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Jorge Tufic


 

Soneto arqueológico


Babilônio sutil, meu queixo fino
sobrevive às catástrofes; num vaso
posto a secar, meus olhos comparecem
entre os botões da noite milenária.


Sombras do Tigre, mágicas do Eufrates,
algo resta de nós. E disto apenas
tudo volta a crescer, tudo se extingue
feito o barro dos códigos severos.


Quem me decifra além dessas batalhas?
Quem me vê nos coleios da serpente?
Quem me furta do sono e me atropela?


Babilônio sutil, no auge da messe
cozinho para os reis pedras e telhas.
Nas horas vagas sou pastor de ovelhas.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Para L. Beethoven


Meu corpo entrego ao teu silêncio de água,
aos arcos de tua música pairante,
onde as vozes da terra, no seu pasto
de nuvens, resplandecem como lágrimas.


Não sinto mais feridas nem abalos.
Meu sangue jorra lento dos violinos.
E uma luz crucifica-me nos ares
de chuva, por tuas rosas lapidados.

Estas rosas que alteram nosso dia,
e abrem na tarde a súplica dos dedos
que se libertam, pássaros, do barro.

E tocam, com sua forma torturada,
a flor do azul contida e descontida
neste adágio de pedra e de luar.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Destino


Um tear
e uma aranha
ponteiam meu destino.
Quando o tear se esgota,
a aranha pega o fio
e sobe.
 


A leitura deste signo
gasta-me o zodíaco.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Consummatum est Jerusalem

 

 

 

 

Jorge Tufic


 

Sistema


O desenho de uma estrela
quantifica o papel
deslumbra o vazio.
 

A simplicidade
equaciona o absurdo.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

Jorge Tufic


 

Exumação


Em cinco anos apenas
a carne se extingue.
Os ossos perduram
por milhões de séculos.
O ossumano
é a flauta do pó.