Myriam Fraga
Março
... e estes marços doendo
como pedras nos rins,
charadas que não invento
e nem sei de memória
se há memória
além de um domingo de março
azul, perfeito.
todas as areias rolaram sobre
de todas as possíveis clepsidras
só o olho-farol, olho brilhante
antigo, a me guiar nas trevas
do regresso, não haverá,
não haverá,
não haverá, porto, viajante,
nenhuma Ítaca te espera,
nenhuma Colchida, nem mesmo os arrecifes
no cais de tua infância.
apenas a morte suave de olhos tristes
tão rápida e indolor, tão limpa guilhotina
... e estas tardes de março
viageiras. Sei o peso da ausência, sei a dor
das lembranças tatuadas
na carne, coladas e desfolhadas
como pele queimada que se arranca.
nenhuma presença é mais real
que a falta, corpo de solidão
deslizando entre móveis, marfins,
folhas soltas de um livro,
marca da prata, desenhos no tapete,
cavalos, leão de pedra, lembranças
que se acendem em faróis iluminando
o outro lado do abismo,
o precipício, o vazio, onde tudo se acaba.
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