Dia Nacional da Poesia.
Por que (não) celebramos este dia?
Neste
dia 14, comemora-se uma daquelas datas que costumeiramente
vemos em nossos calendários, no alto das paginas das
agendas, mas que geralmente passam esquecidas de todos,
inclusive de muitas instituições ligadas ao assunto.
Refiro-me ao Dia Nacional da Poesia.
Com
efeito, é de certa forma previsível que uma data como esta
seja esquecida. A poesia não é como o pai, a mãe, o
namorado, o trabalho, ou tantas outras coisas às quais as
pessoas devotam tempo e importância suficientes para que não
se esqueçam da data. A poesia é, além disso, uma coisa
difícil de ser explicada em suas características mais
profundas e, o que é pior, não é algo para o qual exista uma
utilidade imediata. A única certeza que há, em relação a
ela, é a de que nenhuma resposta às suas perguntas é
definitiva.
No
entanto, esta indefinição, que poderia ser vista como algo
negativo, é uma de suas maiores virtudes: a poesia, quando
não está presente na vida das pessoas com versos, estrofes e
rimas, está presente naquela música que não sai da cabeça,
está presente naquela frase dita por alguém que nos tira o
chão, nas lembranças de cada um, nas dúvidas, nas certezas.
As coisas que estimulam cada pessoa, que encantam cada um,
não precisam figurar em volumes de capa dura do século XVI
nem no programa de curso de uma faculdade de Letras para
merecerem o adjetivo “poético”.
A
respeito deste tema, Antônio Candido, um entendido no
assunto, afirma que a arte, ou o Direito à Arte, a poesia
entre elas, deveria ser integrada aos direitos universais do
homem. Sua tese era de que os seres humanos, além do direito
à vida, à igualdade e à liberdade – e outros tantos direitos
assegurados na famosa declaração – possuem uma necessidade
vital de sonhar. A melhor forma de compartilhar um sonho,
segundo ele, é a expressão artística. Por meio dela,
exercemos e recebemos a influência dos demais, constituímos
um mundo próprio e participamos do mundo dos outros. O
sonho, e suas formas de desenvolvimento, completam o homem.
Sonho
é uma palavra que também está por trás desta data se
levarmos em conta que este dia foi escolhido em homenagem ao
nascimento do poeta Castro Alves, em 14 de março de 1847, há
160 anos, portanto. Castro Alves, indivíduo cuja presença
contagiava o mundo ao redor, é um grande exemplo de quanto
valem os sonhos. Homem comprometido com seu tempo, expressou
como poucos os valores e anseios de sua geração: cedo
despontou como poeta, não só de versos amorosos, mas também
de composições sociais, defendendo ferrenhamente a abolição
dos escravos e o regime republicano. Seus poemas, que
declamava nas escadas e corredores das Faculdades de
Direito, arrancavam aplausos e admiração de seus colegas,
primeiro em Recife, depois em São Paulo. A tuberculose, que
o levou aos 24 anos de idade, matou um homem, mas não
enterrou a idéia. O chamado Poeta dos Escravos alcançou
popularidade quase imediata e teve sua bandeira sustentada
por homens como Tobias Barreto, difusor do liberalismo no
Brasil do século XIX, e Rui Barbosa, que, além das
atividades públicas em que esteve envolvido, fez-se guardião
do material do poeta. Castro Alves não viveu para ver a
República, nem a Abolição, mas uma e outra viveram por causa
de homens como ele, que ousaram expor seus sonhos.
Desta
forma, este ano, se ainda houver tempo, ou então o ano que
vem, vamos aproveitar este dia para pensar na poesia. Não
apenas naquela poesia que é impressa em livros, mas no
material de cada pequena (ou grande) revolução que queremos
praticar com nossas vidas. Não temos o que celebrar?
Fábio Cairolli é tradutor e poeta, atualmente mestrando em
Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo. É autor do
livro de poemas Amores (2005).