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Manoel Ricardo de Lima


 

Todos os motivos do mundo

 

“O Brasil é um terreno estéril! Aqui não brotam
idéias! O Brasil murcha a imaginação, resseca
o estímulo intelectual, definha o raciocínio!”
Pimenta Bueno

 

Diogo Mainardi é desses escritores que quem não entende a literatura que ele faz (às vezes até por não ter muita proximidade com a história da literatura, a literatura em si e as necessidades que uma literatura contemporânea preconizam), o odeia. Quem entende, não o ama. É simples assim. Um de nossos bons Eduardo Diatahy Bezerra de Menezessociólogos, por exemplo, chamou seu último livro, Polígono das Secas (1995), de algo como “livrinho hediondo”, e apenas esqueceu de um pequeno detalhe: o livro não é nenhum tratado antropológico sobre o sertão, mas um ensaio-romanceado; ou seja, literatura sobre literatura, satirizando tudo. Mas não era só isso, outras cositas em questão. 

Mainardi escreveu antes um romance chamado Malthus (1989) - que narra estripulias onívoras sob a lei de R. Malthus -, e depois um outro por nome Arquipelágo (1992) - romance filosófico que extrapola a condição humana levando-a a limites grotescos. E ainda, não tem nenhuma piedade de seus resenhados na revista Veja (mesmo que cometa equívocos, dos quais não estamos livres;Diogo Mainardi mas os comete em um número muito menor aos seus acertos). Esse tom que Mainardi e suas personagens têm, um tanto duros, irônicos e sem nenhum desespero para decisões limites, além de iconoclastas, é que aterroriza o leitor. Por isso, ele sabe, tem poucos. 

Mesmo assim Mainardi insiste na fórmula. Lançou recentemente, pela Cia. das Letras, Contra o Brasil. Pronto, agora os patriotas de plantão vão morrer; todos. Que morram, o inferno os espera. A personagem protagonista de Mainardi é Pimenta Bueno, um impulsivo que passa o tempo a citar impropérios contra o Brasil. De Levi-Strauss a Elisabeth Bishop. Personagem que nos faz lembrar de algumas outras personagens célebres da literatura brasileira. Apenas, às avessas. O primeiro deles é Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Depois Macunaíma, de Mário de Andrade. E um outro de Antônio Callado. 

A estrutura das narrativas de Mainardi é sempre a mesma. Ritmo rápido, sem descrições e sem titubear. Há um abismo fremente e próximo. Neste Contra o Brasil não é diferente. A narrativa arrasta-se para colocar Pimenta Bueno, um ardil que passa a vida entre citações, como a referência de um país que há muito perdeu a validade de existência, e não a entende. Pimenta Bueno quer achar uns índios chamados Nambiquara, Mato Grosso, e fazê-los voltar a ser como nas descrições de quem por aqui esteve e os viu.

O fato é que frente a este país em que tudo se acaba, tudo se vende, das instituições aos signos culturais, o livro de Mainardi é apenas uma confirmação delicada do que vivemos e do que somos. Concordar que um analfabeto como Egon, cunhado de Pimenta, é rico porque é corrupto e acha Pimenta um faz-nada porque tem tempo para ler, é apenas confirmar: o Brasil é assim. E não é? Não foi neste país que disseram que Van Gogh era um desocupado por que pintava o dia inteiro? Não é assim que são nossos ‘novos’ milionários pátrios: corruptos, lascivos, perdulários, ostentosos, iletrados...? 

Coisas como “As Cartas Chilenas de Gonzaga constituem um dos raros casos de sátira política neste país de aduladores”, “os poetas brasileiros (até o Modernismo) sempre chegaram com 50 anos de atraso” e “quando o antiescravagismo de Castro Alves despontou na literatura brasileira, até o imperador já era abolicionista”, “que o folclore brasileiro assimilou as crendices de todas as culturas que por aqui se instalaram”, “pode haver algo mais tolo do que a música popular brasileira?”, “O Brasil é a pior meta turística do planeta!”, “O Brasil tem o poder de dissipar as inteligências!”, “O Brasil estimula a traição”, “Não confio em nenhum político brasileiro! Incompetentes e safados!”, “O Brasil é o reino da impunidade” e outras são exemplos da fala certeira de Pimenta Bueno. 

Mas o livro fica mais divertido quando Pimenta põe falas de outros entre as suas. Como vive citando notas referentes a este povo, a este país, até cansar o mais benevolente de seus ouvintes, faz uso de coisas um tanto curiosas: “Como país, acho que o Brasil não tem saída – não é trágico como o México, mas apenas letárgico ... (Elisabeth Bishop); “nada é mais típico do brasileiro do que o fato de ser um homem sem história. Todos os valores civis foram importados pelo mar.” (Stefan Zweig); “uma daquelas cenas por demais freqüentes no Rio de Janeiro: De novo, uma mulher caída na rua, ensangüentada, diante de um ônibus. E uma multidão que olha para ela sem socorrê-la, em silêncio. Esse costume bárbaro é deplorável.” (Albert Camus); “Chatice degradante; conversas insuportáveis e nada para ler.” (Evelyn Waugh); “uma terra de depravados morais” (Charles Darwin); “Um defeito das senhoras do RJ é a sua excessiva preguiça e indolência” (Carl Seidler). 

A conclusão de Pimenta Bueno é óbvia: é a incapacidade que os brasileiros têm de se rebelar, de tentar mudar o que contraria, o que é danoso, mal feito, corrompido, estapafúrdio. Há sempre um conformismo seguido de um “as coisas não são bem assim”. Vejam nossas lideranças, quem são? Nossos políticos? – Pimenta Bueno responde, citando Carl Seidler, antes de sair para defecar: “A tolice rude, a protérvia ignorante, a arrogância ridícula, tudo se ajunta para oferecer uma das mais degradantes cenas da vida pública do Brasil.”

Mainardi constrói sua personagem de uma maneira que nos leva à boas risadas. Pimenta Bueno faz galhofa de si mesmo, dos índios Nambiquara, de suas citações. Faz galhofa deste “povo tão estupidamente destituído de curiosidade” e “de bons modos”. A sátira bem humorada de Mainardi termina por ser a favor do Brasil; para que ele desperte. Ou então que concordemos: temos realmente que ser contra um país que tem o despautério de apresentar uma medida em que aposentados ainda têm que pagar mensalidades para a previdência. Desta anomalia, o certo é que Mainardi tinha todos os motivos do mundo e mais alguns para compor o seu Contra o Brasil.

Quanto ao  que acontece com Pimenta Bueno, só lendo o livro. 

 

 

Manoel Ricardo de Lima -  26.10.1998

 

Serviço

Contra o Brasil, Diogo Mainardi.

Cia. das Letras, 214 págs., R$ 20,00.

Manoel Ricardo de Lima, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Manoel Ricardo de Lima


Leminski!

 

Em 1968, Paulo Leminski se debruçou sobre um projeto que o fez atravessar meio em silêncio os primeiros anos da década de 70. O projeto de um romance, uma prosa experimental, aos modo das narrativas que tomam por base a tentativa de invenção de novas sintaxes e de formatação de uma pesquisa de linguagem, como as de James Joyce em Ulisses e Finnegans Wake, de João Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas e ainda, de Haroldo de Campos, em seu O Livro das Galáxias. 

Esta prosa de invenção, ou prosa experimental, como a definiu Leminski, recebe o nome de Catatau. Narrativa que foi publicada em 1975, em uma edição do autor. “Me nego a ministrar clareiras para a inteligência deste catatau que, por oito anos, agora, passou muito bem sem mapas. Virem-se”, diz-nos em uma Repugnatio Benevolentiae, na página que  inicia a obra, posterior às dedicatórias. E, em uma entrevista, afirma sobre os autores em questão: “as prosas depois de Joyce e que não são tocadas pela experiência joyciana a mim não interessam. Elas são pré-joycianas. Quer dizer, eu vejo as coisas de modo histórico.” (PARANAENSES, 1988:18); “eu tinha pretendido levar alguns palmos, alguns passos além, a experiência de Rosa. Porque Rosa trouxe a experiência da linguagem até as portas da ininteligibilidade. E eu entrei na ininteligibilidade.” (PARANAENSES, 1988:19); “uma prosa pós-Rosa, bem, tem O livro das Galáxias, de Haroldo de Campos.” (PARANAENSES, 1988:20) A idéia era a do “texto, antes de ser signo de alguma coisa, ser um objeto.” (PARANAENSES, 1988:20)

 A narrativa do Catatau conta a trajetória de René Descartes, o filósofo cartesiano, que foi oficial de Maurício de Nassau na Europa e que poderia tranqüilamente ter vindo ao Brasil. Leminski imagina que ele veio com o nome de Renatus Cartesius para o Brasil holandês, a Recife de 1630, e o coloca em uma situação minimamente ridícula: uma tocaia, uma longa espera. Cartesius fica sentado à sombra de uma árvore, com uma luneta em uma das mãos e um cachimbo com maconha na outra, esperando uma figura estranha, detentora de vícios e herege, que chega bêbada. Ou seja, como disse Leminski, que chega imprestável para a razão. 

Régis Bonvicino define o Catatau como uma narrativa que tenta enquadrar a realidade tropical e nova aos olhos do filósofo, realidade exuberante e emergente, dentro de velhos preceitos europeus; e que são os provérbios populares que confundem o pensamento do cartesiano: “os provérbios de ralé, e todos os seus similares, de trocadilhos a anexins, referenciam e amarram, com unhas e dentes, a narrativa do Catatau ao mundo popular, à boca do povo, esse  ‘inventa-línguas’. E não só ao literário.” (LEMINSKI, 1992:172) Confirma-nos o próprio Leminski com o poema que segue, sem título, também de Caprichos e Relaxos, que a sua prosa é, antes de mais nada, uma prosa escrita por um poeta:

sim

eu quis a prosa

essa deusa

só diz besteiras

fala das coisas

como se novas

não quis a prosa

apenas a idéia

uma idéia de prosa

em esperma de trova

um gozo

uma gosma

uma poesia porosa  

(LEMINSKI, 1983:60)

Depois, quando tentam posicionar a poesia de Paulo Leminski como uma poesia que foi partícipe do movimento da poesia ‘marginal’, como uma poesia que também e apenas desembocou para o universo das letras de música durante a década de 70, faz-se não só um deslocamento parcial dessa poesia como também comete-se um pequeno equívoco, o da generalização. Paulo Leminski não participou ativamente das idéias da poesia ‘marginal’, nem poderia. Estava completamente envolvido pelo projeto do Catatau. Diz: “poesia marginal, alternativa, uma poesia, como é que eu vou dizer, de manga de camisa, poesia feita sem nenhuma aparência de rigor formal” (LEMINSKI, 1987:296), e mais adiante: “estou farto da incompetência técnica da década de 70” (LEMINSKI, 1987:297). 

Ao mesmo tempo, Leminski reagia contra as próprias idéias que tinha sobre o movimento concretista e as renova para começar a endereçar seus interesses para tudo o que podia aproveitar de todo o manancial que adquiriu até então e para o que pudesse fazer uso com o firme intuito de construir a sua poesia, uma poesia que se pretendia de vanguarda. Mas uma poesia de vanguarda que tivesse, minimamente, idéias próprias; idéias dele. Como registra na discussão que teve com Philadelpho Menezes sobre o tema ‘vanguarda’: “o que sempre gostei na coisa concreta foi a loucura que aquilo representa, a ampliação dos espaços da imaginação e das possibilidades de novo dizer, de novo sentir, de novo e mais expressar.” (LEMINSKI, 1992:17) Diz em uma de suas cartas para Régis Bonvicino, datada de julho de 1977: acho que não devemos mais nos preocupar com palavras afinal nós vamos chegar lá fazendo e não falando passei muitos anos de olhos voltados para S. Paulo para o grupo Noigandres para o Augusto, principalmente
escrevendo para eles preocupado em saber O QUE ELES IAM ACHAR
nessa época eu era “concretista”
mas eu era uma porção de outras coisas também e quando eu deixei que elas agissem mais forte fiz o Catatau (...) somos os últimos concretistas e os primeiros não sei o que lá (...) sem abdicar dos rigores de linguagem precisamos meter paixão em nossas constelações paixão PAIXÃO (LEMINSKI, 1992:35-36 -37)

Se Leminski fala em não abandonar os rigores da linguagem, a materialidade da linguagem, como estaria concordando com as idéias da poesia ‘marginal’? Pensava o ideário modernista, Pau-Brasil e Antropofágico, de Oswald de Andrade sim, mas de uma outra forma, de uma maneira que o renovasse. Diz Antônio Risério: “Leminski, como Oswald, reconhece a riqueza das frases feitas, explorando e manipulando frases prontas do repertório coloquial, torcendo expressões codificadas, etiquetas lingüísticas, etc.” (PARANAENSES, 1988:48) e reafirma: “mas de outra parte, Leminski conduz o texto para uma aventura extra-verbal. (...) uma iconização da escrita. ”(PARANAENSES, 1988:49) Tomemos um exemplo:

coração 

PRA CIMA

escrito em baixo

FRÁGIL

(LEMINSKI, 1983:65)

 

As palavras que estão em letras maiúsculas no poema acima, de Caprichos e Relaxos, são uma marca do que Risério chama de “expressão codificada” e “etiqueta lingüística”: um registro de pacotes de viagem, de bagagem, ou de caixas para transporte que contêm objetos fáceis de quebrarem: ‘a aventura extra-verbal’. Ainda, as indicações “PRA CIMA” e “FRÁGIL” são determinantes: do lado certo e da condição do que é transportado. Leminski faz um contraponto destes determinantes com o signo metafórico do coração humano, regente de nossos sentimentos, que é supostamente frágil. Depois, utiliza “PRA CIMA” também como uma expressão popular, a gíria, que carrega um significado de que para cima as coisas andam melhor, estão bem. Enfim, o repertório coloquial, do poema-minuto e do humor oswaldiano, retrabalhado, com uma disposição extra-verbal que é retirada dos conceitos da poesia Concreta.

O próprio Leminski declara em um depoimento para a revista Escrita, depoimento que está transcrito por Glauco Mattoso em seu O que é Poesia Marginal, a seguinte proposição: “Os que defendem uma poesia desprevenida esquecem que os grandes poetas do Brasil têm sido intelectuais de amplo saber e múltiplos interesses (Bandeira, Drummond, Cabral, Murilo, sem falar em Mário).” (MATTOSO, 1981:35) 

O que podemos afirmar é que Leminski, durante os oito anos em que escreveu o Catatau, mesmo que tenha escrito letras para músicas, e para boas músicas de Itamar Assumpção, por exemplo, e que tenha tentado afirmar que a poesia brasileira estava não nas páginas do livros dos poetas marginais, mas nos encartes dos discos da MPB, estava mesmo era construindo um projeto poético extremamente rico dentro de seu mais protuberante oxímoro: Caprichos e Relaxos, publicado em 1983. 
 
 

[Fragmento do quarto capítulo de dissertação sobre a poesia de Paulo Leminski sob o título de Caprichos e Relaxos: pequeno percurso para uma poesia de vanguarda. Texto publicado na revista Monturo, n. 3, de março/99.]

 

Manoel Ricardo de Lima, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Manoel Ricardo de Lima


Ana, Paulo e Francisco

 Para Paulo e Ana, no céu 

 

 

Da geração de poesia que se dizia ‘marginal’, durante a década de 70, sobrou pouquíssima coisa. Havia uma precariedade de materiais, da linguagem até o espaço editorial. E ainda, fresta que se abre para uma justificativa: havia um momento político muito difícil para qualquer empreitada em verso. Ficou nada daquela falácia poética, daquela poesia de “manga de camisa”, sem força e sem preocupação formal.  

Como afirmou Cacaso sobre tal poesia: “o valor do poema passa a depender menos de realização literária do que da sinceridade - valor moral - que manifesta.” O fato é que esta história de valor moral não atribui ao poema nenhuma valoração de arte. E foram exatamente os que criaram realizações pessoais, mais definitivas - contemporâneos desse período, mas não coetâneos dele -, que escaparam incólumes desse derrame esquisito: recuperar uma espécie de afetividade nacionalista que o Modernismo não deu conta.    

Falo de Ana Cristina César, Paulo Leminski e Francisco Alvim. Este último, o único dos três ainda vivo, em Barcelona, aperfeiçoou sua linguagem para brincar de reconstituir as cenas mais banais do cotidiano. Ao mesmo tempo que tragava a beleza dos senhores Drummond e Bandeira para seu verso mais puro. E mais ainda, buscar distância da periférica e disforme poesia marginal com o requinte de uma beleza particular. Em Luz, primeiro poema de Passatempo (1974), Francisco é notoriamente a confirmação do que afirmei; descreve secamente um abandono, a solidão, e registra-se como poeta (no que esta palavra tem de mais sincero): “Em cima da cômoda / uma lata, dois jarros, alguns objetos / entre eles três antigas estampas / Na mesa duas toalhas dobradas / uma verde, outra azul / um lençol também dobrado livros chaveiro / Sob o braço esquerdo / um caderno de capa preta / Em frente uma cama / cuja cabeceira abriu-se numa grande fenda / Na parede alguns quadros // Um relógio, um copo”.  

Paulo Leminski foi uma contradição, um requinte de linguagem erudita misturada com a mitificação do mais popular possível. Quis a vanguarda. Quis poesia em tempo integral. Fez do pressuposto que a poesia precisa do poeta o tempo inteiro - que poesia é língua, pesquisa, diálogo, busca da própria pessoa - sua mais elaborada dicotomia: poesia é vida, e vice-versa. Coisas como “um bom poema pode esperar uma década” e “poesia não vende e é bom que não venda” são exemplos do rasgo certeiro que é o verso de Leminski. A lógica da língua quebrando e laborando o ritmo da tradição e do novo: aniquilar e manter. A poesia de Paulo Leminski é desavergonhada e toma por afundar o que não tem suor: “nada que o sol / não explique // tudo que a lua / mais chique // não tem chuva / que desbote essa flor”. 

De Francisco, o diplomata, o esgotamento definitivo do veio modernista; de Paulo, o orador beneditino, a precisão da língua. O charme ficou mesmo para a beleza e para a poesia de Ana Cristina César. A rigorosa, quase inglesa, que terminou mito vítima do próprio suicídio. O distúrbio gratuito é ver Ana, a poeta apenas, escondida atrás da banalização mítica que lhe impuseram: a poeta suicida.  

Ana escreveu uma poesia que dialoga intensivamente com a página em que ela está sendo escrita, uma espécie de andamento musical, quase síncope. Particularizou tanto - os pezinhos, o jazz que ouvia, a Sylvia, o Eliot e o Drummond que lia, o epistolário - que ergueu um monumento poético de ritmo e forma exageradamente seus.  

Ficou difícil ler Ana sem prestar atenção ao tanto que ela preservou sua poesia. Manteve uma distância sadia daquela gordura salobra que os marginais praticavam e foi buscar diálogo nas quase conversas, diletantes e confessionais, de Sylvia Plath. Sua poesia é a pretensa e difícil tarefa da escolha de objetos humanos: “Quando entre nós só havia / uma carta certa / a correspondência / completa / o trem os trilhos / a janela aberta / uma certa paisagem / sem pedras ou / sobressaltos / meu salto alto / em equilíbrio / o copo d’água / a espera do café”, e de confissões à queima roupa: “beijo político lábios de cada amor que tenho”.  

Francisco manteve-se mais quieto, fazendo o que precisava. Paulo e Ana, vozes menos conformadas, ergueram seus barulhos em silêncio e são, sem dúvida alguma, as goelas que melhor pensaram poesia durante os anos 70 e 80. Pena, não estão mais entre nós. Como escreveu Francisco: “a vida é um adeusinho”; sempre. 

 

 

Manoel Ricardo de Lima – 21. 07. 1998 

Manoel Ricardo de Lima, 2003