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Márcio Catunda


 

Sintaxe do tempo

 

"Senhor Presidente:... Somos alvo dos terroristas porque, na maior parte do mundo, nosso governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana"... (Coronel Robert Bowman, ex-combatente do Vietnã, atualmente bispo da United Catholic Church na Flórida).


 

Nós


Eu e a humanidade nos estamos confundindo.
Forjamos um pacto de pecado e culpa,
de dizer e fazer,
mas humanidade em mim repele à semelhante
que está fora de mim.
A humanidade assiste ao espetáculo das minhas limitações,
uma comédia em que sou o bufão.
Ela se diverte com o meu aborrecimento.
E eu vivo com ela num habitat desproporcional.
Sou o histrião da disjuntiva,
protagonista do teatro de vexame.
Irreconciliáveis, só de vez em quando
Deus mostra coerência na irmandade ambígua.
Só de vez em quando se reflete a integração.
Aparte isso, somos ferocidades enjauladas.
E só de vez em quando Deus faz o prodígio.
De resto, sou canastrão sem honradez desesperada.
E ela diva pulcra dos lupanares.
Suportaríamos se a experiência fosse mais frequente?
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Márcio Catunda


 

Sonetos


Que ventre produziu tão feio parto?
Augusto dos Anjos



Que estranho laboratório infernal
forjou tal monstro insólito, vezânico,
um fantoche de caudilho imperial,
híbrida aberração de horror tirânico?
Que mórbido projeto colossal
engendrará tal promotor de pânico,
governador da província global,
um juiz de guerra, com furor satânico,
que infringe códigos de "a" a "z"?
A humanidade não sabe porquê
nem onde vai levada pela mão
do demente energúmeno que vê
os povos ajoelhados a mercê
dos seus desmantelos de paspalhão.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Márcio Catunda


 

Abominações


Já não contemplo o encanto marinho!
Desaprendi a usufruir da tarde com os pássaros.
Onde a superfície azul e a miragem dos navios?
Outrora vivi alheio aos turbilhões da cidade inóspita,
desfrutando de quietude.
O barulho escandaloso devastou as harmonias.
Como aproveitar o instante que desvanece?
Sobre os quintais já não há plenitude.
O momento é de aberrações.
Fujo do que agora é,
numa espécie de vingança contra o que foi.
Há destroços nos escombros.
Vilipendiaram silêncios e melodias.
Ah como as coisas desse mundo me irritam!
Há um sentido trágico de espúrios conflitos.
um nevoeiro de urubus sobre a carniça existencial,
Há fantasmas de melancolia e gente estranha.
Resigno-me a caminhar, angustiado e só.
O mistério é terrível!
Vê-se que é o martiriológio.
Ninguém escapa à foice e ao coice.
Desespero de putrecíveis poros.
Entre ânsias e náuseas,
sigo perplexo ante as perversões de criaturas monstruosas.
Reflexos da insanidade universal,
íncubos travestidos de Medusa.
Não invejo a imbecilidade desses convivas,
comensais de dejetos de um festim desprezível.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Márcio Catunda


 

Indagações despretensiosas


Independência nacional,
ou dependência em relação aos mandatários sem escrúpulos?
Direitos humanos ou agressão ao direito à vida?
Autodeterminação dos povos
ou intervenção permanente nos assuntos de outros governos?
Igualdade entre os Estados
ou superioridade em relação ao resto do mundo?
Defesa da paz
ou guerra como única solução de pseudo-conflitos?
Repúdio ao terrorismo
ou terrorismo sob pretexto de combate ao terrorismo?
cooperação entre povos
ou para a destuição de inimigos forjados?
Aliança para o progresso ou roubo de petróleo?
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Márcio Catunda


 

Em desespero pela liberdade


Uns sentem raiva até querer deixar de viver
e explodem o corpo em mil pedaços.
Estilhaçam, estraçalham a si mesmos,
levando junto os opressores.
Outros, armas empunhadas de petulância,
vivem a serviço da crueldade.
Os que morrem pela causa justa
renunciam à vida,
metidos numa dinamite.
Aos remanescentes legam nuvens de fogo e destroços.
A morte como resposta aos desmandos,
ao vilipendio pusilânime, ao opróbrio tenebroso.
Defender-se com a própria vida
e exterminá-la sem medo da dilaceração e da dor convulsa.
Antes morrer que submeter-se à escravidão.
A dignidade não suporta o insulto,
destruição de casas, ruas vigiadas,
metralhadoras apontadas contra o menor movimento suspeito,
A viver fustigado pela constante ameaça,
janelas e portas invadidas,
a cara onipresente do inimigo à espreita,
o metal dos fuzis reluzindo ao sol;
antes morrer mil vezes despedaçado,
mil vezes o golpe inominável contra si mesmo.
em autodefesa suicida, sobreviver morrendo
em desespero pela liberdade.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Márcio Catunda


 

Condições


Se o que vale é a violência,
a patifaria, o cinismo e a usura,
é que gatunos, descarados e assassinos
estão governando o mundo.
Não cabe eufemismo.
Se exércitos mercenários atacam, pilham, depredam,
fazem de tudo um curral, uma curra geral.
Se a agressão forja miséria,
engorda as burras dos ladrões internacionais.
O óbolo da infâmia recompensa o homicida,
a extorsão é sistema econômico.
a fraternidade é palavra proscrita,
e o que vale é a vingança,
o culto da morte com declarações de boas intenções.
É que querem tornar o homicídio um ato heróico.
Querem que exista uma ética da covardia e do crime.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Márcio Catunda


 

Fotografia


O jornal mostra o menino ferido.
Tem nove anos e a perna decepada,
curativos no nariz e nos braços.
Uma venda manchada de sangue nas costas,
Balas encravadas na cintura e um cateter no peito
para evitar que se colapsem os pulmões.
Cercado de uma mulher vestida de negro
e um homem de branco, rostos contritos,
paralisados de horror, medo e sofrimento no olhar.
Há centenas de meninos assim,
estropiados, amortalhados, crivados de metralha,
o sangue jorrando entre mercenários bêbados de sadismo.