Menezes y Morais
A difícil
viagem do eu
em busca
de si mesmo
O poeta
mineiro Wilmar Silva completa 21 anos de poesia com uma
poética da radicalidade. No momento em que escrevo estas
virtuais traçadas linhas, o poeta Wilmar Silva, 42 anos,
está completando 21 anos de Poesia. São 12 livros
publicados, numa odisséia poética, que teve início em 1986,
com a publicação de Lágrimas & Orgasmos, em parceria com
Roberto Raquino. Dessa obra, li quatro títulos: o livro de
estréia; Arranjos de Pássaros e Flores; Cachaprego e
Estilhaços no Lago de Púrpura.
O primeiro,
o terceiro e o quarto livros têm como DN estético o
legado de movimentos como o Surrealismo (escrita automática)
e a Poesia Beat.
Por sua vez,
a origem do Surrealismo é a Bíblia, no livro Apocalipse.
E a Poesia
Beat? É um movimento estético típico da segunda metade do
século XX. E o que "fala" a poética da radicalidade,
entretanto, não diz respeito nem ao Surrealismo, nem à
Poesia Beat. Diz respeito exclusivamente a Wilmar Silva,
hoje uma das vozes poéticas mais importantes da sua geração.
Todos nós somos filhos do nosso tempo, agregando,
evidentemente, todo o legado cultural da Humanidade.
Aprendemos
na Cartilha do ABC, mas não temos nada mais a ver com
ela. Ator e cidadão de uma sensibilidade à flor da pele,
Wilmar Silva é natural de Rio Paranaíba, cidade situada na
região do Triângulo Mineiro. Filho de camponeses, Wilmar
Silva, parece uma espécie de vulcão estética, que vomita
sua vivência e memórias em forma de poesia, nos livros que
li. O poeta "se expõe na vitrine," dizia Drummond,
mostrando chagas e cicatrizes da existência, em busca da
cumplicidade alheia. Sem mentiras, pois, dizia Novalis,
"quanto mais verdadeiro, mais poético." Esse papo "O poeta é
um fingidor" é do Fernando Pessoa.
A poesia de
WS pulsa na vertente da Verdade. Ele sabe que a Poesia é o
passaporte do Poeta para a Vida. Igual à Poesia de todos os
criadores poéticos, desde o início da saga da humanidade. De
Homero, Hesíodo, a Safo de Lesbos, passando por Lautréamont,
Sousândrade e Pedro Kilkerry, até nossos dias, a Poesia –
que existe desde a gênese da
humanidade - é uma das expressões mais radicais da
Vida. Assim é a poética de Wilmar Silva. O eu explodindo em
nome da integridade humana.
A língua
cria o homem; e daí? O homem cria a linguagem; e então?
A linguagem informa e transmite emoção. Talvez por isto o
filósofo italiano Vico dizia que a "Poesia é a origem da
língua." Só emociona quem trabalha com sensibilidade. A
palavra tem força. E força puxa força, na proporção em que
palavra gera novas palavras, que produzem estranheza,
emoções e fundam civilizações novas.
Quem sente
tem o conteúdo da Poesia. Em qualquer arte, em
qualquer parte, em qualquer fato da humanidade sã. A frase
"eu te amo," por exemplo, pode te alcançar hoje ou depois de
amanhã. A palavra apreende a realidade. Em flagrante delito,
a palavra fotografa e analisa o mito. A palavra é feita
professor (a): toca na face do futuro, ilumina o medo,
mostra o caminho mais seguro, sem segredos. Por isso,
a palavra "grito" ficou em silêncio no coração de outro
tempo.
Wilmar Silva
sabe disso. Sua poética é cheia de imagens. E imagens
são sempre raras, inusitadas, prenhes de significantes e
significados. Imagens, às vezes, são metáforas, mas sempre
verdades detonando os sofismas da mediocridade. Poeta e
Poesia se completam, são extensões um do outro. O resultado
é a obra poética. Poesia se faz também com idéias, meu caro
Stéphane Marllamé. A Poesia grega e latina, no seu berço,
quando nasceu, não tinha rimas.
A
consciência artística avança contra o mundo em chamas e
a degradação da Vida. A Poesia incide antes que o sonho
agonize. E tudo se refaz, com base na memória de séculos
futuros, projetados em séculos atrás. É para impedir a
agonia do sonho que as poetas escrevem poesia. Poesia.
No livro
Cachaprego, por exemplo, Wilmar Silva faz experimentos com
a linguagem. É um trabalho que tem páginas onde a voz
transcrita do gago estressa as possibilidades da linguagem,
criando novas sonoridades semânticas, mesmo correndo o risco
de fazer arte pela arte. É uma daquelas obras que requer a
cumplicidade do leitor. Tem palavras inventadas – neologismo
- inclusive pela junção. E no livro mais recente, Estilhaços
no Lago de Púrpura, a solidão humana explode num poema
dividido em 30 partes, numeradas. São espécies de fragmentos
do eu, na gramática da verdade, à procura da humanidade
perdida. Nele, também ocorre a subversão da sintaxe e da
anatomia: quando os pés têm olhos. Isto porque, numa noite
animal, o Poeta vive uma espécie de crise da existência, e
explode em fragmentos do Eu, do eu mutante arco-íris humano.
O córrego do eu parece inatingível à sede; mas a água está
próxima. A certeza da vitória nos faz sentimos mais fortes.
Em
Estilhaços no Lago de Púrpura, a Poesia é a paisagem
perfeita do desespero e da catarse. Nele, tudo se refaz.
Menos a Vida que passa no vão do século e não volta mais. O
Poeta colhe a emoção. Na emoção, a razão. A emoção no calor
da hora, pra arrepiar a pele da espécie humana. O Poeta põe
os dedos na origem da grande ferida: a desumanidade que
diuturnamente sangra, clama por Felicidade. A grande ferida
humana é inteira, mesmo sendo metade. Longe do espelho
desumano da maldade.
Wilmar Silva
nos mostra que a Poesia não tem saída: de onde vem e
pra onde vai, é tudo aclive e declive da Vida. O Eu à
procura de si no outro. O Eu-Humanidade: Poesia. O Eu-objeto
da existência, chão das coisas. O Eu-mineral humano vegetal.
O Eu, ente absorto diante o mistério sem segredo algum. Uma
fala diferente: Poesia. O Eu desesperado, buscando o
encontro com o outro Eu que lhe é negado.
É preciso a
certeza da felicidade, para que o Eu se sinta hipermotivado
pra construir o Eu em sua multipluralidade.
O
Eu-trabalho construindo o mundo. O Eu-erótico fecundando o
chão. O Eu-festa, o Eu-refração. O Eu-resolvido. O
Eu-solidão. Em busca de si, o Poeta vira humanidade. Sabe
que o amor desencontrado vira estilhaços de tristeza. A
poética de Wilmar Silva, mesmo em Arranjos de Pássaros e
Flores – que segue paralelo, mas cheio de referências à obra
poética de Manoel de Barros – mostra os seus eus grávidos
de humanidade. A Poesia salva o Poeta do desespero da
solidão e da morte anunciada. Assim, Wilmar Silva empreende
a difícil viagem do Eu em busca de si mesmo. E da perdida
humanidade.
Menezes y Morais
Brasília-DF, verão 2007
Page de Wilmar Silva
|