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Mauro Mendes


 

Tautologia


enquanto vivermos,
estaremos vivos
a vida toda!
é preciso fazer do instante cruel,
presente ou passado,
uma defesa contra o impossível,
sinal de que o impossível existe
e nos acontecerá,
mais dia menos dia.
vamos lá pra ver!
você chora porque não ri
ou ri porque não chora?
ou ambos?
ou isto não interessa
e o que interessa está perto demais?
hoje é quinta-feira
e ainda não sei o bicho que deu,
mas sei o bode que deu!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Pesadelo


Eu tenho muito,
muito medo,
muito medo de você!
Você é o meu fantasma predileto,
o meu espectro familiar,
que me apavora no sono
e de quem rio ao despertar.
Eu vivo por você num sonho antigo,
um sonho de antanho,
maluco, extemporâneo,
um sonho que já nem é sonho,
pois é quase de manhã.
Da noite alta que se desfez,
surgem palavras bêbadas,
tontas de sono,
ecoando pela casa,
junto aos passos do sonâmbulo.
Surgem de abismos profundos,
mas os abismos do sono
têm a altura da cama
(felizmente!)
E, lentamente, se recompõem
velhas estórias mal contadas,
“buenas dichas”, vagos presságios,
frágeis linhas mal traçadas
da minha mão e da tua
entrelaçadas e entrelaçadas...

 

 

 

Valdir Rocha, Fui eu

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Luiz Nogueira Barros

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Venus Presenting  Arms to Aeneas

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Náutica


I - A Espera

À beira do cais deserto,
o barco ancorado sonha com procelas,
e eu, que cheguei há pouco,
vindo de dentro de um sonho impossível,
que sonho eu?
Dize-me, barco, o teu segredo
parado nesta ponta de espera,
nesta beira de cais!
É sempre a mesma a distância
que vai da praia à linha do horizonte?
... e eu, que venho de ruas estreitas,
sempre me perco.
Vagos murmúrios marinhos me acompanham
barcos invisíveis vêm à tona
cheios de peixes voadores...

II - A Partida

O que farei dos sonhos perdidos,
fugidos, desmastreados,
vogando, à deriva,
sobre um mar qualquer?
Farei velas enfunadas
para uma ilusão mal curada,
alguma navegação tardia,
e sairei em busca de portos inseguros,
açoitados de vento,
povoados pela alma de antigos descobridores,
velhos piratas sem bússola e sem tesouro...

III - O Reencontro

Quebrando na praia, as ondas
desfazem o sulco
(porventura deixado)
pelos barcos que se foram
e que poderia servir de pista
para irmos em seu encalço.
Quebrando assim ao acaso,
displicentemente,
as ondas desfazem este pequeno equívoco,
apagam a última possibilidade.
É que o mar não tem caminhos, meu amor,
e os mares para onde hoje partimos
ainda são nunca d’antes navegados,
para nós,
pouco versados na posição das estrelas,
pouco afeitos ao solstício,
aos eclipses e ao plenilúnio.
Pouco importa!
Velejarei num mar de versos,
onde me reconheço,
onde o campo é minado
e cada palavra sabe a sua cicatriz.

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana

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Octavio Paz, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Exposition of Moses

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Pontuação


estava escuro
onde eu estava,
dentro do livro,
na página 89.
e estava escrito
que eu devia apenas
virar a página,
porque, do outro lado, haveria
uma pista(pelo menos falsa)
para eu sair de dentro do livro,
de dentro da página...
e eu, que tenho(ou tinha)
o tempo dentro de mim
(um tempo que já nem é tempo,
um tempo de pele e osso)
eu quis saber o que havia e me perdi,
ao passar da página...
perdi meu item, meu ponto,
meu ponto e vírgula,
perdi meu til, meu cedilha,
meu traço de união,
minhas reticências e aspas,
meus parênteses
e meu ponto de exclamação.
você sabe a minha página?
você sabe a minha alínea?
então fico mesmo sem linha,
perco as estribeiras,
fico fora desta história,
desta rima rasteira,
sem eira nem beira.
mas, não se preocupe,
eu vou passar tudo a limpo,
sem emenda e sem rasura,
em homenagem ao seu novo cheiro,
este cheiro de papel novo,
o seu cheiro desconhecido...

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

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Junot Silveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Carrosel


A vontade de cair de um edifício
é apenas uma lembrança antiga,
uma lembrança do tempo das valsas...
O corpo gira e rodopia
e se afasta da mente,
tão leve como uma pena,
mais gracioso que uma falena...
A vontade de cair de um edifício
é apenas uma pirueta,
uma diabrura a mais
nas travessuras do tempo,
uma mudança de ritmo,
dentro da mesma cadência...
A vontade de cair de um edifício
é apenas onipotência...

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

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Nei Duclós

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Rebecca at the Well

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Sugestão
Para a turma de Ondina (Salvador-BA/1977)


De vez em quando,
devia haver
(pra gente se ver
ou pra gente se reaver)
um tempo, dizia eu,
devia haver,
em que ficar bêbado
fosse permitido,
fosse muito engraçado
ou simplesmente divertido,
como no passado.

Ao som de músicas
quase sempre alegres,
muitas vezes doces
e até mesmo tristes,
atravessamos inteiras madrugadas!

E os vapores vários,
os vapores leves,
no final de tudo,
no final de contas,
nos deixavam tontos,
nos deixavam todos
com auréolas de santos...

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Yeda

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Jorge Tufic

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Empire of Flora

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Pastoral


O bicho-homem,
quando era bicho-do-mato,
era de vento e folhas,
balançar de galhos,
estalidos secos
de cobras e lagartos
se mexendo na folhagem,
murmúrios de água,
cri-cri de grilos,
pios e trinados.
Ia de vento em folha
o bicho-homem,
quando era bicho-do-mato.
Quantos grilos conta, hoje,
o bicho-homem,
quantas cobras e lagartos!
Há muitos sons e ruídos
ecoando, em silêncio,
no espaço das lembranças
do bicho-homem.

 

 

 

José Saramago, Nobel

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Dimas Macedo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Sinopse


Leitura de mim para mim
do que eu não disse,
mas percebo,
porque eu não me engano,
me vejo,
me vejo de soslaio,
sou da minha própria laia.
Recapitulando,
sem dar tempo ao tempo,
sem deixar o dito pelo não dito...
Nós somos trágicos antes da tragédia
e cômicos depois da comédia.
Tomamos o antídoto antes do veneno,
engolimos o dinheiro junto com a cachaça
ou saímos sem pagar a conta.
Somos extemporâneos,
desatentos ao tempo,
ao lusco-fusco,
ao fluxo e refluxo,
ao descompasso das marés.
O mal do século não nos atinge
e nos tornamos perigosamente óbvios.
Tente pensar o óbvio, o ínvio,
o que há de vir,
seja o que for o que há de vir.
Coma o pão,
o pão ázimo do banquete de cada dia,
pão ácido, pão duro, dormido,
de um dia pro outro,
quebrando os dentes
e não temos palitos!
Quem nos dará palitos como antigamente?
Dá Deus dentes a quem não tem nozes.
Ou é o contrário?
Faz alguma diferença?
Três vezes antes nozes fora nada,
nada,
assim está melhor!
Vão-se os dedos e fiquem os anéis.
Para que queremos dedos
se não temos palitos?
Já das nozes nem é bom falar!
Não falemos de nós,
da nossa falância e da nossa falência!

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

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Myriam Fraga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Nurture of Bacchus

 

 

 

 

 

Mauro Mendes


 

Sent: Saturday, November 15, 2003 11:55 AM

Subject: Re: Comentário Eduardo


 

Poeta Soares,
 

Gostei pra caramba da "Nominância", ainda estou dando boas risadas! Você foi fundo! Quer saber o que este Sr. Manoel me passa? Ele não sabe nem o sentido das palavras que usa (em geral, não é só no caso "alexia" não) e, quando tenta inventar novos sentidos para as palavras(o que é uma das qualidades do bom escritor), aí é um desastre total! E o "vinca em desleixos", que está no mesmo parágrafo da alexia? Alguém sabe o que é isto? Me informe, com urgência, se descobrir!

Estou acompanhando, dia a dia, a evolução do livro "Por uma crítica fundamentada".

Gostei demais da notícia de que "está quaje quaje no horário".

Segue um poema de Goethe(como se vê, o mal é antigo...), para botar mais lenha na fogueira!


Abração!


Mauro
 


O CRÍTICO
(Goethe)

Tradução de Nelson Ascher (Folha de São Paulo, Folhetim de 18.05.86)

Eis que me veio uma visita
do tipo - achei - que não me irrita.
O meu jantar não era chique,
mas ele comeu tanto, ali, que
não sobrou nada em casa; e quando
notei-o quase arrebentando,
o Demo o fez sair só para
cuspir no prato em que jantara:
"A sopa estava um arremedo;
a carne crua; o vinho azedo".
Que morra paralítico! (1)
Com mil demônios! Era um crítico.

(1) Com licença do Goethe e do Nelson Ascher: Que morra de alexia!


 

Confira:

Por uma crítica fundamentada

 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

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Francisco Carvalho