Paulo Gadelha
Quintana:
cem anos de ironia poética
Deu à sua vida o mesmo destino que a
poesia lhe deu: liberdade, sensibilidade,
solidariedade, espírito público e humor sadio.
Seu nome: Mário Quintana. Profissão:
poeta dotado da mais fina ironia.
Para homenageá-lo, nos seus cem anos,
garimpei o seu primeiro livro, “A rua dos cataventos”,
e, de logo, anotei a sua declaração de amor
existencialista: “Minha morte nasceu quando eu
nasci”.
No verso, trocadilho à parte, a
verdade brincando de vida e morte.
Aliás, um gênio que nunca se deixou
queimar na fogueira das vaidades.
Só, sempre só, morou toda a sua
existência em hotéis.
Um dia, a pousada, onde residia, foi
vendida para se transformar em elegante condomínio,
e ele, obviamente, despejado dos seus aposentos.
Ante tal paisagem, nenhum instante de
irritação, nenhuma ruga na testa, solene e
tranqüilo, sentenciou: “Não tem importância, moro
dentro de mim”.
Depois, todo o seu vasto arsenal
poético foi construído com impagável sinceridade.
Ele, sem dúvida, sonetizava o que a
sua alma lhe ofertava.
Um fiel operário de sua inspiração.
É dele, pois, a exaltação de sua
verdade intelectual: “Meus poemas são eu mesmo,
nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma
confissão”.
Como todo literato consagrado,
Quintana, logicamente, fitava os Andes da literatura
brasileira.
Sonhou em ser imortal da Academia
Brasileira de Letras.
Por três vezes, o sonho se fez
pesadelo.
A frustração, em não ser membro da
Casa de Machado de Assis, inspirou-lhe um dos versos
mais alegres do cancioneiro poético nacional, quando
fustiga, sem rancor, os que o derrotaram: “Todos
esses que aí estão / atravancando meu caminho, eles
passarão.../ eu passarinho”.
Imortalizou-se na memória e no
respeito do povo brasileiro.
Hoje, em Porto Alegre, o Hotel
Majestic, onde morou durante 12 anos, é a Casa de
Cultura Mário Quintana, que recebe, por mês, cerca
de 50 mil pessoas.
Certa feita, perguntado o que achava
das estátuas em bronze, ele respondeu, preocupado,
que “um engano em bronze é um engano eterno”.
Errou o grande vate.
Na Praça da Alfândega, na capital
gaúcha, existe uma estátua em bronze do autor de “O
aprendiz de feiticeiro”.
Não houve engano. É a história
consagrando, em bronze, a poesia de um rouxinol
telúrico chamado Mário Quintana.
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