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Menezes y Morais

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Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Maria Helena Nery Garcez

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

Menezes y Morais


 

A difícil viagem do eu

em busca

de si mesmo

 

 

 

 

O poeta mineiro Wilmar Silva completa 21 anos de poesia com uma poética da radicalidade. No momento em que escrevo estas virtuais traçadas linhas, o  poeta Wilmar Silva, 42 anos, está completando 21 anos de Poesia. São 12 livros publicados, numa odisséia poética, que teve início em 1986, com a publicação de Lágrimas & Orgasmos, em parceria com Roberto Raquino. Dessa obra, li quatro títulos: o livro de estréia; Arranjos de Pássaros e Flores; Cachaprego e Estilhaços no Lago de Púrpura. 

O primeiro, o terceiro e o quarto livros têm como DN estético o legado de movimentos como o Surrealismo (escrita automática) e a Poesia Beat.

Por sua vez, a origem do Surrealismo é a Bíblia, no livro Apocalipse.

E a Poesia Beat? É um movimento estético típico da segunda metade do século XX. E o que "fala" a poética da radicalidade, entretanto, não diz respeito nem ao Surrealismo, nem à Poesia Beat. Diz respeito exclusivamente a Wilmar Silva, hoje uma das vozes poéticas mais importantes da sua geração. Todos nós somos filhos do nosso tempo, agregando, evidentemente, todo o legado cultural da Humanidade.

 Aprendemos na Cartilha do ABC, mas não temos nada mais a ver com ela. Ator e cidadão de uma sensibilidade à flor da pele, Wilmar Silva é natural de Rio Paranaíba, cidade situada na região do Triângulo Mineiro. Filho de camponeses, Wilmar Silva,  parece uma espécie de vulcão estética, que vomita sua vivência e memórias em forma de poesia, nos livros que li. O poeta "se expõe na vitrine," dizia Drummond,  mostrando chagas e cicatrizes da existência, em busca da cumplicidade alheia. Sem mentiras, pois, dizia Novalis, "quanto mais verdadeiro, mais poético." Esse papo "O poeta é um fingidor" é do Fernando Pessoa.

A poesia de WS pulsa na vertente da Verdade. Ele sabe que a Poesia é o passaporte do Poeta para a Vida. Igual à Poesia de todos os criadores poéticos, desde o início da saga da humanidade. De Homero, Hesíodo, a Safo de Lesbos, passando por Lautréamont, Sousândrade e Pedro Kilkerry, até nossos dias, a Poesia – que existe desde a gênese da
humanidade - é uma das expressões mais radicais da Vida. Assim é a poética de Wilmar Silva. O eu explodindo em nome da integridade humana.

A língua cria o homem; e daí? O homem cria a linguagem; e então? A linguagem informa e transmite emoção. Talvez por isto o filósofo italiano Vico dizia que a "Poesia é a origem da língua." Só emociona quem trabalha com sensibilidade. A palavra tem força. E força puxa força, na proporção em que palavra gera novas palavras, que produzem estranheza, emoções e fundam civilizações novas.

Quem sente tem o conteúdo da Poesia. Em qualquer arte, em qualquer parte, em qualquer fato da humanidade sã. A frase "eu te amo," por exemplo, pode te alcançar hoje ou depois de amanhã. A palavra apreende a realidade. Em flagrante delito, a palavra fotografa e analisa o mito. A palavra é feita professor (a): toca na face do futuro, ilumina o medo, mostra o caminho mais seguro, sem segredos. Por isso, a palavra "grito" ficou em silêncio no coração de outro tempo.

Wilmar Silva sabe disso. Sua poética é cheia de imagens. E imagens são sempre raras, inusitadas, prenhes de significantes e significados. Imagens, às vezes, são metáforas, mas sempre verdades detonando os sofismas da mediocridade. Poeta e Poesia se completam, são extensões  um do outro. O resultado é a obra poética. Poesia se faz também com  idéias, meu caro Stéphane Marllamé. A Poesia grega e latina, no seu  berço, quando nasceu, não tinha rimas.

A consciência artística avança  contra o mundo em chamas e a degradação da Vida. A Poesia incide antes que o sonho agonize. E tudo se refaz, com base na memória de séculos futuros, projetados em séculos atrás. É para impedir a agonia do sonho que as poetas escrevem poesia. Poesia.

No livro Cachaprego, por exemplo, Wilmar Silva faz experimentos com a linguagem. É um trabalho que tem páginas onde a voz transcrita do gago estressa as possibilidades da linguagem, criando novas sonoridades semânticas, mesmo correndo o risco de fazer arte pela arte. É uma daquelas obras que requer a cumplicidade do leitor. Tem palavras inventadas – neologismo - inclusive pela junção. E no livro mais recente, Estilhaços no Lago de Púrpura, a solidão humana explode num poema dividido em 30 partes, numeradas. São espécies de fragmentos do eu, na gramática da verdade, à procura da humanidade perdida. Nele, também ocorre a subversão da sintaxe e da anatomia: quando os pés têm olhos. Isto porque, numa noite animal, o Poeta vive uma espécie de crise da existência, e explode em fragmentos do Eu, do eu mutante arco-íris humano. O córrego do eu parece inatingível à sede; mas a água está próxima. A certeza da vitória nos faz sentimos mais fortes.

Em Estilhaços no Lago de Púrpura, a Poesia é a paisagem perfeita do desespero e da catarse. Nele, tudo se refaz. Menos a Vida que passa no vão do século e não volta mais. O Poeta colhe a emoção. Na emoção, a razão. A emoção no calor da hora, pra arrepiar a pele da espécie humana. O Poeta põe os dedos na origem da grande ferida: a desumanidade que diuturnamente sangra, clama por Felicidade. A grande ferida humana é inteira, mesmo sendo metade. Longe do espelho desumano da maldade.

Wilmar Silva nos mostra que a Poesia não tem saída: de onde vem e pra onde vai, é tudo aclive e declive da Vida. O Eu à procura de si no outro. O Eu-Humanidade: Poesia. O Eu-objeto da existência, chão das coisas. O Eu-mineral humano vegetal. O Eu, ente absorto diante o mistério sem segredo algum. Uma fala diferente: Poesia. O Eu desesperado, buscando o encontro com o outro Eu que lhe é negado.

É preciso a certeza da felicidade, para que o Eu se sinta hipermotivado pra construir o Eu em sua multipluralidade.

O Eu-trabalho construindo o mundo. O Eu-erótico fecundando o chão. O Eu-festa, o  Eu-refração. O Eu-resolvido. O Eu-solidão. Em busca de si, o Poeta vira humanidade. Sabe que o amor desencontrado vira estilhaços de tristeza. A poética de Wilmar Silva, mesmo em Arranjos de Pássaros e Flores – que segue paralelo, mas cheio de referências à obra poética de Manoel de Barros – mostra os seus eus grávidos de humanidade. A Poesia salva o Poeta do desespero da solidão e da morte anunciada. Assim, Wilmar Silva empreende a difícil viagem do Eu em busca de si mesmo. E da perdida humanidade.

 Menezes y Morais
 Brasília-DF, verão 2007


 

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