Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Eduardo Vasconcelos Lima

evlprof@gmail.com

Jornal do Conto
 

Poesia & conto:

 


 
 

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 

 


Fortuna:


 
Micheliny Verunschk

Alguma notícia do(a) autor(a):

 

 

 

Astrid Cabral

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

Eduardo Vasconcelos Lima


 

OS ANJOS

 

 

Belos Anjos da noite

Já marcaram sua chegada

Vieram do Céu fugindo

Da morte mal esperada

Cruzaram a primavera fria

Na Terra já açoitada

Pularam dragões nervosos

Em formas de onças pintadas

Em combate se juntaram

Faiscando suas espadas

Conheceram a dor da morte

De uma forma desesperada.

 

Atravessaram os mares

Montados em um planeta

Que ao som de uma trombeta

Vinham descendo dos ares

Acompanharam vários lares

Obras de santos e fadas

Naquelas imensas jornadas

Balançaram no arrebol

Chegaram à porta do Sol

Na hora da madrugada.

 

O silêncio foi um sonho

Que morreu numa emboscada

As tristes figuras caíram

Na terra mal assombrada

O sangue se derramou

Entristecendo a chegada

Os Anjos adormeceram

Esperando a desejada

Sete feridas no peito

Ensangüentaram a jornada

Sete golpes mortais

Estocaram a madrugada.

 

 

 
   

Eduardo Vasconcelos Lima


 

 

O Atropelamento

 

Um coração apaixonado

Foi atropelado em minha porta.

Um caminhão, com face do Diabo,

Inspirou a maior tragédia para o Amor.

Já é difícil, um órgão aberto para o sentimento,

Num mundo inóspito de paixão.

Mas o coração continua lá, estirado.

Não prestaram socorro à vítima,

Tampouco pegaram a placa do assassino.

Sua face rubra foi transfigurada,

E o que tinha no seu interior, também.

Apesar disso, a rua continua seu ramerrão.

Em uma janela de uma pousada,

Um taciturno ocupante olha o triste cadáver,

E do seu rosto desce uma lágrima de desesperada solidão.

 

 

 

   
   

Eduardo Vasconcelos Lima


 

A aranha

 

Entre nós, causa a aranha,

barriga fria, estranheza,

todavia, no aracnídeo,

revela-se tamanha beleza

 

de um fruto. Ela é fruto,

que não se mostra, acaricia.

A pele peluda a tecer

de qualquer forma a vida.

 

Num trabalho incansável,

que há muito não se via,

a conceber a fina teia,

que aos poucos se fabrica.

 

Na claridade da manhã,

entre tantas concebidas,

entreaberta feito rede

na parede se aglutina.

 

Suas longas pernas descem

a parede toda gretada,

a penetrar a seca presa,

à procura do quase nada.

 

 

   
     
Elizabeth Marinheiro

Início desta página

Edna Menezes
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eduardo Vasconcelos Lima


 

O Movimento Armorial

e o

Romanceiro Popular Nordestino

 

 

           Criado por Ariano Suassuna em 1970, o Movimento Armorial é um “escudo blindado” contra o processo de descaracterização e vulgarização da cultura brasileira, processo que, infelizmente, ainda continua com grande força. Só um país rico em tradições populares pode suportar o bombardeio do chamado e conhecido “lixo cultural”, ligado diretamente à “cultura de massa”, bombardeio esse liderado principalmente pelos Estados Unidos.

              A cultura é como uma majestosa sinfonia, cada nação tem que dar sua nota própria para que o conjunto dos sons se torne rico e harmonioso, mas o produto massificado está destruindo esta nobre e rica diversidade, uniformizando todos os povos. Em países colonizados como o Brasil, isto é um grande problema.

              Infelizmente a falta de auto-estima do nosso povo é histórica: nos séculos XV, XVI e XVII, tínhamos vergonha do elemento indígena e africano e nos orgulhávamos do elemento português; no século XIX, queríamos ser tipicamente franceses, e passamos a nos envergonhar do que tínhamos de português; e agora, nos séculos XX e XXI, queremos, caricaturalmente, ser norte-americanos.

              A cultura brasileira, que representa verdadeiramente o sentimento do nosso povo, está infelizmente sendo cada dia destruída, e poucos “Quixotes”, como o próprio Suassuna, defendem com veemência a nossa cultura popular, e lutam contra essa grande ameaça para a cultura no nosso País.

              O Brasil é um país “dividido e dilacerado” culturalmente, e isso é resultante das condições históricas de sua formação. No século XVI, nascemos para a cultura ibérica e mediterrânea, herdamos o patrimônio cultural que nos veio com a língua e os costumes portugueses. Herdamos, também, elementos da cultura africana (negra) e da cultura indígena (vermelha), cujos mestiços descendentes começaram a se apropriar dos elementos culturais ibéricos enriquecendo essas formas herdadas através da recriação e da reinterpretação.

              Depois, essa divisão aumentou, com a chegada de novos elementos culturais (europeus e não-europeus), que vieram através das modernas formas de transportes e comunicação, colocando o Brasil em sintonia com o resto do mundo. Ariano Suassuna explica:

 

Por tudo isso, o Povo brasileiro ainda é dividido e dilacerado, bastando lembrar que vivemos aqui, no espaço geográfico de um mesmo País, tempos reais os mais diversos: São Paulo vivendo um século XX desenvolvido; o Sertão nordestino ainda vivendo os últimos restos feudais da ‘civilização do couro’; e os indígenas do Planalto Central vivendo no estágio de civilização florestal, esquecidos, ao que parece, de outras culturas que viveram em outros tempos. (2007, p.249).

 

              Apenas alguns intelectuais têm a capacidade de “captar” os fatos que machucam seu povo, como é o caso do próprio Ariano, contribuindo, assim, de forma substancial para o processo de resistência e de fortalecimento da cultura brasileira. Somente agora os artistas brasileiros começaram a se tornar intérpretes, reluzindo os anseios, os gritos e as aspirações de seu lugar e de seu verdadeiro povo.

              Uma literatura erudita começou a nascer paralela ao espírito e às características populares, graças à grande lição do Romanceiro Popular Nordestino, mas esse tipo de literatura acabou se tornando mais presente no Nordeste.

 

O melhor, porém, é que essa literatura erudita de raízes populares não vai sendo imposta por teorias, programas ou ideologias: surge naturalmente, por amor e identificação. Os artistas e escritores nordestinos tiveram a surpresa de descobrir, de repente, que a solução de seus problemas e dilacerações já tinha sido achada, há muito tempo, pelo Romanceiro Popular, uma literatura de grande força, baseada em histórias coletivas, ligadas ao que existe de mais elementar, poderoso e primordial no sangue do Povo, dotadas de grande poder de penetração e comunicação, por corresponderem aos anseios coletivos mais profundos do Povo brasileiro. (SUASSUNA, 2007, p. 250).

  

              Para exemplificar a influência do Romanceiro Popular Nordestino na nossa literatura erudita, observa Carlos Newton Júnior (2002, p. 57).

 

No Brasil, os melhores espíritos nunca tiveram a menor dificuldade em entender a importância do Romanceiro Popular do Nordeste. É por isso que muitos dos nossos artistas eruditos, dos mais variados campos da Arte, tomaram o Romanceiro como ponto de partida para as suas criações, contribuindo assim, uns mais, outros menos, para o fortalecimento da Cultura brasileira, conseguindo obras que, por serem ligadas às nossas raízes populares, são tão nacionais quanto as realizações de nossa arte popular. No caso específico da Literatura, lembro que dois dos maiores romances brasileiros do século XX – Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna – são devedores do nosso Romanceiro. Esta dívida é mais evidente em A Pedra do Reino – não é à toa que este é nosso primeiro romance armorial. Mas ninguém, em sã consciência, poderá subestimar a presença do romance ibérico La Doncella Guerrera (ou Donzela que vai à Guerra, como é de conhecido em Portugal) no romance de Guimarães Rosa; assim como em outro romance brasileiro, bem mais recente – O Memorial de Maria Moura, de Rachel de Queiroz.

 

              A palavra Armorial, de início, na língua portuguesa, era classificada apenas como um substantivo, um nome ligado a Heráldica, livro onde os brasões vêm registrados. Suassuna construiu um neologismo ao empregar o substantivo armorial para dar nome ao movimento, tornando-a um adjetivo de rara beleza. Após o lançamento do movimento, Ariano Suassuna, em tom de brincadeira, explica o porquê da escolha.

 

Primeiro porque é bonito. Segundo, porque sendo um nome estranho, o pessoal pergunta como você – “o que é?” – e ouvida a explicação, não esquece mais. Terceiro, porque significa esta palavra a coleção de brasões, emblemas e bandeiras de um povo. (SUASSUNA, apud NEWTON JÚNIOR, 1999, p. 88).

 

O Movimento Armorial teve início oficialmente no dia 18 de outubro de 1970, no Recife, através de um concerto de Orquestra Armorial de Câmara designado “três séculos de música nordestina: do Barroco ao Armorial”, e de uma bela exposição de artes plásticas (gravura, pintura e escultura). O próprio Ariano, no texto veiculado juntamente com o programa do concerto inicial, explicou como começou a utilizar o termo Armorial, fazendo uma ligação direta com as manifestações do nosso Romanceiro:

 

Foi aí que, meio sério, meio brincando, comecei a dizer que tal poema ou tal estandarte de Cavalhada era “armorial”, isto é, brilhava em esmaltes puros, festivos, nítidos, metálicos e coloridos, como uma bandeira, um brasão ou um toque de clarim. Lembrei-me, aí, também das pedras armoriais dos portões e frontadas do Barroco brasileiro, e passei a estender o nome à escultura com qual sonhava o Nordeste. Descobri que o nome “armorial” servia, ainda, para qualificar os “cantares” do Romanceiro, os toques de viola e rabeca dos Cantadores – toques ásperos, arcaicos, acerados como gumes de faca-de-ponta, lembrando o clavicórdio e a viola-de-arco da nossa Música barroca do século XVIII. (SUASSUNA, apud NEWTON JÚNIOR, 1999, p. 87).

 

Mais de trinta anos depois, o Movimento Armorial ainda está em grande evolução, atravessando algumas fases bastante delineadas. Suassuna, em 1976, concedeu uma entrevista ao Jornal do Comércio, do Recife, fazendo referência a dois momentos distintos que, segundo ele, caracterizam o Movimento a partir do seu lançamento até então. Uma fase com características experimentais, que vai de 1970 a 1975, e outra que era vivida naquele momento, chamada de romançal, e iniciada no dia 18 de dezembro de 1975, no Teatro Santa Izabel, com a estréia da Orquestra Romançal Brasileira.

Esta foi para o Armorial uma das mais importantes e conhecidas fases. Para ilustrar, podemos registrar um grupo de grande beleza, o Balé Armorial (origem do Balé Popular do Recife), e o surgimento de um dos maiores artistas ligado ao grupo; músico, bailarino, ator e dramaturgo, Antônio Nóbrega e seu espetáculo “A bandeira do Divino”.

Nos anos de 1980, precisamente entre 1981 e 1987, houve um profundo mergulho do Armorial. Iniciou-se uma terceira fase, com os artistas Dantas Suassuna e Romero de Andrade, nas artes plásticas; e no campo da música com o Trio Romançal.

O seu criador procurou propor uma definição geral para a arte armorial:

 

A arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rebeca ou pífano que acompanha seus “cantares”, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados. (SUASSUNA, apud NEWTON JÚNIOR, 1999, p. 97).

 

              Utilizando a definição dada por Suassuna, notamos que o folheto de cordel é usado como estandarte, como uma coluna forte, direcionando os artistas para os princípios de uma arte brasileira em várias direções.

[...] um para a Literatura, o Cinema e o Teatro, através da Poesia narrativa de seus versos; outro, para as Artes Plásticas como a Gravura, a Pintura, a Escultura, a Talha, a Cerâmica ou a Tapeçaria, através dos entalhes feitos em casca-de-cajá para as xilogravuras que ilustram suas capas; e finalmente um terceiro caminho para a Música, através das “solfas” e “ponteados” que acompanham ou constituem seus “cantares”, o canto de seus versos e estrofes. (SUASSUNA, apud NEWTON JÚNIOR, 1999, p. 107-108).

              A Arte Armorial procura construir uma manifestação artística com o formato, cara e cor de Brasil, lutando contra as manifestações que nos descaracterizam e nos corrompem. De forma oportuna Jarbas Maciel coloca o Armorial no seu merecido lugar, afirmou: “O Armorial está para a Cultura Brasileira assim como a Epopeia e a Mitologia estão para a Cultura Grega”. O Movimento Armorial está cada dia mais atual.

 

REFERÊNCIAS

 

NEWTON JÚNIOR, Carlos. A Ilha Baratária e a Ilha Brasil. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Editora Universitária, 1996.

 

______. O Circo da Onça Malhada. Iniciação à Obra de Ariano Suassuna. Recife: Artelivro, 2000.

 

______. O Pai, o Exílio e o Reino: A Poesia Armorial de Ariano Suassuna. Recife: Editora Universitária da UFPE, 1999.

 

______. O Quinto Naipe do Baralho. Recife: Artelivro Editora, 2000.

 

NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. O Cabreiro Tresmalhado: Ariano Suassuna e a universalidade da cultura. São Paulo: Palas Athena, 2002.

 

SUASSUNA, Ariano. Seleta em Prosa e Verso; organização Silviano Santiago; ilustrações Zélia Suassuna. – 2 ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

 

______. Almanaque Armorial; seleção, organização e prefácio Carlos Newton Júnior. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

 

TAVARES, Braulio. ABC de Ariano Suassuna; ilustrações Zélia Suassuna e Ariano Suassuna. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

 


 

[1] Eduardo Vasconcelos Lima é licenciado em Letras e especialista no Ensino da Língua Portuguesa e da Literatura Brasileira pelo Cesmac/AL. Email: evlprof@gmail.com

 

 

 

 

 

Vera Queiroz

Início desta página

Conceição Paranhos