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Elmar Carvalho


 

Enigma


entre o som
        o sono
        o sonho
        a sombra e a sobra
eu me decomponho
em escombros
em farpas e agulhas
escarpas e fagulhas
                           desfeito enfim
                           em fogos de artifício
                           feito estrelas de mim
esfinge autoantropofágica que
não se decifrou e que a si
mesma se devorou

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

Gran finale


Desmanchei
com minhas mãos
que os criara
os deuses em que cria.
Desfiz
a imagem que fizera
da mulher amada.
Perdi a fé em tudo
como quem nada perde.
Depois
gritei, berrei,
chorei gargalhando
e resolvi ficar louco.
Depois de doido
resolvi tentar a sorte
            sal-
                  tan-
                         do de cabeça
do alto do arranha-céu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

Insônia


No silêncio abissal
da noite estagnada
a engrenagem pesada
do tempo se desenrola
e desaba sobre mim.

As botas cadenciadas
das horas marcham
- lentas lesmas –
marcham infinitamente
na noite sem fim...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, Acis and Galatea

 

Elmar Carvalho


 

Autobiografia zodiacal


Sou do signo de
         Carneiro
mas meu coração é um
         Touro indomável.
No meu sangue
corre a fúria de
         Leão.
Entre uma Virgem e duas
         Gêmeas
meu coração/bala
         Balança.
Sou um Câncer
nos chifres de
         Capricórnio.
Sou Peixes libertário
sem o cárcere de um
         Aquário.
Sou Sagitário
        a
            r
               m
                   a
                      arco e flecha
                   d
                o
            d
        e
( A flecha é uma cauda de Escorpião.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Delaroche, Hemiciclo da Escola de Belas Artes

 

Elmar Carvalho


 

Amarante


doce amaro
        pródigo
        avaro amarante
        ante-amar-te
        anti-amar-te
antes sempre após
agora
sem agouro sem demora
sem pressa e sem presságio
        pé ante pé
        perante tuas casas sonolentas
        diante das fráguas das serras
que descerras em cortinas de azuis
descortinas neblinas
na paisagem – plumagem/brumagem fixada
na retina retentiva redentora do poeta
        amarante
        amaranto de
memórias atávicas de catimbós
murmúrios ancestrais de urucongos
requebros lascivos de velhos congos
resquícios longínquos de quilombos
encravados em abissais cafundós
dos antepassados cativos altivos dos mimbós
        perante ti
        amarante
a água escorre lacrimal
pela sinuosidade do morro da saudade
deságua na desembargador amaral
         e de val em val
de sal em sal
         boceja nas bocas de lobo dos esgotos
gargareja nas gargantas gosmentas dos gargalos
         mergulha e deriva singular
nas águas plurais do parnaíba
         amarante
         perante ti
         imperante
o vento verdeja agreste nos ciprestes
rumoreja aguado nos aguapés
sacoleja sem leste oeste
a copa fagueira das faveiras
         tuas tardes tardas dolentes amaras
                   abres das janelas
                                               debruçadas em melancolias
e alicias e (re)velas
as moças nas modorras mormacentas macilentas
em que delicias cilicias e acalentas...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

A ponte na memória


O vento passavoante
            pássaro voante
sob o arco-da-velha
sob o arco da ponte.
Baloiça os pés de oitis,
joga confete com suas folhas
e empurra o casario antigo
com suas: arcadas dóricas
               volutas jônicas
               ogivas góticas
               sacadas exóticas
com suas parábolas e abóbadas.
O vento passalígero passalísio
e empurra o casario antigo
que navega parado
no tempo que navega
como um mar que navegasse
sob um navio ancorado
que se deixasse navegar.
Meu sonho de malas prontas
é passageiro e tripulação
do casario – navio que navega
ao se deixar navegar.




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Elmar Carvalho


 

A ero moça


A aeromoça
abre os braços
e mostra as saídas
de emergência...

E eu a sonhar
que ela abrisse
as pernas e mostrasse
as entradas de quintessência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904) - Phryne before the Areopagus

Elmar Carvalho


 

Amor concreto


no vór-
          ti-
ce voraz
dos abrasados amantes abraçados
o amor se faz
in-tenso e tenaz
no êmbolo inserido no
                ver tiginoso
                vér ti
                   ce
             inver tido

 

 

 

 

 

03.11.2006