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Murilo Mendes


 

Guernica


Subsiste, Guernica, o exemplo macho,
Subsiste para sempre a honra castiça,
A jovem e antiga tradição do carvalho
Que descerra o pálio de diamante.
 


A força do teu coração desencadeado
Contactou os subterrâneos de Espanha.
E o mundo da lucidez a recebeu:
O ar voa incorporando-se teu nome.


In: MENDES, Murilo. Antologia poética. Sel. João Cabral de Melo Neto. Introd. José Guilherme Merquior. Rio de Janeiro: Fontana; Brasília: INL, 1976
 

 

 

Ascendino Leite

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William Blake (British, 1757-1827), Angels Rolling Away the Stone from the Sepulchre

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Homenagem a Oswaldo Goeldi


Oswaldo gravas:
A ti mesmo fiel, ao teu ofício,
Gravas a pobreza, o vento, a dissonância,
A rude comunhão dos homens no trabalho.
Gravas o abandonado, o triste, o único,
O peixe que te mira quase humano
— É hora de morrer —
No preto e branco, no vermelho e verde.
Qualquer traço perdido,
A casa que espia pelo olho-de-boi
Testemunha de drama anônimo.
Gravas a nuvem, o balaio,
O geleiro e seus estilhaços.
O choque em diagonal de guarda-chuvas,
Tudo o que é rejeitado, elementos marginais,
A metade dum astro que se despe
Amado só do penúltimo vadio.
Oswaldo gravas,
Gravas qualquer solidão.
Os peixeiros que partilham peixe e onda,
Pássaros de solidões de água e mato,
O sinaleiro do temporal próximo,
A barca puxada pela sirga,
O bêbedo e seu solilóquio,
A chuva e seus túneis,
O mergulho em tesoura da gaivota.
És do sol posto, da esquina,
Do Leblon e do uivo da noite.
Não sujeitas o desenho à gravação:
Liberaste as duas forças.
Atingindo agora a unidade,
Pela natureza visionária
E pelo severo ofício
A tortura dominando,
Silêncio e solidão
Oswaldo gravas.


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959
 

 

 

Micheliny Verunschk

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Da Vinci, Homem vitruviano

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Michelangelo, 1475-1564, Teto da Capela Sistina, detalhe

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Joan Miró


Soltas a sigla, o pássaro, o losango.
Também sabes deixar em liberdade
O roxo, qualquer azul e o vermelho.
Todas as cores podem aproximar-se
Quando um menino as conduz no sol
E cria a fosforescência:
A ordem que se desintegra
Forma outra ordem ajuntada
Ao real — este obscuro mito.


In: MENDES, Murilo. Antologia poética. Sel. João Cabral de Melo Neto. Introd. José Guilherme Merquior. Rio de Janeiro: Fontana; Brasília: INL, 1976
 

 

 

Cussy de Almeida

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Three Ages

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Murilo menino


Eu quero montar o vento em pêlo,
Força do céu, cavalo poderoso
Que viaja quando entende, noite e dia.
 


Quero ouvir a flauta sem fim do Isidoro da flauta,
Quero que o preto velho Isidoro
Dê um concerto com minhas primas ao piano,
Lá no salão azul da baronesa.
 


Quero conhecer a mãe-d'água
Que no claro do rio penteia os cabelos
Com um pente de sete cores.
 


Salve salve minha rainha,
Ó clemente ó piedosa ó doce Virgem Maria,
? Como pode uma rainha ser também advogada.


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959
 

 

 

Vicente Franz Cecim

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William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Murilograma a Graciliano Ramos


1
 


Brabo. Olhofaca. Difícil.
Cacto já se humanizando,
 


Deriva de um solo sáfaro
Que não junta, antes retira,
 


Desacontece, desquer.
 

 


2
 


Funda o estilo à sua imagem:
Na tábua seca do livro
 


Nenhuma voluta inútil.
Rejeita qualquer lirismo.
 


Tachando a flor de feroz.
 

 


3
 


Tem desejos amarelos.
Quer amar, o sol ulula,
 


Leva o homem do deserto
(Graciliano-Fabiano)
 


Ao limite irrespirável.
 

 


4
 


Em dimensão de grandeza
Onde o conforto é vacante,
 


Seu passo trágico escreve
A épica real do BR
 


Que desintegrado explode.
 


Roma, 1963


In: MENDES, Murilo. Convergência, 1963/1966: 1 — convergência; 2 — sintaxe. São Paulo: Duas Cidades, 1970.
 

 

 

Millôr Fernandes

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José Saramago, Nobel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Plaza de toros

 

 

 

 

 

Murilo Mendes


 

Noite carioca


Noite da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
tão gostosa.
que os estadistas europeus lamentam ter conhecido tão tarde.
Casais grudados nos portões de jasmineiros...
A baía de Guanabara, diferente das outras baías, é camarada,
recebe na sala de visita todos os navios do mundo
e não fecha a cara.
Tudo perde o equilíbrio nesta noite,
as estrelas não são mais constelações célebres,
são lamparinas com ares domingueiros,
as sonatas de Beethoven realejadas nos pianos dos bairros distintos
não são mais obras importantes do gênio imortal,
são valsas arrebentadas...
Perfume vira cheiro,
as mulatas de brutas ancas dançam o maxixe nos criouléus suarentos
 


O Pão de Açúcar é um cão de fila todo especial
que nunca se lembra de latir pros inimigos que transpõem a barra
e às 10 horas apaga os olhos pra dormir.


In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959
 

 

 

alphonsus Guimaranes Filho

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Da Vinci, La Scapigliata