Clique aqui: milhares de poetas e críticos da lusofonia!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Da Vinci

 

 

 

 

 

 

 

 

A menina afegã, de Steve McCurry

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

Soares Feitosa


No caminho com Maiakóvski, que não é de Maiakóvski, mas teria parentesco com Martin Niemöller, um pastor luterano, mas é de Eduardo Alves da Costa

 

A primeira vez que li o belo texto de Eduardo Alves da Costa foi numa gramática da língua portuguesa. Gostei. Muito! Copiei-o imediatamente no Jornal de Poesia. O que se conhece de Internet e livros didáticos é apenas um fragmento, mas tão forte, tão belo e independente que pode ser lido escoteiro como se fora um poema independente que, a rigor, é.

Eis o fragmento de Eduardo Alves da Costa:

 

No caminho com Maiakóvski

"[...]

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

[...]"

Prometo-lhes publicar o poema inteiro. Minha amiga Maria do Carmo Ferreira, acho que ela o tem. Agora lhes falo de um outro poema, a rigor um trecho de sermão, ou prédica, de um pastor luterano, alemão, da época do nazismo,  Martin Niemöller, ao que parece de 1933 (o poema). Encontrei, via www.google.com, os seguintes textos:

1º) Zuerst kamen sie für die Kommunisten, und ich war nicht Kommunist, und da hab ich nichts gesagt und nichts getan, und dann kamen sie für die Gewerkschaftler, und ich war kein Gewerkschaftler,und sie kamen für die Sozialdemokraten, und sie kamen für die Katholiken, und sie kamen für die Juden, und ich war keiner von denen, und dann kamen sie für mich, und da war keiner mehr, der schreien konnte.

2º) Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar.

3º) Quand ils sont venus chercher les communistes, je n'ai pas bougé : je ne suis pas communiste. Alors, ils sont venus pour les syndicalistes et je n'étais pas syndicaliste; Et ils vinrent pour les Sociaux-Démocrates, et ils vinrent pour les catholiques, et ils vinrent pour les juifs, je n'étais aucun de ceux-là; Quand ils sont venus pour moi, il n'y avait plus personne pour faire le cercueil.

4º) First they came for the Communists, and I didn’t speak up, because I wasn’t a Communist. Then they came for the Jews, and I didn’t speak up, because I wasn’t a Jew. Then they came for the Catholics, and I didn’t speak up, because I was a Protestant. Then they came for me, and by that time there was no one left to speak up for me.

 

Não entendo que o belíssimo poema de Eduardo Alves da Costa seja plágio de maneira alguma. Da mesma forma que A raposa e as uvas, de La Fontaine, não é plágio de Fedro, nem este plagia a Esopo. Todos visitam o tema, inclusive eu, em Psi, a Penúltima.

Como é que diz o velho Esclesiastes? Não há nada de novo sob o Sol, coisa assim. Parece que não há mesmo. O importante, certamente, é a recriação, a re-escritura, atualizando o tema ao hic et nunc - ao aqui e agora.

Consta que Brecht também teria visitado o texto de Niemöller. Maiakóvski, não. Morto Maiakóvski em 1930, é até admissível que seja o contrário, Niemöller é que teria visitado o poeta russo. Mas, a rigor, toda a confusão com o nome de Maiakóvski, no poema de Eduardo Alves da Costa, decorreu, ao que parece, do título do poema -  No caminho com Maiakóvski -, que é também o título do livro em que foi publicado. Em suma, nem o russo visitou o alemão, nem o alemão teria visitado o russo. E Brecht? Estou procurando. Quem souber, por favor! Há este fragmento que guarda um certo parentesco:

 

"Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam - Isso é natural
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural
A fim de que nada passe por imutável."
 

Bastante no rumo, não?

O poeta Eduardo Alves da Costa garante que  Maiakóvski nada tem a ver com o tema, assim noticia a Folha de São Paulo, edição de 20.9.2003, na íntegra:

 

"Um Maiakóvski no caminho

Foi resolvida graças à novela das oito uma confusão de 30 anos. Escrito nos anos 60 pelo poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, 67, o poema "No Caminho, com Maiakóvski" era (quase) sempre creditado ao russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930).
Em "Mulheres Apaixonadas", Helena (Christiane Torloni) leu um trecho do poema, dando o crédito correto. Foi o suficiente para reavivar a polêmica -resolvida dois capítulos depois, em que a autoria de Costa foi reafirmada- e, de quebra, fazer surgir uma proposta de reeditar o poema, para aproveitar a exposição no horário nobre.
Livro combinado, a noite de autógrafos será na novela. "Pedi que apresse e me mande até o dia 10. Quero lançar aqui", diz Manoel Carlos, autor de "Mulheres". Eduardo Alves da Costa falou à coluna:
 

Folha - Você se arrepende de ter posto Maiakóvski no título?
Eduardo Alves da Costa -
De maneira nenhuma! Tanto que vou usar o mesmo título para o livro que sai agora.

Folha - Durante mais de 30 anos acreditaram que o poema era dele. Isso não o incomoda?
Costa -
Era uma enxurrada muito grande. Saiu em jornais com crédito para Maiakóvski. Fizeram até camisetas na época das Diretas-Já. Virou símbolo da luta contra o regime militar.

Folha - Como surgiu o engano?
Costa -
O poema saiu em jornais universitários, nos anos 70. O psicanalista Roberto Freire incluiu em um livro dele e deu crédito ao russo e me colocou como tradutor. Mas já encomendei da França a obra completa do Maiakóvski. Quando alguém me questionar, entrego os cinco volumes e mando achar o poema lá.

"Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada" Trecho do poema de Eduardo Alves da Costa atribuído ao russo Vladimir Maiakóvski. 

Eduardo Alves da Costa

Clique para mais Eduardo Alves da Costa


 

 

Em tempo: 

clique aqui para ler o poema inteiro

[minha amiga Maria do Carmo Ferreira quem mandou. O livro do mesmo nome No caminho com Maiakóvski, está esgotado].

 

Clique para comentário de Mauro Mendes

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Da Vinci

 

 

 

 

Blake, O compasse de Deus

 

 

Eduardo Alves da Costa


 

NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI

 

 

Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.

 

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na Segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

 

Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas amanhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.

 

Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne a aparecer no balcão.

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.

 

Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

Mas ao tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.

 

E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita - MENTIRA!

 

 

Nota do editor:  em negrito, o "fragmento" que corre o mundo, belíssimo, desse poema de Eduardo Alves da Costa. Acima, o poema inteiro.

Clique para mais Eduardo Alves da Costa

Eduardo Alves da Costa