Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 


Vivalma, a nostalgia


Vivalma, a nostalgia
em ronda noturna –
aura a soprar flautas dormentes

O mundo despertado alastra apelos –
dentre as brumas, salta o verde
sobre o verde
a luz propícia do dia

Casulo aberto,
a criatura bebe esplendor:

alada manhã,colina
à beira-céu suspensa
chuva a crescer, mergulho em caudais
a seiva solta


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 

Comunicável


A prisão
eu a escolho

e aqui estou
comunicável.

E pensar e
que há pouco
eu tentava
entre espelhos
me esconder!

Fugitivo de mim
aqui estou
figurante anônimo
no meio da praça
por amor a um pouco de ar
por amor à pele
num jogo malabar
de perguntas e respostas


Existirá prisão mais aberta?


 

 

 

Da Vinci, Madona Litta_detalhe.jpg

Início desta página

Helena Armond

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 

A Ópera do Mundo


A ópera do mundo
Rude, estentórea
Começa a rasgar
As cortinas do quarto.

E as luzes da rua
Romperam a janela
E nas paredes dançam
Uma dança de guerra.

Já ouvimos todos os ruídos
E os olhos se cansaram de ver.

Embora em maus lençóis
Tentamos ganhar
Uns minutos de trégua.

Falta-nos, porém, a chave mágica
Para desligar tanta realidade
A chave de uma câmara secreta
Onde seria possível adormecer
Talvez sonhar.


 

 

 

Michelangelo, Pietá

Início desta página

Lilian Mail

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 

O Poeta Maldito


Pelas ruas do mundo ele vagava
Sem medir passos e palavras.
Pelas ruas do mundo ele sonhava
E foi além de todas as fronteiras.

Bendito o fruto
De tua pena
Bendito o fruto
De tua insânia.

Ó tu que celebravas
A estrela dos abismos
Ó tu que adoravas
A flor e seu espectro.

Pelas ruas do mundo ele cantava
Ei-lo agora fechado em seu silêncio
Rimbaud a fugir das sombras do passado.


 

 

 

Rafael, Escola de Atenas, detalhes

Início desta página

Maria Azenha

 

 

 

 

 

 

 

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 

Presença do Pai e Mestre


Sua figura ainda me povoa os dias
E os faz mais verdes, de um verde
Que é chão de infância reinventado
Verde de arbusto após chuva.

Suas mãos ainda têm um livro aberto
Que ele, devagar, vai lendo e reescrevendo
Em meio a um caudal de sonhos e memórias
Livro que o segue como cão fiel

Sua presença ainda me governa os atos
E lhes dá um ritmo insuspeitado
Ritmo de seus gestos, voz e olhar
Que me ensaiam para os jogos do futuro

Seu semblante é um filme de outros tempos
Cujas imagens falam por si próprias
Imagens que passam à minha frente
Como passam as águas de um rio

Sua figura se desdobra casa afora
E sobrenada a multidão, sombra viva
Seu retrato está suspenso na parede
Mas me acompanha em todas as viagens.


 

 

 

Titian, Noli me tangere

Início desta página

 

 

 

 

 

 

 

Ingres, 1780-1867, La Grande Odalisque

 

 

 

 

 

Samuel Penido


 

A Mãe Partiu, Mas Não de Todo (IV)


A mãe partiu, mas não de todo
Pois aqui ficou sua sombra
Sombra diáfana, grande asa
A nos guardar de todas as intempéries
Aqui ficou sua doce sombra, mas tão forte
Por isso a casa permanece incólume

Ah, a casa permanece
A mãe ainda a carrega nos braços
Como se carregasse uma criança.


 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Pipelighter

Início desta página

 

 

19/07/2006