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Aluysio Mendonça Sampaio

 Sergipe, 1926; São Paulo, 2008


 

Prefácio, ensaio, crítica, resenha & comentário:


Poesia, conto, memória


Conto:


Fortuna crítica:


Alguma notícia do autor:

 

 

 

Sophie Anderson, Portrait Of Young Girl

 

Jornal do Conto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

Aluysio Mendonça Sampaio


 

ALUYSIO MENDONÇA SAMPAIO nasceu em Aracaju (SE), em 1926. Reside em São Paulo. Poeta, contista e ensaísta, tem alguns livros editados, sendo o primeiro Noite Azul (1971). Edita a revista LB – Revista da Literatura Brasileira.


 

Nota de Falecimento de- Aluysio Mendonça Sampaio (in Jornal da UBE, 17.4.2008):

 

Aluysio Mendonça Sampaio nasceu em Aracajú (SE), em 1926. Poeta, contista e ensaísta, é autor de obras literárias variadas, transitando nos vários gêneros.

Como ensaísta, além de artigos divulgados na imprensa, é autor de Brasil, Síntese da Evolução Social, publicado pela Scortecci Editora; Senhores e Escravos (A escravidão do indígena no Brasil) e O que é Reforma Agrária.

Crítico literário, publicou, a partir de inúmeros artigos, os livros Em Busca da Manhã (a poesia de José Sampaio) e Jorge Amado, o romancista.

Estreou na poesia com Noite Azul, tendo reunido seus poemas, publicados em livros e na imprensa, numa antologia pessoal intitulada Poesia, às vezes.

Ficcionista, é autor dos romances Zero Três e Ainda é noite. Destacou-se, no âmbito do conto, com o livro Os Anônimos, prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras. É autor de Areia Branca, Um poema para Clarice e Letras Um.

Chão Perdido, classificado pelo autor como quase memórias, e sobre o qual disse Jorge Amado: Ficção e memória, páginas deliciosas. Agora, à sua bibliografia se acrescenta este livro, O homem do charuto e outros contos, publicado pela Scortecci Editora, em que se aliam a essência da sua vivência popular e sua linguagem singela, bem elaborada. Trystão de Athayde, Mário Cabral e Francisco Carvalho apontam alguns contos como pequenas obras primas e Octávio de Faria nota que, no autor, o senso do conto é realmente notável. Joaquim Montezuma de Carvalho diz: "... como se Gil Vicente fizesse conto. Que riqueza de linguagem e de expressão! E nesta sua prosa um ritmo que torna cada narrativa um poema”.

Neste O Homem do Charuto acentua-se, na linguagem e no conteúdo, assinalável busca do humor inspirado em histórias e piadas correntes no povo. Mas isso sem afastar-se da linguagem poética e da dramaticidade de outros contos, como, por exemplo, Lalau do Tombo.

Publicou também com a Scortecci Editora, em 1991, o livro Efêmero.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

Marigê Quirino Marchini


Duas poéticas: Noite Azul,  Ásperos Versos

  

A poesia de Aluysio Mendonça Sampaio, recolhida nesta coletânea poesia, às vezes, de bela apresentação gráfica, capa do autor (excelente desenhista), nos apresenta algumas surpresas. Uma é a emoção de reencontrarmos Noite Azul, epopéia folclórica, se  podemos inventar esse termo, em que figuras como Macunaíma, Malazartes, Saci, Negrinho do Pastoreio, Curumim, este último, identificado pelo autor como o povo, se encontram num cenário tropical, conversando sobre a Árvore de Ouro (Árvore da Vida, árvore da literatura?).  Esse belo livro, publicado em 1971, tem lugar cativo em nossa memória.    

Noite Azul ou "de como Pedro Malazartes aprisionou a noite para ficar com a Árvore dos Frutos de Ouro", é uma alegoria inspirada no folclore brasileiro, como diz o autor; Malazartes, de além-mar, vai dialogar com Curumim sobre as riquezas desta terra a que aportou. Malazartes quer a Árvore de Ouro, que Curumim desconhece. E assim, de conversa em conversa, de aventura em aventura, ora em versos ritmados, ora em prosa livre e lírica, vai o autor construindo sua Noite Azul, que cairá sobre os homens como uma dádiva. "Azul seja a vida / como esta noite azul / dos meus sonhos.//E todos os homens serão azuis/ na mesma noite azul de todos." Trata-se portanto de uma alegoria sobre a esperança, que o autor só crê concretizar-se através do amor.

Desse livro Aluysio Sampaio trouxe para poesia, às vezes, também o lirismo de poemas de "sempre-amar", onde o cotidiano, a ternura, um relacionamento amistoso com a vida, apesar das desesperanças, se faz presente.

Já Obscura Noite e Ásperos Versos são antídoto de Noite Azul, preparando o leitor para as "oitivas do medo". Surpreendemo-nos por encontrar um poeta diferente daquele que já conhecíamos; uma dupla personalidade poética? Aqui, em Obscura Noite e  Ásperos Versos temos outra visão do autor, outra maneira de sentir, e qual o escritor que não tem duas ou mais diferentes personalidades dentro de si? Como nos confirma o autor, em uma nota (quase prefácio) à primeira edição de Noite Azul: “a unidade é uma abstração antagônica à multiplicidade da vida concreta. Múltipla (de temas e de ritmos) seja minha métrica! ” O poeta tem a autoconsciência da riqueza variada de sua poética, podendo pois dividi-la em dois estilos, duas temáticas, como nos demonstra em poesia, às vezes.  

Se Fernando Pessoa soube identificar isso tão bem, a ponto de fazer um livro para cada heterônimo, às vezes num mesmo autor outras "personas" convivem lado a lado no mesmo livro. Assim, ao contrário de Noite Azul, que é uma visão otimista da condição humana, em Obscura Noite e Ásperos Versos a "hora gris do cotidiano" é retratada em páginas tensas, angustiadas, de amplo espectro poético, tais como: "lugar comum, "o martelo", "solidão", " pontos de vista", "o carro", "construção", "silêncio", "onipotência", "anverso" e "esperança". Nesses poemas, curtos e concisos, palavras como limalhas, ferro, férreo, rebite, estilete, aço, rocha, conduzem a uma visão mineral, angulosa, agressiva, hostil do mundo,  visão que se petrifica em silêncio e dor: ”silêncio: apenas o estalido seco/ estilhaço ferindo/ oitivas de medo.// ou // E embora os versos sejam estilhaços/  de explodidas granadas/ não rompem telas urdidas/ em tessitura férrea/ dos ouvidos moucos".

Então o poeta, falando da agressividade do mundo de hoje, da carga bélica que nos cerca, mede a vida: "construção,  dia após dia/ pedra sobre pedra/ prossegue a vida/ dia e pedra/ até os confins".

Eis a "Manhã"  que rompe: "a manhã se desgastou nos versos/ e a noite se desfez nos sonhos"//. "Melhor a palavra em estilete/ riscando ferro aço rocha/ em verso áspero". Eis o "Martelo" poesia e prosa: " a bater o martelo, em ferro duro, o absorto homem esquecia a vida lá fora. Rolimãs de suor rolavam dos poros em rosto de ferrugem, a boca a percutir bem, bem! (eco de martelo a bater em ferro ou lamento irrompendo da alma em limalhas)".

Mas o poeta não se desespera. E encerra seu livro voltando de uma certa forma à Noite Azul a sua outra maneira de ver, à sua esperança.

"Há sobretudo amor/ no verbo/ mais lindo que é/ libertar/ tão lindo tão lindo/ como o verbo amar (...) poema sem amor/ é noite sem luar/ árvore seca sem seiva/ chão duro  gretado".

E nessa linguagem, seca, áspera e poeticamente bela do poeta de Ásperos Versos, lemos entrevendo sua luz: "o poema sem amor/ é ovo goro/ fruta peca / praia sem mar/ ser que não pode vida gerar".

Lembramos que Aluysio Mendonça Sampaio é contista premiado, trazendo para a poesia toda sua técnica  e sensibilidade de tecedor de histórias. Aqui, em poesia, às vezes,  histórias da poesia.

 


Poesia, às vezes, Aluysio Sampaio, Carthago Editorial, São Paulo, 1999, 126 p.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

 

Aluysio Mendonça Sampaio


 

O livro


Em teu corpo de retangular inércia
encontro a dinâmica da vida.
Na nudez calada de tuas páginas
ouço cantares, desvendo mistérios
Inerte objeto sobre a estante
ou sobre a mesa
em ti não se sepultam
santos mártires heróis
em teu seio redivivos.

Em tudo o que se faz
em ti se preserva.
O agora se torna sempre
na perpetuação do gesto.

Em ti o morto, renascido,
se faz lembrança sempiterna.
Não só o passado reténs
na universal memória:
liame das épocas
em corrente de vida.
Em ti se devassam mundos
se descortina o amanhã
em pressentida visão.

Não foi do Cabo Canaveral
ou de algum ponto da Rússia
que primeiro partiram os cosmonautas
em busca do espaço sideral.
Em teu bojo estático
Júlio Verne devassara o éter
a geografia dos astros
percorreu o sub-mar
desvirginou o centro da terra.

Textura que gravou para sempre
o amai-vos de Cristo
a ternura de Francisco de Assis
o amor
o sonho
a dúvida de Hamlet
D. Quixote em luta contra os moinhos de vento
- antecipa-se o que virá
na intuição dos gênios.

Em tuas páginas tudo cabe
- a própria antítese da vida
o bem, o mal,
a guerra, a paz,
o ódio, o amor,
o gesto simples ou heráldico,
a mentira, a verdade
e Anne Frank, com olhar ardente,
vinga sua morte, fustigando Hitler.
Nada exiges. És amante
em entrega total. Fazes pensar
na aceitação do dito
ou recusa do escrito.

Dizes. Não impões.
És simples monólogo contudo audível
a quem o lê.

Não é no chão ou nas estrelas
no mar ou no céu
na rosa ou no vento
que a liberdade se encontra.
Em teu corpo, livro,
ela sempre alvorece

E se te queimam, em chamas ardentes,
das cinzas ressurges sempre
a proclamar verdades
desnudar mistérios
semear amor
liberdade
paz.


 

 

 

 

 

 

12.07.2005