Sabe,
Poeta, tenho uma tendência a desconfiar que a Poesia só
penetra em nós por qualquer coisa que não possuímos. A
despeito do esforço por controlar e ordenar a palavra,
somos sempre aquela tormenta que, por um indescritível
transtorno psicósmico, volta-se chuva fertilizante.
Malgrado seja a torre uma iniciativa para vencer nossas
limitações – ainda mais uma que se apruma sobre o mar,
como o entorno terrífico (?) que envolveu o Poeta lá em
Salvador – , erguemos artefatos de concreto como não
mais que tiras de papel – blocagem de versos, qual
frágeis e artificiais rochedos, contra o profundo poço
central do esquecimento, poesia&mar-adentro-de-nós-mesmos.
Imagem que talvez transcenda a condição de mera metáfora
e seja mesmo uma completa tradução de nossa condição
psicósmica.
O estar no hotel, sei, era circunstancial; não
certamente a forte impressão que restou. E estou me
detendo no que está ausente, absoluto-nada de uma
confluência pela qual não sigo mais por desconfiar de um
fio d’água particularmente desimportante. Mas nem os
lagos choram demais que os olhos desenrolem um sol,
mesmo tímido, nas águas feras, brutas e sem margens do
Mar-Oceano.
Pouco sei da força das águas, mas compreendo um pouco da
concha de um apartamento, da realidade sensível da água
contida em um copo de água, desta-ainda-de-ontem que se
mantém represada na bolsa dos olhos que magicam a
existência de uma conspiração ou programa misterioso.
Tudo é muito próprio dos homens. Sempre o foi. E de
sobejo, nem a poesia restará nos escritos do ar, da
terra, do fogo e da ferágua. Por que o fazemos se é tudo
ralo? Ralo-me porque pouco-e-tudo importa. Desviamos o
sentido da DES-GRAÇA para o que seja a GRAÇA, eis a
poesia como um quinto elemento da natureza, só
incompreendido pela "des-natureza" do homem
amesquinhado.
Perdoe este tom frio e seco. É que é terça-feira de
carnaval, e
contra-toda-PRÉ-VISÃO-do-tempo-e-expectativa-na-passarela-deste-dia-alegre-e-triste
faz frio e meu coração anda terra e fogo. Amanhã seriam
outras as cinzas se já não fosse quarta-feira de... Como
é mesmo? Uma canção distante: Pobre velha música.
"Recordo outro ouvir-te". Tudo e nada soa. Pessoa.
Abraços-de-um-folião-mal-arrependido!
Marco Aqueiva
P.S: Embora irrelevante, foi mesmo em Salvador que tudo
se deu? Ou será a notação do lugar ‘Salvador’ recurso
ficcional? Não é necessário responder. "Poesia,
Salvador". Quando se evidencia a epifania.