Edmundo Fonseca e Bispo
Ode prisional
Por favor, deixem-me ir.
Eu tenho de me escapulir daqui para fora,
Para a rua, para o meio da turba e soltar-lhes,
As mentes presas, castração espiritual da alma do mundo.
Se sou o eleito? Não há eleitos nem escolhidos,
Não acredito em destinos e profecias que se leiam nas escrituras,
Modernas e antigas, falsas ou verdadeiras,
Fidedignas e adulteradas,
De Deuses ou de Homens.
Ó Milagre Único, concede-me tua mão,
E puxa-me daqui para fora onde murcho, seco e morro.
Amo viver, amor a ferocidade de Ti,
Levam-me aos que de mim precisam, dar-lhes água duma vasilha.
Sou proibido de tudo (sempre foi esse meu padrão,
Ouvir música em volume que não se oiça,
Não escrever baboseiras ou devaneios em locais impróprios,
Não ser cordial para com quem me repudia,
E particularmente, não poder ser eu. EU!!!!
Que tenho eu para não o poder ser?
Sei que sou problemático antes de se aproximarem,
Dos meandros escondidos da mente que detenho; tentem entrar em mim,
Violem-me a mente contra minha vontade,
Olhem fixamente nos olhos e irão ter meu reflexo.
Mas por favor, por favor,
Deixem-me gritar louco pelas ruas,
Dizendo como é possível tudo o que se desejo,
E se não for, vale sempre a pena,
Sempre se deixa limpo os salões da alma de arrependimento,
De ter cruzado os braços quando os devia descruzar,
Ter fechado os meus olhos quando os devia mantê-los aberto,
E sem que possa prevalecer a dor de não ter feito nada,
Fica-se em pranto uma vida inteira.
Oiço a voz da própria natureza mesmo não sendo perfeita,
Galanteando quem aos meus olhos parecer objecto,
Digno e merecedor de formal instinto predador,
Amo pensar que sou da vida felino.
Caço, mato e sobra-me apenas a carcaça,
Dalguma emoção que, insaciável, devorei,
Bebo-lhe de um sorvo o sangue que é a vida, chuva do corpo,
E dreno não a gente que esmorece, mas quem a detém.
Ah, receber a dádiva divina, sublime e emblemática,
Portadora de histórias incontáveis, sem que me canse,
De ouvir e de vez em quando, ser explícito em como me exprimo.
Deixem-me ir ouvir que ser ouvido tanto precisa,
Falar a quem mendiga uma palavra – e assim existe,
Deixem-me não ficar aqui preso quando tenho Amor, um mundo,
Que posto de lado, desmorona, ruína do que se foi e é.
Sejam...
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