Elmar Carvalho
Noturno do cemitério velho de Oeiras
Cemitério
misteriosamente sem mistério
etéreo
em sua clareza
– mais que clareza, certeza –
de cemitério.
Campo santo
onde o fogo-fátuo
e o pirilampo
cintilam – destilam suas luzes mortas
nas alamedas sem (en)canto
nas veredas do que é somente
pranto
onde poetas
egressos de outra vida
recitam versos enternecidos
para a imortal amada
inesquecida
onde músicos falecidos
acordam sons delicados
doces como alfenim
das cordas sensíveis
e pulsantes do bandolim.
Ó som de lamentações e de ais,
de lamúrias passionais,
de réquiem e miserere
que dilacera e fere
como não se ouvirá
nunca mais!
Horto sagrado
do que é morto
e é lembrado;
do que é apenas esquecimento
(do que não é nem será
sequer pensamento).
Cemitério
de lápides indecifradas
pelas dentadas do tempo.
De cruzes mutiladas
e de braços pensos.
De chumbados anjos sem vôo
e de asas decepadas.
De correntes arrastadas
na via crúcis das
almas penadas.
De vultos
queridos da História.
De vultos
diluídos, sem memória...
De túmulos caiados, caídos,
encardidos pelo tempo.
Cemitério de abandono:
fantasmas sem sono
abrem os portões
de gonzos gementes, enferrujados,
e vagam pelas
ruas adormecidas
– sombras tênues, diáfanas,
esquecidas.
Cemitério
de uma morte
absoluta e sem fim
como uma música
sublime de bandolim
tangido por dedos mágicos
de Arcanjo ou Serafim...
Te. 13/14.10.94
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