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Gil Cleber
Vento e folhas
Vento,
Vento em folhas que se
desfolham,
galho contra a vidraça,
cristal partido...
Vento,
Vento em flor,
Em
pétalas,
pássaro de pedra e
asas metálicas,
acéfala rosa
despetalada.
Vento e folhas,
lápide caída,
rumor...
pétalas falíveis,
metálicas flores impossíveis,
despetaladas rosas
sem cor.
(1988 [?] Modificado várias vezes.)
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Monólogo nº 43
Os sonhos partem de mim como navios,
antigos veleiros cujas velas abertas ao vento
não são velas
mas adeuses acenados ao longe;
provectas galeras,
tardas e melancólicas,
que partem para seus naufrágios,
para seus portos impossíveis,
que não voltam ao cais
porque partiu-se o leme,
e desfizeram-se os rumos…
Devera talvez ter partido também;
mas de onde?
E para onde?
Perguntar para onde tolheu minha ida,
e fiquei.
E
quando quis saber onde havia ficado
não encontrei resposta.
Vi
que não teria porto de chegada, se fosse,
mas onde quer que estivesse
estaria partindo sempre;
mas também ficando sempre
e não teria porto de partida
se ficasse.
E
aprendi que ir ou ficar eram a mesma coisa.
A
consciência disto sói incomodar-me por dentro
Como incomoda-me,
por fora,
esta liberdade de não ter aonde ir.
Ah,
o que não daria para partir com essas velas vadias sobre as águas
até sentir no rosto o bafejar de outra terra tropical que
existisse além do meu puro desejo,
real como é real querê-la!
Ah,
ou então ficar,
ficar numa terra tropical
que eu diria minha
e onde eu seria o que sou
menos essa tristeza.
Entanto fico ou parto,
e é só o que posso dizer.
Meu
peito é um cais deserto
e o coração pulsa como a ondulação das águas de encontro ao
atracadouro.
E
todo o meu ser é essa tarde de sol na solidão do cais,
Na
quietude de não haver mais sonhos…
Eu
era apenas menino quando ouvi sobre o mar pela primeira vez,
E
não sabia o que era o mar.
Um
dia
– e eu nunca soube desse dia –
Quis ser um menino vendo partirem os navios,
e não fui.
Quis procurar o cais,
e não havia cais,
não havia nada.
Quis, pelo menos, em minha terra ter palmeiras onde cantasse o
sabiá,
Mas
não tive terra nem palmeiras,
e o meu sabiá canta numa gaiola.
Também não tive navios,
mas tive sonhos…
(Set.91) |
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Monólogo nº 1
Estou imóvel:
Este é o meu momento presente
em
que não há hora para rir
nem para chorar
nem para ter medo ou sentir dor.
Meu
instante é fixo e não vai além,
Se
me movo não mudo
e
se penso, continuo o mesmo.
Estar aqui ou em qualquer outro lugar não importa.
A
ponte que cruza o rio cruza simplesmente o rio,
mas não meu abismo,
E
esta estrada leva a muito longe,
mas a muito aquém de mim,
porque ruas e estradas não me alcançam.
A
água corre sob os meus pés
e a ponte não é mais imóvel
do que eu.
O
rio corre em direção oposta à minha imobilidade,
E
em algum lugar há outra ponte e nela
também eu estou.
Quem sou eu nessa outra ponte?
Não sei.
E
por que me pergunto se não sei a resposta? Se não
sou
capaz de ver meu outro rosto
ou, vendo-o, de reconhecê-lo?
Entre mim e mim
fica esse rosto que não
conheço,
essa face estranha que
seria de outro
se não fosse
minha.
Debruço-me no beiral
e não há mais ninguém comigo.
O
tempo não existe,
quem existe sou eu
e
apenas eu passo,
ainda que continue parado, porque passar não altera
meu estado mais profundo,
E
mesmo quando estiver morto um dia
na outra ponte morrerei também
mas continuarei lá, e os que
passarem
me verão, e os que não passarem
poderão ouvir sobre mim.
Mas
isto não é consolo.
Não
distingo entre a vida e o permanecer quieto,
Mas
não quero perdê-la
por enquanto.
Não
sou covarde nem forte,
não me atrevo, mas não fujo,
prefiro ouvir sem responder
como a ponte, pela qual passa o rio murmurando sem que dela obtenha
qualquer sinal – a não ser estar ali e uma sombra que o sol acaso
lance sobre as águas.
Assim permaneço
E
recolho-me a mim mesmo,
desconhecido deserto
em que pés não
trilham meu rastro
e olhos não
encontram direção,
Porque estou imóvel
e em mim não há caminhos
possíveis.
(Rio, 11 de julho de 89) |
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Dia de caboclo
–
De manhã,
cedinho,
levantar-se.
Lenha
no
fogão,
atear o fogo:
logo
um café quentinho
para quem tem
sono.
Penteia os meninos, cabocla.
Caboclo
pra roça,
carro
de boi na estrada,
lá vai.
– À
hora
do almoço,
o caboclo no banco
cisma,
pasma,
cotovelos na mesa.
Boa a
cabocla – penca de filhos –
conta vê-los
crescidos e
enquanto
pensa
serve a comida.
Que
depois
é
comprida a tarde,
até
que cumprido o dia no roçado
volta para casa o caboclo cansado.
–
Enfim é noite,
é hora da janta.
Já não tanto
faminto
mas
exausto,
eis que é vasto o sonho, caboclo,
eis que é alto,
mas te sobra somente
tua cabocla,
tua semente,
tua vida sem dono,
a cama
e o abraço
baraço
do sono.
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Monólogo no 37
(Poema premiado em 3o lugar no Concurso
dos Servidores do Estado, 1994.)
(A
morte é um gesto imóvel
estático
congelado na textura da tarde.)
Cada gesto meu
Reflete a erosão do meu peito antigo,
do meu coração sem crenças,
do que prefere adormecer sobre as pedras,
um sono rupestre
em soalheira de outono.
(Hoje
meu pensamento é como a encosta de um barranco pela qual as
águas da chuva correram abrindo sulcos tortuosos e profundos.
É
assim um pensamento lavado e gasto,
rasgado e nu
a mostrar que por dentro é tão estéril quanto na
superfície.
Que
pensamento é esse
na imobilidade em que me detenho?
[Será essa a imagem da tarde que antecede a Noite, a Grande
Noite])
Homens e mulheres,
Nesta tarde fervente,
Dormem o sono das sestas.
Minha inquietude pesa,
mas os adormecidos ressonam pesadamente na digestão de seus
almoços fartos.
Logo hão de despertar,
espreguiçar-se,
e sair,
cada qual para seu destino, na intrincada trama da cidade.
Eu,
eu hei de permanecer aqui,
presa da minha inquietude,
dissolvendo-me nesta erosão interminável
que me transforma em pó,
aqui mesmo,
no silêncio e nas sombras deste recanto,
de onde olho a vida que passa.
Sento-me, pois, no silêncio,
na placidez da hora outonal de
uma varanda sobre um jardim
que tem à frente uma rua
que passa como a vida.
Então medito.
O
tempo é uma imensa flecha que voa num único sentido,
mas
como a flecha de Zeno
na verdade não voa
nem se move:
somente aponta.
Dentro do tempo existo como mero acidente,
e
essa tarde soalheira tem uns ares de desolação doente
onde
minha voz
meu pensamento
meus gestos
existem independentes do meu corpo.
Sinto-me fragmentado,
E
nada há que reúna e dê sentido aos fragmentos
desconexos, como se fora um mapa de terra desconhecida,
rasgado em inúmeros pedaços que,
de qualquer forma que se juntem,
adotarão sempre a
mesma conformação
incompreensível,
descreverão sempre
uma terra desconhecida.
Em
volta,
o jardim,
árvores,
pássaros que buscam repouso na aproximação da noite.
A
noite chega aos poucos,
leve mas densa,
E o
crepúsculo é tão só uma confusão de manchas
no
extremo oeste.
(Eu
também sou uma confusão de manchas no mais profundo
extremo de eu ser uma confusão de manchas.)
Tudo mais,
apenas meu eterno pensar,
e essa abacial serenidade
dentro do víscido silêncio.
Estou imóvel,
logo,
estou só
a ouvir a música das sombras.
(Mar.91)
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Lajedo
A
noite caiu sobre a cidade
E
adormeceu a memória.
A
neblina adormeceu as luzes,
E
além dos muros
As
pessoas seguem seu destino comum.
As
cabeças se perdem na névoa.
Soam um passos profundos no lajedo.
(1984[?]
Reescrito em Nov/00)
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Crime
“Outras histórias Adso relembra (…), e depois acontece-lhe ter um
encontro com uma moça bela e terrível como um exército a postos para
a batalha.”
Umberto Eco – O Nome da Rosa
O
pássaro da noite canta
Num
prenúncio de tua chegada.
Tu
vens
Com
teus navios de guerra,
Teus cavalos aparelhados para o combate,
Tuas armaduras.
Vens com teu sorriso tímido
E
os pequenos seios em formação.
É
madrugada dentro e fora de mim.
Se
numa cidade onde os habitantes enlouqueceram
Um
cão uiva para a janela acesa do suicida,
É
certo que bruxas e demônios
Voarão em círculos à roda da lua,
Mas
tua mão e meu devaneio
Poderão compor um aceno
E
um bordado.
Abro os olhos e me levanto.
A
vela apagou-se no aparador
E o
relógio de parede finge um tempo que não passa.
Mas
quando outra vez eu abrir os olhos e levantar-me
Ter-se-ão passado muitos anos,
A
batalha estará perdida
E a
guerreira, envelhecida ou morta.
Em
que furnas mergulhará o cão furioso,
Velho de tantas lutas,
com suas pisaduras
e seus dentes partidos,
seus olhos de assombração
e suas garras de aço?
Em
que manicômio esconderei minha lucidez?
Sobre o altar da manhã
Hei
de queimar minhas vísceras em holocausto,
Sobre a pedra mais alta
Acender a fogueira da condenação.
Mas
o beijo em teu sexo impúbere que sonhei…
Que
lábios terei para esse crime?
(15/06/06, 01:15 h da madrugada)
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Monólogo no 7
A mão desprendeu-se da luva,
O
que sobrou foi essa aspereza a confranger-me os ossos.
Onde estão os anéis
Que
adornavam os dedos dos cadáveres?
Os
dias são uma página em branco:
por mais que escreva
jamais chegarei à última linha.
(Morrer não é a frase final: é apenas a interrupção da escritura.)
(Quero tão só olhar para mim.
Critico-me. Estou nu e menosprezo-me por minha fraqueza. Mereço ser
vilipendiado, porque sou pequeno e mesquinho.)
Depois percebo que procuro somente pelo que falta ser anotado,
e
constato que muito do que já escrevi deixou de ter sentido,
muito se tornou ilegível,
outro tanto já esqueci
e
concluo que sou uma página sem começo.
(Por que assim de repente tornar-me miserável diante de mim mesmo?
…e todos esses que me olham, por que me olham?)
(Aquele que expõe sua maldição em praça pública pode ser desprezado,
mas
sua degradação só se dará diante de si,
de
sua imagem ridícula no espelho,
nu,
com o sexo devorado pelas formigas.)
As
coisas pequenas e silenciosas erram nas linhas que não foram
escritas,
Mas
bradam em sua mensagem
Tudo que se calou pela violência
E
pela fúria se tornou sem nome.
Aquele que anda sonâmbulo na noite dos meus versos
É
meu irmão gêmeo e louco que nunca tive
fugindo para longe de onde
estou.
(29 p/ 30.set.89, à meia-noite.
Esta versão é de 1999, modificada
em 2005)
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Escrava
Escrava,
rolam de tuas mãos,
de teus dedos de pianista
rosas,
frutas apodrecidas,
círios apagados,
– as horas fora do tempo
–
Enquanto arrancas teu manto de cristal
E
derramas na boca a taça do sangue meu que verti para tua embriaguez.
Louca,
em teu delírio de crisântemos desnudos
e vulcões extintos,
em tuas lucubrações de filosofias contraditórias
e religiões para a eterna
danação
no cais que percorres com teus pés descalços
à procura do marinheiro que irá te violar,
do estivador que há de deixar teu sexo em
carne-viva,
do assassino que matará a pureza da tua insânia;
na cidade que invades com teu odor de fêmea no cio à
procura do Minotauro que mantém aprisionado o Teseu de teus
desvarios…
Em
que espaço estão ancorados teus navios de guerra,
Em
que mapas disfarçados teus caminhos escusos?
Em
que cavernas perdeste teus brinquedos,
tuas adagas,
a dor dos teus atavios?
De
teu dorso marcado pelo granizo da manhã
rolam espinhos,
pássaros
silenciosos,
a púrpura da tua
santidade
E
entre tuas pernas cresce uma árvore ressequida por todos os invernos
E
se erguem mortos como no dia da Grande Ira
À
espera do Juízo.
Dama
(de espadas?
sim, mas sem coração),
carta do baralho sem reis nem valetes ao
teu redor,
eu,
teu Curinga,
ponho-me aos teus pés e aspiro o pó da
terra
à espera do golpe,
da lâmina,
das farpas de tua voz
tranqüila,
À
espera do dia,
que a noite sói ser enganosa
como essa outra noite
que imensa se estende detrás de tuas pálpebras.
Escrava, louca, dama de espadas
ou mulher tão só,
dócil e frágil
feito menina impúbere que descobre o gozo com seu irmão mais velho,
cadela que me
trinca os dentes
e me faz conhecer o
inferno,
Imponderável
Feito lírio
cuja brancura se põe
subitamente
rubra!
(22/02/07, entre duas e três da
manhã)
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