Joaquim Saial

 
Um esboço de Da Vinci

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

Herbert Draper (British, 1864-1920), A water baby

 

 

 

 

 

 

Gerardo Mello Mourão

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caro Soares Feitosa:

 

Portugal já teve o seu maremoto (deixemos essa estrambólica palavra japonesa, de “tsunami”, mais ainda referida a assunto tão medonho), em 1 de Novembro 1755. Quando houve o grande sismo de Lisboa, milhares de pessoas fugiram para o Terreiro do Paço, pensando que estariam mais seguras naquele local amplo e desafogado. Porém, o Tejo traiu-as, trazendo consigo a onda gigante que as arrastou para a morte. Isso mesmo está retratado na base de monumento ao marquês de Pombal (inaugurado em 1934), na praça lisboeta do mesmo nome. Depois, foi o incêndio e o mais que se viu e ficou para sempre registado na memória do povo da capital e do País.

Agora, lá longe, na Ásia, Portugal também teve a sua quota-parte de desgraça, com vários portugueses feridos e outros desaparecidos. Infelizmente, sem grande apoio das autoridades portuguesas, como foi por muitas vezes repetido pelos sobreviventes aos órgãos de comunicação social.

Mas voltemos ao poema. Os poetas são sempreO poeta Joaquim Saial premonitórios. “Eles é que sabem”, disse uma vez à televisão portuguesa o general Ramalho Eanes, terceiro presidente da democracia portuguesa. Por isso, não é de estranhar que a sua “Canção Distante” diga que foram naufragadas todas as jangadas, por um “mar, brutalmente mar”. O poeta sabia, mesmo sem ser astrólogo… É esse o grande segredo da poesia. Mas, a natureza humana é de luta. E esses homens e essas mulheres que naufragaram ontem, amanhã se levantarão e iniciarão a reconstrução das suas vidas. Assim foi no passado, assim é no presente e assim será no futuro. E caminharão «Por este rio acima” este rio da humanidade, em que ser solidário será desta vez ainda mais importante.

Já agora, aqui fica o poema famoso de Fausto, cantor português, que em 1982 realizou o disco duplo “Por este rioMaremoto de Lisboa, 1755 acima” (homónimo do poema em causa), considerado um dos melhores de sempre da música popular portuguesa, baseado no livro “Peregrinação” de Fernando Mendes Pinto.

 

 

Joaquim Saial, director da revista de cultura “Callipole”, Vila Viçosa, Alentejo, Portugal

 

Por este rio acima

 

Por este rio acima

Deixando para trás

A côncava funda

Da casa do fumo

Cheguei perto do sonho

Flutuando nas águas

Dos rios dos céus

Escorre o gengibre e o mel

Sedas porcelanas

Pimenta e canela

Recebendo ofertas

De músicas suaves

Em nossas orelhas

leve como o ar

A terra a navegar

Meu bem como eu vou

Por este rio acima

 

Por este rio acima

Os barcos vão pintados

De muitas pinturas

Descrevem varandas

E os cabelos de Inês

Desenham memórias

Ao longo da água

Bosques enfeitiçados

Soutos laranjeiras

Campinas de trigo

Amores repartidos

Afagam as dores

Quando são sentidos

Monstros adormecidos

Na esfera do fogo

Como nasce a paz

Por este rio acima

 

Meu sonho

Quanto eu te quero

Eu nem sei

Eu nem sei

Fica um bocadinho mais

Que eu também

Que eu também

meu bem

 

Por este rio acima

isto que é de uns

Também é de outros

Não é mais nem menos

Nascidos foram todos

Do suor da fêmea

Do calor do macho

Aquilo que uns tratam

Não hão-de tratar

Outros de outra coisa

Pois o que vende o fresco

Não vende o salgado

Nem também o seco

Na terra em harmonia

Perfeita e suave

das margens do rio

Por este rio acima

 

Meu sonho

Quanto eu te quero

Eu nem sei

Eu nem sei

Fica um bocadinho mais

Que eu também

Que eu também

meu bem

 

Por este rio acima

Deixando para trás

A côncava funda

Da casa do fumo

Cheguei perto do sonho

Flutuando nas águas

Dos rios dos céus

Escorre o gengibre e o mel

Sedas porcelanas

Pimenta e canela

Recebendo ofertas

De músicas suaves

Em nossas orelhas

leve como o ar

A terra a navegar

Meu bem como eu vou

Por este rio acima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

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Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Daniel Glaydson

 
Um cronômetro para piscinas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sent: Monday, January 03, 2005 5:35 PM

Subject: Uma canção que se tornou próxima


Prezado Soares,

Uma Canção Distante — fiquei abismado com a última estrofe, e lembrei do que Fabrício (o Carpinejar) me disse num dos nossos diálogos virtuais: "poesia é enxergar o que pode ter acontecido", ou o que poderá acontecer, acrescento. A poesia é tanta coisa, porque não poderá ser profética também? Não diria "coincidência". E não importa se o autor acha que "nada a ver". O importante é o leitor, e será difícil daqui em diante ler tais versos sem sentir aquelas ondas, sem ouvir aqueles gritos, sem enxergar aquela multidão de mortos:

Guardo tuas coisas para uma viagem,
                               (em que vontades?):
pois se me fugiram os cavalos meus,
arrebentados todos os trens,
mortos os condutores de todos os carros,
naufragadas todas as jangadas,
                   e o mar,
                   brutalmente mar,
                   mesmo assim,
                   as coisas tuas guardadas, fiel:
                   (onde?):

navegar é possível.

 

Até as possibilidades que restavam ao poeta foram exterminadas...

Carpe diem! 

 

                                             Daniel

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

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Wilson Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maria da Paz Ribeiro Dantas

 
Albrecht Dürer, Germany, Study of praying hands

 

 

 

 

 

 

 

 

Sent: Tuesday, January 11, 2005 1:11 PM

Subject: JORNAL DE POESIA & CRÍTICA

Soares:

Li seu belo poema Uma canção distante, cuja última estrofe ecoou em mim aquele silêncio das "coisas passadas". Para mim, a grandeza do poema pode ser medida no fato de que foi escrito "numa tarde leve", mas concentra uma força que o remete à tregédia apocalíptica que acaba de acontecer no extremo doMaria da Paz Ribeiro Dantas mundo. Uma tragédia que é real e ao mesmo tempo simbólica de nossas impossibilidades interiores e exteriores.

A arte que me toca mais fundo é a que diz o real, o concreto visível, transcendendo-o em significações mais vastas. Dizer o real, sim, mas não parar no simples localismo, "no modo presente", na circunstância imediata."Viajar em que modo?" Sentir "no modo pretérito" ou no modo futuro (que o poema alcançou), que as coisas emitem radiações e são essas radiações que o poeta registra e são captadas pelo leitor sensível.

Um abraço e que 2005 lhe seja favorável.

Maria da Paz Ribeiro Dantas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

John William Godward (British, 1861-1922), Belleza Pompeiana, detail

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Wilson Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Francisco Perna Filho

 
William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

 

 

 

 

 

 

 

Caro Amigo Feitosa, 

o MAR, simplesmente o MAR, envolto de homens tão prenhes de si mesmos, confortáveis no seus assentos, nas suas calamidades imperceptíveis, no olhar por cima que singra o sem-sentido, o invisível ocaso dos objetos. Somos todos náufragos, pálidos senhores do AGORA. Só a ARTE nos tira  DAFrancisco Perna CALAMIDADE DE SERMOS TÃO HUMANOS e BRUTOS, brocados como as velhas tabocas, abandonados nas barrocas da nossa imaginação. Caro amigo, navegar será sempre possível, mesmo que nos tirem as rédeas,porquanto o nosso norte está para lá dos oceanos, dos angicos, dos pau d'arcos, das sarãs. O nosso NORTE será sempre a palavra.

Com admiração,

                  Chico Perna

                  Goiânia - GO                 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

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Maria da Conceição Paranhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Givaldo Amaral Santos

 
Ruth, by Francesco Hayez

 

 

 

 

 

 

 

 

Sent: Wednesday, January 05, 2005 9:33 PM

Subject: Uma canção distante


Amigo, só hoje consegui abrir a página que enviou para mim. O poema é de uma beleza lancinante, e a imagem veio sob medida. Ambos formam um conjunto que nos toca profundamente. 

Obrigado por este momento de beleza, mesmo sendo uma beleza que nos remete a um acontecimento tão triste. 

Um abraço. 

Givaldo

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

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Astrid Cabral

 

 

 

 

 

 

 

Luciano Maia

 
Ruth, by Francesco Hayez

 

 

 

 

 

 

 

 

From: lnmaia

Sent: Thursday, January 06, 2005 11:19 AM

Subject: Re: galope à beira-mar


Poeta,

Às vezes ocorre um fato e logo o relacionamos com algo que escrevemos, sonhamos, imaginamos, ou simplesmente desejamos ou tememos.

Em 1982, quando do lançamento do meu primeiro livro, UmLuciano Maia Canto Tempestado, vivi essa sensação, com o desastre de Aratanha  (ver poema "Poema para a vida", p. 78) e, depois, com a Guerra das Malvinas (ver poema "Cósmica paixão de estrela", p. 97). Com a chegada da água do Jaguaribe às torneiras da Praia de Iracema, senti também que havia escrito ou sentido isso... (ver última estrofe da "dedicatória" do livro Jaguaribe-Memória das águas.

O teu poema nos remete à tragédia da Ásia, não sei se foi ou não premonição, se você agiu aqui como  poeta vates. Quem o dirá? Seja como for, há que reconhecer-se uma relação (coincidente ou não) entre o seu texto e o fato medonho.

 

Abraços do

Luciano Maia

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

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Napoleão Maia Filho