Mauro Mendes
Náutica
I - A Espera
À beira do cais deserto,
o barco ancorado sonha com procelas,
e eu, que cheguei há pouco,
vindo de dentro de um sonho impossível,
que sonho eu?
Dize-me, barco, o teu segredo
parado nesta ponta de espera,
nesta beira de cais!
É sempre a mesma a distância
que vai da praia à linha do horizonte?
... e eu, que venho de ruas estreitas,
sempre me perco.
Vagos murmúrios marinhos me acompanham
barcos invisíveis vêm à tona
cheios de peixes voadores...
II - A Partida
O que farei dos sonhos perdidos,
fugidos, desmastreados,
vogando, à deriva,
sobre um mar qualquer?
Farei velas enfunadas
para uma ilusão mal curada,
alguma navegação tardia,
e sairei em busca de portos inseguros,
açoitados de vento,
povoados pela alma de antigos descobridores,
velhos piratas sem bússola e sem tesouro...
III - O Reencontro
Quebrando na praia, as ondas
desfazem o sulco
(porventura deixado)
pelos barcos que se foram
e que poderia servir de pista
para irmos em seu encalço.
Quebrando assim ao acaso,
displicentemente,
as ondas desfazem este pequeno equívoco,
apagam a última possibilidade.
É que o mar não tem caminhos, meu amor,
e os mares para onde hoje partimos
ainda são nunca d’antes navegados,
para nós,
pouco versados na posição das estrelas,
pouco afeitos ao solstício,
aos eclipses e ao plenilúnio.
Pouco importa!
Velejarei num mar de versos,
onde me reconheço,
onde o campo é minado
e cada palavra sabe a sua cicatriz.
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