Betty Milan
Willer, o
poeta carnívoro
Gosto da frase É PRECISO QUE SEJAMOS
MODERNOS COMO O AMOR e gosto do modo como o autor se refere a ela na
Introdução de seu novo livro, Estranhas Experiências
(Editora Lamparina, Rio de Janeiro, 2004): “Perguntei à página: o
que (a frase) significa? Lembrei-me da noção de moderno e da
modernidade em Baudelaire, aquilo que sempre muda e por isso é
fascinante, associado ao emergir do maravilhoso na vida urbana.
Afirmar que o amor é moderno é uma variação irônica sobre o tema ou
tópica do amor eterno. Digo o contrário, que não, não é eterno, e
vai mudar, transformar-se constantemente...” O amor, com efeito,
deixa de existir quando não e renova, quando o amante não é capaz de
o reinventar através de palavras ou de gestos.
Quem ama sabe que o encontro, e só ele,
faz as cidades e as paisagens existirem: “você me pede que escreva
sobre o Rio de Janeiro / mas não existem cidades / são nossas
viagens que criam roteiros”. Os lugares, como nós, não passam de
fantasmas, e o poeta conclui: “Nada é tudo o que temos” sempre.
Precisamente por afirmar este NADA,
escrito com maiúsculas, ele pode escrever: “eu sou a umidade do ar /
sou as cores do ar / sou o horizonte e todas as formas no
horizonte”. Só o fato de nada termos possibilita a nossa
transfiguração. Considere-se o folião do carnaval. Todo ano ele se
apresenta de maneira diferente. Nada tem, mas sua possibilidade de
ser é infinita.
Não ter, não ter, não ter, parece
preconizar a poesia de Estranhas Experiências, que exalta o
encontro e não desdenha a loucura: “a luz dos loucos brilha / nos
poucos capítulos / que devo a meu diário”. O autor não ignora o
brilho da loucura, como Shakespeare, que escreveu: “O só olhar de um
louco revela a loucura dos normais”.
E, por deixar a loucura cintilar, o
poeta percebe que “o lado de lá é simples e está aqui, basta estar
aberto e disponível”. A isso ousa acrescentar: “Somos deuses”. Cada
um de nós irradia luz, conquanto aceite a idéia de que “tudo é tão
simples / basta o adolescente em nós / tomar conta da cena”. O
adolescente ou o inconsciente, que aflora continuamente na poesia de
Claudio Willer, porque ele não se quer demasiado inteligente,
prefere o mais visceral, na tradição dos surrealistas e dos
modernistas, dos “poetas carnívoros”.
Estranhas Experiências é um
livro que merece o leitor mais atento. Por ter chegado a verdades
simples como: “poesia é o que sempre soubemos”. Por afirmar
corajosamente, a cada linha, que “a rebelião romântica, individual,
continuará a contribuir para a transformação do mundo”. Em suma, por
se tratar de um livro que será eternamente moderno, como outros
textos do mesmo autor – de poesia, ensaio e tradução. |