Murilo Mendes
Homenagem a
Oswaldo Goeldi
Oswaldo gravas:
A ti mesmo fiel, ao teu ofício,
Gravas a pobreza, o vento, a dissonância,
A rude comunhão dos homens no trabalho.
Gravas o abandonado, o triste, o único,
O peixe que te mira quase humano
— É hora de morrer —
No preto e branco, no vermelho e verde.
Qualquer traço perdido,
A casa que espia pelo olho-de-boi
Testemunha de drama anônimo.
Gravas a nuvem, o balaio,
O geleiro e seus estilhaços.
O choque em diagonal de guarda-chuvas,
Tudo o que é rejeitado, elementos marginais,
A metade dum astro que se despe
Amado só do penúltimo vadio.
Oswaldo gravas,
Gravas qualquer solidão.
Os peixeiros que partilham peixe e onda,
Pássaros de solidões de água e mato,
O sinaleiro do temporal próximo,
A barca puxada pela sirga,
O bêbedo e seu solilóquio,
A chuva e seus túneis,
O mergulho em tesoura da gaivota.
És do sol posto, da esquina,
Do Leblon e do uivo da noite.
Não sujeitas o desenho à gravação:
Liberaste as duas forças.
Atingindo agora a unidade,
Pela natureza visionária
E pelo severo ofício
A tortura dominando,
Silêncio e solidão
Oswaldo gravas.
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1959
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