Dos leitores
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Micheliny Verunschk
Aos longes do meu sertão, Moxotó, chegou o “Réquiem em Sol da Tarde”, essa ave. Susto, você me advertiu. Alegria, replico. Uma alegria imensa por saber que alguém nos longes dos quase cinqüenta foi pego pela Poesia. Alegria por ver como trata bem as palavras (um gentleman). Alegria por ser a tua uma poesia uma poesia também para o tato, a visão, o olfato: uma poesia corpo e alma ! Isso há de deixar feliz todo aquele que poetiza. Eu estou. Esse livro, essa ave, que pelo nome se supõe tranqüilo, na verdade é um traquinas que se diverte em transformar-se magicamente em várias outras coisas. E é pássaro, brinquedo, menino, cavalo disparado, árvore em dia de chuva, sertão... (como é sertão, teu livro, Soares !) Eu, matuta e meio avessa a esse admirável mundo novo que é a informática, me rendi encantada ao modo como você o transtornou de lirismo. Bonito demais, poeta! Fiz grande amigos entre teus poemas: Balançando
Devagarinho, Poltrona F-6, o Trem e o Cordeiro, Perdidos e Achados... sempre
que possível, proseamos. O Carlos Drumond, falando sobre o ofício,
disse; mais ou menos: Lutar com palavras é a luta mais vã, no entanto, lutamos, mal rompe a manhã. São muitas. Eu pouco.
Você não parece lutar com elas, o que para mim é um espanto. Elas fluem, se aninham. Quisera eu essa tranqüilidade. Ah! ia esquecendo: teu livro tem os sons das abelhas, do chocalho da vaca Rainha e da água acordando na cacimba clara. Escutei. Micheliny
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José Louzeiro A par do leque de novidades que nos oferece, uma das mais tocantes, e que se distancia das muitas tentativas vanguardistas entre nós, é o que posso chamar de "poema da imburana-de-cheiro". Gênio! Adorei. Texto completo de Louzeiro
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Elizabeth Marinheiro Ao lado dos modos do discurso (leia-se modos fundacionais da literatura) estão os gêneros e subgêneros literários, ampliando o espaço das teorias genelógicas e fragilizando as classificações canônicas. As postulações normativas — penalizadas sobretudo pelas categorias intertextuais — são destronadas por obras de grande fôlego que vincam a interdiscursividade. Soares Feitosa (poeta cearense) confirma esta dimensão pluridiscursiva em sua palimpséstica Psi, a Penúltima, onde se evidencia um mágico trânsito entre as propriedades fono-semânticas/objetuais e as ricas possibilidades de formulação modal que o texto literário realiza. Entendemos que, ao intertualizar as mais diversas práticas discursivas, Soares Feitosa protagoniza tensões existenciais e formais. dos procedimentos técnico-formais às unidades de sentido, PSI desenha um pergaminho no qual se cruzam as inscrições provindas da Grécia e do Nordeste. Isto significa que o passado e o presente da História não remetem apenas para as variações triádicas (épico, lírico e dramático) ; referencializam disposição mental das formas simples e exercitam as categorias da eletrônica, envolvendo as entoações modais da memória, do trivial urbano, do universo sacral e da Bíblia. Tirésias, Calíope, Bandeira, Pinto do Monteiro. A notícia dos jornais, a BBC, a Rádio Tirana. Lucas e Jó. "Almazona" e "Siarah". As "benças" e as "coalhadas da ceia". Candelabro, Glória, mandacaru, resistência. Enfim, letra a letra — "qwerty" — o poeta vai conduzindo uma "carruagem" polimodal para desembarcar como "pole position" no território dos gêneros e contragêneros. Uma travessia desafiando o Ver o Olhar. Um convite às leituras menos apressadas em nossos Cursos de Pós-Graduação. A despretensão de nossas tessituras acolhe este livro enquanto semiose literária com dicção pós-moderna. Não o pós-modernismo folhetinesco, voltado para o happening. Não! Pós-moderno pela instabilidade genológica que a obra afirma. Psi, a Penúltima, derruba cânones e estranha o idioma poético. Sem dúvida um espetáculo greco-nordestino. Permanecerá. Tem razão César Leal: "Os críticos competentes irão lembrar de Soares Feitosa no próximo século".
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Wilson Martins [...] Anexado ao volume, Soares Feitosa oferece ao leitor o contacto físico com o Nordeste e o Brasil antigo, sob a forma de um envelope com sementes de imburana-de-cheiro, por ele mesmo torradas e moídas: é o perfume da terra que perpassa pela obra, não só em sua materialidade física, mas também como representação por assim dizer olfativa da poesia da terra. Trata-se, então, de um poeta sertanejo, limitado ao regionalismo típico das letras? Longe disso: é um poeta lírico de harmônicas universais, inclusive as sugestões místicas; é também um saudosista, na medida em que são por natureza saudosistas os temas históricos e as evocações sentimentais, inspiração para belos poemas, como, por exemplo, "Perdidos e achados". Não podemos tampouco ignorar-lhe o lado ultra-moderno, criador do "Jornal de Poesia" pela Internet, em 1996, por não haver encontrado nenhum texto de poesia em língua portuguesa pelas ondas etéreas da eletrônica. E agora lá estão eles, os poetas, consagrados e principiantes, o que já é, em si mesmo, uma forma de poesia: a poesia do nosso tempo. Texto completo de Wilson Martins
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André Seffrin Minha leitura de "Psi, a penúltima" foi lenta e proveitosa. Se dissesse que "Thiago" foi o que mais me fascinou, como já disse antes, estaria me enganando outra vez. Poemas como "Femina" , "Ayrton" , "Strip-tease" , "Balançando devagarinho" e, claro, o que dá título ao livro, são peças de um grande poeta, para o qual a poesia é refúgio e é grito. São poemas que merecem figurar nas melhores antologias da poesia brasileira contemporânea. Diria que sua poesia é monumental, não apenas pelo sopro épico, mas porque se funda também no infinitamente pequeno. De maneira que um poema que caminha na planura raciocinante do poeta de repente assombra com o inusitado abismo, num ínfimo detalhe, dentro de um verso aparentemente banal, ou num pequeno verso que de repente acende um mundo vasto diante do leitor. Assim, sua poesia é um susto permanente, é um manancial. Está sempre recomeçando, nas bifurcações que engendra, nas digressões indispensáveis para que a orquestra atinja o ponto máximo. Uma poesia orquestral, apocalíptica, parabólica, hiperbólica. Nesse sentido você me lembrou muito Pedro Nava, o paralelo que podemos lhe estabelecer na prosa (operacionalmente, é obvio). Ambos vieram da matriz proustiana, e você ousa como ninguém: "quero botar este livro/ para cheirar:/ àquele tempo." E o poeta nos conduz ao vale sonoro das palavras, porque a poesia é música. Como a crítica já apontou, em você convivem harmoniosamente ecos de Raul Bopp, Gerardo Mello Mourão, Pound, Eliot... e eu diria que também de Cassiano Ricardo e de Joaquim Cardozo, de Jorge de Lima, da Bíblia etc. É como se a sua presença, neste final de século, viesse para restaurar a poesia no homem, longe dos maquinismos verbais destas últimas gerações pós-concretistas et caterva. A sua é a nova poesia do chão nordestino, esse chão de poetas fundadores (Euclides, Joaquim Cardozo, João Cabral). É o nordeste no seu sofrimento, na sua grandeza. O sol nordestino, o chão nordestino, a gente nordestina impregnando o canto do poeta, poeta autobiograficamente mágico. O mundo dos repentistas, do cordel. Tudo é fascinante no seu livro. Um feliz conluio do épico e do lírico, e com o sal do humor. No meio século de vida (no meio do caminho de sua vida), bem antes dos setenta de Nava, você nasceu poeta, nasceu para a poesia, nasceu pronto para o assombro. E sua poesia, bom assinalar, é você falando, quem o conhece, sabe. Você logo adquire a sua voz, já nasceu com voz própria, caracteristicamente sua, de mais ninguém. O poema do envelope das sementes de imburana-de-cheiro é de uma beleza extraordinária. E tantos outros, que me fascinaram. Fico com o livro todo. Seffrin
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Virgilio Zanolla
From:
Virgilio
Sent: Tuesday, March 13, 2007 8:46 PM
Subject: Imburana para imbuir-se de poesia
Gentil irmão poeta,
como agradecer-lhe do seu cortês e fascinante presente, o panfleto do Envelope? Além de ter uma cara boa e muito simpática (vi as suas fotos), e de enviar a todo mundo a imburana, promovedor do árvore brasileiro, o amigo é um verdadeiro poeta. Muitas suas líricas me fazem pensar a uma definição do escritor, matemático e filosofo milanês Tommaso Ceva (1648-1732): «A poesia é um sonho feito em presença da razão», já que próprio a razão prende pela mão as emoções até a concatenar-lhes em versos, a fazer de um átimo uma fotografia. Não por nada o poeta cubano Cintio Vitier escrevia em Raiz diária: «Como é difícil que as palavras dêem o senso da vida, com exatidão! Esta é a balança do poeta». Eis aqui no alegado uma minha tradução em italiano da sua Nunca direi que te amo. O mínimo, diante ao deleite dos seus versos. Um abraço do seu admirador |
Ana Maria Almeida Xavier
Estou escrevendo para agradecer a delicadeza: recebi o livro que me mandou, com o livreto mais o envelope com o pó de sementes... e o cheiro. O cheiro.Meu nariz carioca a princípio o estranhou. Está acostumado aos ventos do Leste dobrando para o Sul, naquela curva que torna verdade o quase impossível – ver o pôr-do-sol, que ficou estabelecido ser a Oeste, e ainda mais: do ponto de vista de uma cidade virada para o Leste. Meu nariz carioca custou a se lembrar da senha aprendida em viagens ao Nordeste. Ele custou a desfazer o nó causado pela falta de familiaridade com a árvore, que está longe mim, e as suas sementes.Mas o que é estar perto e estar longe quando se trata de delicadezas? Tive de alargar as fronteiras do meu pequeno Estado do Rio de Janeiro até que elas alcançaram as do Brasil, coincidindo com o tamanho do nosso país tão rico em cheiros e cores e talentos e texturas e paisagens. Quando meu nariz carioca acordou para a intimidade que tinha com aquele cheiro do Norte - mas não se lembrava bem - meus sentidos se alegraram. O mundo hoje nos parece mais agressivo, mais assustador, mais tanta coisa e menos tantas outras. Hoje vi que não, deve ser por termos mais notícias que antes. Pensei nas barbaridades, este é o termo, que lemos nas histórias da Civilização. Não, hoje não se tem o espetáculo das mortes no Coliseu, nem as ruas lamacentas em Londres ou o cheiro fétido em Paris. Hoje, apenas, se sabe mais o que acontece. Isso foi o cheiro da imburana que me levou a pensar. É assim: alguém que não me conhece me manda um cheiro tão bom e tão da minha terra, pelo Correio, ah... então não está tudo perdido! A poesia RÉQUIEM me levou de volta à casa onde fui criança, e lembrei-me de que eu tinha sido criança – de vez em quando a gente até esquece que foi. Fui eu a menina que roeu com uma colher o barro do tijolo da escada. Quando voltei lá um dia o buraco da colher no tijolo era o mesmo, mas eu não. O quintal, é claro que parecia menor. Tudo passa, poeta, tudo morre, só não passa a manifestação do amor e da amizade. Ficam por aí num envelope cheio de perfume, numa dedicatória, num prato de bolo oferecido, num afago nas mãos ou num olhar de cumplicidade que foi trocado na hora certa. Fica na História da Humanidade para a fazer melhorar e um dia, quem sabe, até despertar para o fato de que deveria nos bastar ser finitos. Fica para dizer, no exemplo de amor guardado na memória coletiva, que basta haver doença, terremoto, febre, acidente, raio na tempestade, mordida de cobra e piolho. Basta isso. Nós não, não devemos acrescentar dores. Um simples envelope cheio de cheiro Brasil me lembrou disso hoje. Obrigada! ANA MARIA ALMEIDA XAVIER Niterói - RJ
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Theodore Chasseriau, França, 1853, The Tepidarium