhos
tão noite do seu cavalgar.
Amor-utopia
do chão secular
da
casa-do-alto, da velha aroeira,
lembrança
a galope, roçando ligeira
as
crinas do vento na beira do mar.
À
força da chuva, qual bicho, se esconde
o
sol tão presente no tempo-perigo
do
solo Nordeste, perene jazigo
de
bichos e plantas, sem quando nem onde.
Se
a chuva nos ares, nas nuvens estronde,
é
tempo chegado do rio passar.
Semente
se lança na terra, a brotar
tão
frágil, tão tenra colheita-esperança,
que
a morte apressada por vezes alcança
sem
ter nunca vindo pra beira do mar.
Roçando
os espinhos do cacto acendido,
vencendo
o mormaço da pedra-sertão,
galopo
sem medo o veloz alazão
no
traço rimado do verso medido.
Meu
canto é de estrada, caminho estendido
no
dorso da idéia do verbo lutar,
semente
madura que vai germinar
da
lavra do canto, por isso não calo
o
aboio-vaqueiro, soltando o cavalo
do
verso-repente na beira do mar.
Manhã
ainda noite, linguagem ronceira
dos
que se levantam de todos bem antes,
a
fala ofegante dos velhos feirantes
levando
à cabeça seus potes à feira.
O
berro-bezerro lembrando a porteira
à
hora de ir ter ao curral e tirar
da
mãe todo o leite e deixá-lo a sugar
as
tetas vazias da vaca tão mansa
e
a flor estavento que gira e descansa
na
brisa-lembrança da beira do mar.
Mourão,
pau-a-pique, curral, boi de raça,
fogueira
estalando na marca dos ferros,
o
laço certeiro, a derriba e os berros
subindo
ao abafo da preta fumaça.
Os
goles no alpendre da boa cachaça,
tropel
de novilhos, voltando ao seu ar;
a
fala arrastada dos velhos a dar
as
mostras de quem quando moço gozou
das
mesmas delícias e o tempo passou
mas
canta e relembra na beira do mar.
Sovela,
serrote, mourão e martelo,
quadrão
oitavado, galope e sextilha
emprego
na lavra da rima que é filha
do
verso esculpido, moldado a cutelo.
Navego
a distância entre o feio e o belo
e
nessa viagem procuro encontrar
enfim
o poema que sirva de par
ao
canto formoso da mãe-natureza,
mas
não alcançando tamanha beleza,
consolo
o meu verso na beira do mar.
Caminhos
cruzados à força dos dias
que
fazem-se noites, por longes demais,
exílio
dos ventos que agitam varais
e
as asas tão leves das aves esguias.
A
volta ilusória, nas fotografias,
sem
tempo, sem fala, sem nada guardar
do
hoje, encerrado no nunca encontrar
o
outrora deixado por trás da barranca
do
rio que passa por nós e destranca
as
portas dos olhos, na beira do mar.
Tinindo
as esporas ao vento que arde,
cavalo
e vaqueiro, de sela e gibão,
são
donos da lenda do boi barbatão
que
a morte alcançou, no lombo da tarde.
Herói
sem notícia, sem fama ou alarde,
virou
velho e mudo, prefere calar
a
história hoje ingênua do seu campear
nas
longas chapadas dos tempos de outrora,
já
tendo por isso até vindo embora
findar
seu galope na beira do mar.
Mal
deita-se o sol em seu berço de ouro,
levanta-se
a lua, vestida de prata.
Faz-se
hora propícia à canção-serenata
na
tarde de missa, quermesse e namoro
O
pinho afinado começa o seu choro
e
a linda morena vem calma, embalar
um
sonho incontido de poeta a cantar
uns
versos tão cheios de amor e desejo,
poema
que fala do mais louco beijo
roubado
ao murmúrio da beira do mar.
Cantor
dos alpendres, ao vento das rimas,
sorvendo
as cantigas chegadas da noite,
trazendo
em seu bojo quentura de açoite,
violas-ponteio,
bordões, notas primas.
O
travo-caju e o amargo das limas
cortando
as ardências da cana a alagar
gargantas
dispostas ao canto-avatar
na
roça-palavra de bocas loquazes;
com
a moça praiana vou fazer as pazes
trazendo
o sertão para a beira do mar.
Palavra
vertida na voz desterrada,
caminhos
cumpridos no fado do povo,
e
um sol rotineiro que queima de novo
a
mesma epiderme de rugas vincada.
O
oitão sem reboco da casa deixada
atrás
da colina, suspensa no ar;
a
rosa impossível, de nunca brotar
do
pé-de-fulô da donzela Maria
e
o pé na estrada, em fatal romaria,
até
que sé perca na beira do mar.
Cantor
das coivaras queimando o horizonte,
das
brancas raízes expostas à lua,
da
pedra alvejada, da laje tão nua
guardando
o silêncio da noite no monte.
Cantor
do lamento da água da fonte
que
desce ao açude e lá fica a teimar
com
o sol e com o vento, até se finar
no
último adejo da asa sedenta,
que
busca salvar-se da morte e inventa
cantigas
de adeuses na beira do mar.
Eu
canto o galope medido na idade
de
todas as coisas, janeiro a dezembro,
o
tempo-menino que agora relembro...
sorvendo
o que resta da tal mocidade.
O
certo é que em busca da pura verdade
passado
e presente é preciso habitar.
Futuro
é o tempo da safra provar
do
que hoje é o mais fundo e mais vivo desejo.
Sou
como o incansável, tenaz sertanejo
que
planta o sertão cá na beira do mar.
A
seca lagoa, fendida e escura,
nos
lembra um mosaico, de cor tão igual,
porém
a sua forma é poligonal,
tal
como convém ao terreno em secura.
Pois
essa erodida e disforme textura
é
marca ferrada do chão secular
da
pátria Nordeste, que habita o avatar
das
chuvas-verão, de invernos sedentos,
esprito
jocoso de muitos inventos,
histórias
que ouvir cá na beira do mar.
O
pai disse ao filho, que ia-se embora:
-
"É hora de planta, meu fio, num arribe,
é
já que mais chove e rio Jaguaribe
traz
água pra roça, em cima da hora".
Sem
crer no seu velho se foi e agora
recebe
a encomenda que vão lhe entregar:
(espigas,
feijão... ) e então põe-se a chorar
com
pena de ter desertado da roça
deixando
a família na antiga palhoça
e
ele sozinho, na beira do mar.
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