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Elmar Carvalho 

elmarcarvalho@uol.com.br

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

Albrecht Dürer, Mãos

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

Bio-bibliografia:

 

José Elmar de Mélo Carvalho nasceu em Campo Maior – PI, em 09/04/56. Poeta, cronista, contista e crítico literário. Juiz de Direito. Bacharel em Direito e em Administração de Empresas. Presidiu o Diretório Acadêmico “3 de Março”, a União Brasileira de Escritores do Piauí e o Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Foi membro do Conselho Editorial da Universidade Federal do Piauí. Publicou os livros “A rosa dos ventos gerais”, “Cromos de Campo Maior”, “Noturno de Oeiras” e “Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental”. Participou de várias coletâneas e antologias. Citado em diversos livros e dicionários. Colaborador das principais revistas e jornais do Piauí. Membro de diversas entidades literárias e culturais. Detentor de várias honrarias e distinções culturais. Seu livro “A rosa dos ventos gerais” recebeu o Prêmio Ribeiro Couto (obra reunida), conferido pela União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Frederic Leighton (British, 1830-1896), Antigona,detail

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

Noturno de Oeiras


Meia-noite.
Metade silêncio,
metade solidão.

Atravesso a praça das Vitórias
na hora dolorosa das doze badaladas
punhaladas que também me atravessam.

Da casa de doze janelas
doze donzelas me espiam com olhares
que são setas de medo que
assustam e extasiam.

Passadas pesadas
nos assoalhos de tábuas
dos rugosos sobrados se confundem
com o batuque tuc-tuc e
com o atabaque tac-tac
de meu desengrenado coração.

A lua se esgueira e espreita
das frestas das nuvens.

Os fantasmas caminham
solenes, devagar,
visíveis e invisíveis,
seres que são e não são.

No horto do Pé de Deus
visagens rezam contritas.
No horto do Pé do Diabo
assombrações assombram
bichos e visitas.

À distância a casa da pólvora
vigia em sua solidez de pedra bruta.

Nos campanários de antigas igrejas
algum falecido sineiro repica
os sinos para si mesmo.

Uma sonata se evola
de piano que já não existe.
E persiste por pura teimosia.

O suicida se insinua
no vão da escada de vetusto sobrado.
Uma taça de prata tilinta e se despedaça...

O relógio da catedral
parou no tempo que continua:
a pátina rói as bordas
da ferida do mostrador e
mostra a dor das doze badaladas.

Negros ainda esperam abolição
absolvição nas cercanias do Rosário
pelos pecados que não pecaram.

As pedras antigas do calçamento
são percorridas por sombras
feitas somente de alumbramento.

O vento que passa
não é vento: é fru-fru
de saia de pessoa morta
ou hálito de porta
de casa já demolida.

Da Madona lágrimas escorrem
e chovem sobre os telhados...

Oeiras navega na noite
de um tempo que não termina.
De um tempo sem medida, fugitivo
de ampulhetas e relógios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

Livramento: pedra e abstração
(roteiro sentimental de josé de freitas)


Que é Livramento?
         Livramento
é uma revoada de santos,
anjos e meninos sobre um morro
que também voa.
Onde, agora, o morro?
O morro continua lá
e em minha memória incessante,
escalado por
                 meninos que são anjos
do além do bem e do mal.

No morro as quedas
ficaram suspensas
entre o cair e o vôo
por milagre ou magia,
ou simples brincadeira
de algum anjo travesso.

O visgo que visgava
os vim-vins de minha infância
ainda me visgam àquele
sítio de sonho
mais que sonho:
             sonho acordado.

Os santos ainda estão lá,
em pleno vôo de pedra e abstração
e de prodígio que não assombra
em seu enigma desvendado.

Em mim permanece
mais forte que nunca
o gosto mais que gostoso
das frutas que furtei
dos quintais franqueados
em pródiga dádiva.

Sinto ainda sempre e agora
uma ampulheta derramar sobre mim
o frescor macio da areia e a sombra
verdoenga da mangueira
e me trazer intacta e completa
a minha mais feliz meninice.

Recordo o açude
em que fui tão menino
como não mais pude
ser, desde então.
E do açude
os criolis ainda me chegam
em seu sabor acredocetravoso
de infância e recordação...

As partidas de futebol
ainda se repetem em minha memória:
video-tape que não se cansa
de se repercutir
em seu interminável repeteco.

No chalé, medrosos,
os fantasmas ainda se abrigam
e se escondem dos vivos.
Antigos, baratas passeiam
e ratos rondam por entre
os móveis do nunca mais.

A cidade continua a mesma,
eu continuo o mesmo
e no entanto ambos mudamos
e continuamos os mesmos
no eterno regresso de nós mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

Marítima


Do mar eu trouxe
o vento que dança
em torno de meus cabelos.
Trouxe este meu cheiro
de sal, mariscos e maresia.
Vaqueiro fui e fazendeiro
de estrelas-do-mar que
subiram ao céu para formar
constelações e galáxias.
Nas pontas agudas de meus dedos
cintilam fogos-de-santelmo.
Meus olhos têm o brilho
que roubei das ardentias.
Os relâmpagos das procelas
pousaram nas minhas mãos
e nelas se aninharam.
Do ritmo do mar eu trouxe
os meus gestos e o meu jeito de falar.
Num lance de búzios
joguei minha cartada final
em que fui anjo terminal.
Do mar eu trouxe a cantiga
do vento na voz dos búzios.
Sobre o dorso de alados cavalos-marinhos
pesquei sereias malévolas que me
encantaram e depois fugiram.
No vai-e-vem das ondas
busquei o meu gesto de
posse e devolução.
Trouxe o meu beijo temperado
no salamargo de suas águas.
Trouxe tesouros sepultos
nas covas do coração.
Com o mar aprendi meu modo
de caravelo: meus dedos
são filamentos que machucam
sem querer, que ferem
sem ter por quê.
Trouxe caracóis que se (con)fundiram
com os caminhos labirínticos que trilhei.
Louros, nunca os tive,
exceto algas em meus cabelos.
Arrebatado por navios fantasmas
conheci várias e inefáveis dimensões.
Nadei contra as correntes marinhas,
mas a elas cansado me entreguei,
despojado da púrpura e do cetro
com que havia lutado.
Trouxe do mar as conchas ilusórias
- multiformes e multicores -
com que minha vida enfeitei.
Mas sobretudo trouxe a vida
na alegria das chegadas
e na tristeza das despedidas.

 

 

 

 

 

03.11.2006