Afonso Henriques Neto
15.11.2008
O ato de ler ainda não é um hábito do brasileiro, mas a questão
entra na pauta da Bienal
O Brasil é um país que não lê. Isso é fato e ninguém nega. Mas todos
debatem táticas e estratégias de incentivar à leitura, tanto como
forma de adquirir conhecimento, como instrumento de entretenimento e
lazer. Com a VIII Bienal Internacional do Livro do Ceará na pauta do
dia, o tema do estímulo à leitura está mais em voga do que nunca.
Não é para menos. Andando pelos corredores e estandes da Bienal
podemos ver mais de 80 mil títulos, livros de todos os tamanhos,
formatos, cores, assuntos e preços. Do mais baratos aos menos
acessíveis. Livros complexos que discutem temas espinhosos ou itens
de fácil leitura e que não têm pretensão. A variedade é grande, a
diversidade, bem-vinda.
Mas, além de reunir em um mesmo local uma imensa quantidade de
livros, facilitando o acesso, a Bienal tem uma função bem mais
relevante: a de discutir e apresentar formas de despertar um
interesse cada vez maior do público presente pelo ator de ler.
Dizendo de um modo mais bonito, a Bienal cumpre um papel de formação
de leitores. “Participo sempre de bienais no Rio de Janeiro e essa é
a primeira vez que venho a do Ceará. Mesmo todas seguindo o mesmo
esquema, elas são sempre muito interessantes porque mobilizam as
pessoas para a leitura”, acredita Afonso Henriques Neto, escritor,
poeta e professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da
Universidade Federal Fluminense. O poeta veio à Bienal participar de
um debate justamente sobre o estímulo à leitura.
Segundo o professor, que ministra uma disciplina de oficina de
textos na UFF, a falta de hábito de ler do brasileiro é uma questão
cultural. “Em Buenos Aires, por exemplo, devem existir mais
livrarias do que no Brasil todo”, exagera. “Lá você encontra uma
livraria em cada esquina. Em alguns países europeus também. Então
acho que o cenário nacional tem um pouco a ver com uma questão
cultural sim”.
Questão cultural que Afonso Henriques tenta mudar em sala de aula.
“Minha luta é essa, despertar nos meus alunos o interesse pela
literatura, sempre testando assuntos e tentando criar uma febre
entre eles”, conta. “Para isso, uso muito literatura fantástica e
autores como Edgar Allan Poe, Lewis Carroll, Kafka, Jorge Luis
Borges”, revela.
“Também apresento um pouco sobre história da literatura,
contextualizando os textos e mostrando que eles pertencem a uma
tradição. Essa coisa de originalidade é conversa mole, todo bom
texto traz em si uma história e dialoga com uma tradição”,
acrescenta Afonso Henriques. “É importante que as pessoas saibam
sobre essa história e sobre a construção da linguagem da literatura.
Caso contrário, elas vão continuar lendo fragmentos, sem saberem
porque leram aquele texto ou para que ele serve”, lamenta o
professor e poeta.
Preconceito literário
Para Afonso Henriques, a questão de estimular à leitura não se
resume apenas a fazer com que as pessoas leiam, mas que esse seja um
ato e exercício crítico. “Para isso, é necessário que os governos
invistam em oficinas gratuitas que proporcionem o contato dos
estudantes com a literatura. Oficinas que orientem esses alunos
sobre o que ler e façam que eles descubram a leitura”, sugere. “É
preciso apresentar a literatura às pessoas”.
Apresentar a linguagem para derrubar preconceitos. A partir dessa
tática, Afonso Henriques vem tentando quebrar barreiras e romper a
rejeição das pessoas à literatura de maneira geral e à poesia de
forma mais específica. “As pessoas desconhecem a poesia. A prosa é
mais fácil e está diretamente ligada com o real. A poesia possui uma
linguagem mais ‘especializada’. É necessário mais camadas para se
atingir o núcleo dessa linguagem”. Se a prosa narra ações, a poesia
quebra núcleos e apresenta metáforas, metonímias. Mas ler poesia não
é tão difícil quanto se pensa. Basta se acostumar à linguagem”,
aponta o poeta. Poesia ou prosa, o importante é exercer o ato de
ler.
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