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Leandro Rodrigues
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SONETO DAS EMBARCAÇÕES
São mares de mim bravios e remotos
Em que nenhuma embarcação resta
Em que caem portos, desmoronam naus
De fúrias e constelações, perdidas guias
E em cais não se ancoram, em nós soltos
De tempestades e atrozes símbolos
De carnes e sal que em bocas são água
Que no corpo é falsa sombra de espera
Turvam-se bússolas, perdem a proa
E singelas facas que desatam convés
Cortam a carne, atira-se ao fundo
Os mares de mim são profundos
Escondem dragões e cavernas,
De escureza perene, servil, de almas torpes
[e vícios. |
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SONETO À CIDADE DE SÃO PAULO
Tens um santo no nome e quem te vela?
Em tuas ruas italianos, ateus, japoneses
Escondem a cara no odor parco, nas vezes
Mais raras do olhar para o lado, para a cela.
À luz da neblina que te encobres,
Ó cidade sem nenhum lirismo, frio
Corpo em movimento, olhos atentos, crio
Num andar este poema estranho que em ti foges
Tua prece, meu torpor, esta invalidez,
És o gosto azedo (avesso) do cinza, do chumbo
Na minha boca cada vez mais sem cor, nem tez...
Aqui em teu colo, o granito de meu túmulo esquecido!
Por ti, São Paulo, não a Londres desmedida, darei meu rancor,
Minha pálida revolta, meu pressentimento terno e vencido.
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SONETO AO CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA
És triste, cavaleiro da tristíssima figura?
Teus olhos estão embrenhados em presságios
E devaneios, nos sonhos mais diversos, na amargura
Em que escondes, por certo, prisões, naufrágios?
Sei que enfrentas a morte - e um ideal esquecido
Que permanece rijo - tu és ao mesmo tempo o tempo
A luta vã e imemorial do sonho na realidade, és vencido
Na noite travestida, às pás do infindo moinho de vento.
E se acaso te escondes em tantos outros que desafiam séculos
De tiranias obtusas, no sangue, nas formas que invertes
O lado da lua, o torpor dos olhares tétricos.
São lamentos que ousam não mover moinhos inertes
Tua lança para tão além d´Espanha, dos olhares tão céticos:
— Quem serão os reis e a liberdade do ideal que divertes?
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SONETO DE INFÂNCIA
O país adormece. Tudo faz-se escuro.
Entre correntes e escombros,o menino desperta
Acuado sem saber onde, cercado por muro
E em toda a parte uma tristeza opaca e incerta
O menino inventa o dia, as horas e inseguro
traça na folha tímidas rimas, compõe-disseca
nas sombras, os sonhos - verso mais duro
E segue em país adormecido com a porta aberta,
nas venezianas, o resto de ar - paisagem
no rosto do menino o soneto que não se faz
a dureza das noites mais frias e a imagem
de um lugar além, palavra distante
o punhal que corta não o corpo, mas a alma
na cicatriz e inerte, o menino adormece, confiante.
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SONETO DA HORA QUASE FINAL
Virás assim, Senhora: uma certa noite
Quando estiver mais cheio de projetos
De vontades e pensamentos de revolução e açoite
Quando não me conter de desventuras e desejos
Tu virás com teu beijo frio, tua voz rouca
E me tocarás apenas com tua boca de lua
Nos papéis avulsos: poemas sobre a louca
D´Espanha ou outra sifilítica meretriz nua
Por saber que virás - deixarei a porta aberta
Sejas bem vinda, Criatura... Sejas bem vinda, incerta
Adentrarás forte, tranquila e nostálgica!
Então romperás o silêncio, grito enternecido - o corpo
De quem antes foi palavra - reteso porto
E agora não é mais que um verso na noite cáustica.
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NAUFRÁGIOS FRÁGEIS
se as palavras desdobram
- origamis do nunca.
eu me desdobro e redobro
papel fino, facilmente
embalado
Laços - nós - frouxos.
se o tempo recobra
- antagônico, cru.
eu me ancoro no nada
prendo-me aos porões e convés
- naufrágios do sem-fim.
Laços - nós - frouxos.
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A LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA
A lua refletida no lago
Uma índia vem e com um dedo
[a conquista
Muito antes dos americanos. |
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PARA VOZES
SONÂMBULAS
Decoro os teus riscos
no grito da escuridão
silenciosa
- meu canto vazio
Esta solitária
observação
dos astros
muda tragédia em cada
passo. |
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ISADORA DANÇA
Isadora Duncan
mesmo morta
ainda dança na contra-luz
da Lua.
Isadora ousa precipita-se
num passo solto
e profundo
padedê-precipício
Então salta num voo
livre tênue
em slowmotion-pasodoble
frágil-infinito. |
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RELÓGIOS ANTIGOS
Dizem que antigamente
quando morria alguém na casa,
paravam os ponteiros do relógio
naquela hora,
Naquele minuto-instante.
E assim permaneciam
dias, semanas...
Como guardando intactos
o momento crucial.
Então, uma boa mão mais velha
acertava os ponteiros.
E o tempo voltava a correr
Irrestrito-incondicional.
Belos relógios antigos,
não apenas contavam as horas, mas
demarcavam o tempo e as existências. |
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SONETO À LOUCA DE ESPANHA
Como louca de Espanha blasfemavas
Aos deuses, aos sóis, deusa-anã
Na treva desafiavas noites e amavas
Onde estão meus olhos, estrala da manhã?
Indagavas portos, ancoravas frias embarcações
E saltavas em graça, num primeiro aceno
De suspiros e mistérios e fartas canções
Onde estão meus filhos, estrela de aveno?
E longe, a carne, da máscara tão nua,
Encenavas um canto, uma prece, um rastro
Ou apelo para os olhos, para a Lua
Ao mar emprestavas o medo escuso
Um torpe verso, uma lei de enclaustro
Onde estão meus laços, estrela do escuro? |
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