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Afonso Henriques Neto

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


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Valdir Rocha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Afonso Henriques Neto

 


 

BIOGRAFIA

 

 Afonso Henriques de Guimaraens Neto nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 17 de junho de 1944, sendo filho de Hymirene Papi de Guimaraens e do poeta Alphonsus de Guimaraens Filho.

Em 1954, mudou-se para o Rio de Janeiro, e seguiu depois para Brasília, onde se formou em Direito na primeira turma da Universidade de Brasília, em 1966.

De volta ao Rio de Janeiro em 1972, participou intensamente do movimento político - cultural rotulado de poesia marginal e trabalhou na FUNARTE – Fundação Nacional de Arte – (1976 -1994). Desde 1976, é professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense.

Em 1997, defendeu tese de doutorado na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Casado com a arquiteta Cêça de Guimaraens, tem dois filhos: Mariana e Francisco.
 

 

 

Manoel de Barros

 

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Afonso Henriques Neto

 


 

POEMA

 

A paisagem não vale a pena.
Pesa dizê-lo assim tão duramente,
mas o que posso fazer contra os mascarados
que penetraram os altos muros
e agora coabitam os aposentos desolados?
Já não vale a pena a manhã.
Os embuçados chegaram em surdina
e foram destroçando todos os pilares,
todas as primaveras, as lúcidas esperanças,
vultos tão horrendos que paralisaram o dia.
A noite não significa mais nada.
As casas dormem e não significam nada.
O vento cortou-se em mil fatias de desespero.
Que dimensão canta além da treva,
a face repousada, os olhos claros?

 

 


 

PARA JIMI HENDRIX, PARA MIM E TODOS VOCÊS

 

sua música soando em minha (sua) cabeça
música suando (o concreto na neblina desmaiando)
fragmento ser (fragmento galáxia)
vertigem na sensação dos ossos
placas de silêncio no labirinto deserto

sua palavra
onde?

impedido de voar
agora é a abstração da ave sem olhos
sem radar
imagem - vácuo
sob morta (in)consciência

seu universo
onde?

mugir lâmpadas de meia-noite
oh radical lua da ausência
louco louco sim
linguagens todas inúteis
na pele inútil do tempo

sua energia
onde?

erráticas garras guitarras
vomitando
vomitando fetos

 

 


 

TEXTO

 

O texto, escura escama, pesadelo de eternidade,
máscara densa do universo vomitando.
O texto, mas não a energia que o pensou,
interrogando a simultaneidade absoluta.
Há uma esperança nas ruas, nas pedras, no acaso
de tudo, uma esperança, uma forma suspensa
entre o aparente e a essência, entre o que vemos
e a substância, uma esperança, uma certeza talvez
de que o rio não se dissolva no mar, de que
o ínfimo, o precário, a voz, a sombra,
o estalar das carnes na explosão
não se dispersem no todo, impensável medusa da inexistência.
Há uma luz qualquer sonhando integração, o suposto
destino dos ventos, das energias globais, a suposta
sabedoria com que o homem fecundou a crosta
envenenada do planeta, há uma luz qualquer
ensaiando águas pensadas no eterno esvair-se,
abstrato expansionário, há uns olhos além
da frágil realidade, da terrível matança, da
cruel carnificina entre seres pestilentos aquém
da fronteira do sonho, um texto além do texto,
uma esperança talvez, enquanto somos e nos cumprimos,
enquanto somos e nos oxidamos, enquanto
somos e prosseguimos.

 

 


 

ASSIM

 

Vomitaram trinta estrelas nesse charco
de líquidos corpos empoçados.
Nas tocas iluminadas os que se iniciam na morte
fantasmas de si mesmos
fecundam ritmos e bússolas e fracassos.
Há desgosto e música na atmosfera branca
negra.
Vomitaram trinta estrelas talvez mais
mas o buraco se fecha.
Em silêncio algumas flores resistem
nas verdes gramas do sol.

 

 


 

DOS OLHOS DO NÃO

 

se lhes derem Kennedy ou Kruschev ou De Gaulle
não acreditem nesta única realidade
neste implacável colar de conchas de ar

se lhes derem os códigos os gestos as modas
não acreditem nesta enlatada realidade
nesta implacável aranha de invisíveis fios

se lhes derem a esperança o progresso a palavra
não acreditem na imposta realidade
na implacável engrenagem das hélices de vácuo

aprendam a olhar atrás do espelho
onde a história jamais penetra
a profunda história do não registrado
aprendam a procurar debaixo da pedra
a estória do sangue evaporado
a estória do anônimo desastre
aprendam a perguntar
por quem construiu a cidade
por quem cunhou o dinheiro
por quem mastigou a pólvora do canhão
para que as sílabas das leis fossem cuspidas
sobre as cabeças desses condenados ao silêncio

 

 


 

A LORCA

 

a romã da morte madura
no vácuo de estrela e água
a romã da morte amargura
no prado da madrugada

granada
fonte de espinhos

granada
profano vinho

romã da morte madura
na prata da madrugada

(no azar de sombra e caveira
algemas de fogo e nada)

granada
carrasco na arena gelada

cães mastigando o assombro
em estilhaços na estrada

granada

estrelas de sangue e de neve
horizontes descarnados
sol sem luz
torta manhã
nos olhos
(seca romã)
de federico parado
de federico dormido
de federico cuspido
de federico e seu nada

granada
lados feridos

granada
assassina estrada
de cães de lua e labirinto
corpos lançados nos rios
corpos salgados nos frios
fascista florada e martírio
granada
nenhuma estrada

(pois além de federico
a poesia e a morte
bailam máscaras e acasos
no despenhadeiro de traços
e verbos de federico
a infinita manhã
naquele instante esgotado)

granada
terrível romã
madurando a madrugada

 

 


 

UMA NOITE

 

o tio cuspia pardais de cinco em cinco minutos.
esta grama de lágrimas forrando a alma inteira
(conforme se diz da jaula de nervos)
recebe os macios passos de toda a família
na casa evaporada
mais os vazios passos
de ela própria menina.
a avó puxava linhas de cor de dentro dos olhos.
uma gritaria de primos e bruxas escalava o vento
escalpelava a tempestade
pedaços de romã podre
no bolor e charco do tanque.
o pai conduzia a festa
como um barqueiro
puxando peixes mortos.
nós
os irmãos
jogávamos no fogo
dentaduras pétalas tranças
fotografias cuspes aniversários
e sempre
uma canção
só cal e ossos
a mãe de nuvem parindo orquídeas no cimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Da Vinci, La Scapigliata, detail

 

 

 

 

 

 

Afonso Henriques Neto

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

 

15.11.2008


O ato de ler ainda não é um hábito do brasileiro, mas a questão entra na pauta da Bienal

O Brasil é um país que não lê. Isso é fato e ninguém nega. Mas todos debatem táticas e estratégias de incentivar à leitura, tanto como forma de adquirir conhecimento, como instrumento de entretenimento e lazer. Com a VIII Bienal Internacional do Livro do Ceará na pauta do dia, o tema do estímulo à leitura está mais em voga do que nunca. Não é para menos. Andando pelos corredores e estandes da Bienal podemos ver mais de 80 mil títulos, livros de todos os tamanhos, formatos, cores, assuntos e preços. Do mais baratos aos menos acessíveis. Livros complexos que discutem temas espinhosos ou itens de fácil leitura e que não têm pretensão. A variedade é grande, a diversidade, bem-vinda.

Mas, além de reunir em um mesmo local uma imensa quantidade de livros, facilitando o acesso, a Bienal tem uma função bem mais relevante: a de discutir e apresentar formas de despertar um interesse cada vez maior do público presente pelo ator de ler. Dizendo de um modo mais bonito, a Bienal cumpre um papel de formação de leitores. “Participo sempre de bienais no Rio de Janeiro e essa é a primeira vez que venho a do Ceará. Mesmo todas seguindo o mesmo esquema, elas são sempre muito interessantes porque mobilizam as pessoas para a leitura”, acredita Afonso Henriques Neto, escritor, poeta e professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. O poeta veio à Bienal participar de um debate justamente sobre o estímulo à leitura.

Segundo o professor, que ministra uma disciplina de oficina de textos na UFF, a falta de hábito de ler do brasileiro é uma questão cultural. “Em Buenos Aires, por exemplo, devem existir mais livrarias do que no Brasil todo”, exagera. “Lá você encontra uma livraria em cada esquina. Em alguns países europeus também. Então acho que o cenário nacional tem um pouco a ver com uma questão cultural sim”.

Questão cultural que Afonso Henriques tenta mudar em sala de aula. “Minha luta é essa, despertar nos meus alunos o interesse pela literatura, sempre testando assuntos e tentando criar uma febre entre eles”, conta. “Para isso, uso muito literatura fantástica e autores como Edgar Allan Poe, Lewis Carroll, Kafka, Jorge Luis Borges”, revela.

“Também apresento um pouco sobre história da literatura, contextualizando os textos e mostrando que eles pertencem a uma tradição. Essa coisa de originalidade é conversa mole, todo bom texto traz em si uma história e dialoga com uma tradição”, acrescenta Afonso Henriques. “É importante que as pessoas saibam sobre essa história e sobre a construção da linguagem da literatura. Caso contrário, elas vão continuar lendo fragmentos, sem saberem porque leram aquele texto ou para que ele serve”, lamenta o professor e poeta.

Preconceito literário

Para Afonso Henriques, a questão de estimular à leitura não se resume apenas a fazer com que as pessoas leiam, mas que esse seja um ato e exercício crítico. “Para isso, é necessário que os governos invistam em oficinas gratuitas que proporcionem o contato dos estudantes com a literatura. Oficinas que orientem esses alunos sobre o que ler e façam que eles descubram a leitura”, sugere. “É preciso apresentar a literatura às pessoas”.

Apresentar a linguagem para derrubar preconceitos. A partir dessa tática, Afonso Henriques vem tentando quebrar barreiras e romper a rejeição das pessoas à literatura de maneira geral e à poesia de forma mais específica. “As pessoas desconhecem a poesia. A prosa é mais fácil e está diretamente ligada com o real. A poesia possui uma linguagem mais ‘especializada’. É necessário mais camadas para se atingir o núcleo dessa linguagem”. Se a prosa narra ações, a poesia quebra núcleos e apresenta metáforas, metonímias. Mas ler poesia não é tão difícil quanto se pensa. Basta se acostumar à linguagem”, aponta o poeta. Poesia ou prosa, o importante é exercer o ato de ler.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

13/11/2007