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Ricardo Lísias

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

Da Vinci, Cabeça de mulher, estudo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

Suênio Campos de Lucena

 

O Estado de São Paulo, Brasil

22.7.2007

 


Uma vida ao sabor do desamparo

 

Anna O. e Outras Novelas, de Ricardo Lísias, reúne cinco testemunhos pessoais com função de catarse

Creio que o escritor Ricardo Lísias esteja comemorando ao reunir cinco novelas, duas delas (Capuz e Dos Nervos, lançadas em 2001 e 2004), editadas em tiragens comerciais limitadas. Com o título Anna O. e Outras Novelas, a sensação deve ser compartilhada pelo leitor. Relacionaria apenas dois senões que parecem ter ficado mais evidentes com a reunião dessas histórias: a estrutura praticamente idêntica de todos os capítulos, com invariavelmente uma página, efeito que cansa um pouco e que às vezes parece não exatamente ser uma marca de autor, mas camisa-de-força (algo que limita ou impede movimentos) que ele mesmo se impôs. E ainda uma visão de mundo que incluísse um pouco mais de humor seria bem-vinda. Nada disso, entretanto, chega a prejudicar esse livroRicardo Lisias que, repetimos, tem o alto mérito de reunir boa parte de sua prosa (há ainda os romances Cobertor de Estrelas, sua estréia em 1999, e Duas Praças, de 2005). Isso porque, conforme a crítica já reparou, há algo de assustadoramente pronto neste paulista de 32 anos. De fato, poucos autores brasileiros repetiram essa façanha. Dentre eles, Caio Fernando Abreu, sem dúvida o maior talento literário da geração anterior à de Lísias. Vale lembrar, por outro lado, que suas histórias são formatadas em blocos narrativos uniformes que podem ser lidos separadamente, como fazia Graciliano Ramos, de quem Lísias tem algo, mas a comparação fica nisso, haja vista a enorme distância temática e de ambiente entre os dois escritores.

Já se disse ainda que Lísias se despe da própria existência quando escreve. Eis algo inteiramente verdadeiro e que se pode constatar neste Anna... Em poucas linhas o leitor é solenemente convidado a esquecer quem escreve. Em ação, personagens com suas dores, desvarios, desabafos. As cinco narrativas estão todas em primeira pessoa, obviamente não por acaso. São testemunhos pessoais com grande poder e função de catarse para aqueles que narram. Depoimentos que emanam sensação de alívio e também de dor, sofreguidão e desamparo. A deflagração deste desamparo humano parece ser a grande causa do autor, atrelado ao medo primitivo do homem diante da morte. Creio que isso tenha mais peso na sua ficção do que a loucura e a irracionalidade, elementos tantas vezes ressaltados. Há sim alguns personagens “enlouquecidos e encurralados”, como observa Leyla Perrone-Moisés no excelente posfácio do livro, porém, mais do que isso há solilóquios refletindo esse insistente desamparo. E uma situação recorrente - o desejo de se escapar de um fatalismo que se apresenta quase irreversível.

Capuz, Diário de Viagem, Corpo, Anna O. e Dos Nervos demarcam algo interessante na trajetória desse escritor que firma seu lugar na literatura brasileira escrevendo novelas, vertente pouco praticada no Brasil. Narrativa quase-conto, quase-romance que exige experiência, em seu caso certamente adquirida como leitor e estudioso em seu doutorado na USP.

Procurei algumas analogias entre Lísias e autores da sua geração. Marcelino Freire, Santiago Nazarian, Nelson de Oliveira, Joça Reiners Terron. Mas não percebi muitos elementos de aproximação. Não há referências do mundo pop nem do rock’n roll, internet ou cinema. Há nele dicção específica, que se afina talvez apenas no estranhamento deste começo de século, na ausência de pieguice; eu devassado, sozinho e solitário, em geral vítima de cotidianos sofridos. Tudo isso embalado em linguagem precisa, firme, exaustivamente revista. Enfim, ler Ricardo Lísias é surpreender-se com as fímbrias da palavra. Puro prazer que pode emanar do texto.

Suênio Campos de Lucena é jornalista e escritor. Autor dos livros 21 Escritores Brasileiros (Escrituras, 2001) e Depois de Abril (Escrituras, 2005)

(SERVIÇO)Anna O. e Outras Novelas, Ricardo Lísias, Globo, 208 págs., R$ 24

Direto para a página de Ricardo Lisias

 

 

Gizelda Morais

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

 

5.8.2007