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Perpétua Amorim

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Prefácio, ensaio, crítica, resenha & comentário:


Poesia:


Fortuna crítica:


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Bernini_Apollo_and_Daphne_detail

 

Da Vinci, Cabeça de mulher, estudo

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

 

 

Perpétua Amorim




Ramalhete de Mim


Eu margarida
Plantada em canteiro alheio
Desestimando a guerra e pedindo paz
Para as rosas vermelhas, azuis e amarelas.

Eu violeta
Alegre, feiticeira
Ávida pela luz do sol
Vegetando num pobre vaso de plástico.

Eu bromélia
Suspensa no ar, agarrando vida
No vento e na chuva
Encharcada de lágrimas, sem chão, sem calor.

Eu onze horas
Florzinha à toa, insignificante
Que nasce em qualquer lugar
Sempre com hora marcada para desabrochar.

Eu bem-me-quer
Cheia de vida, cheia de amor
Querendo proteger, juntar o que é meu
Num abraço, no colo, no alcance do olhar.

Eu azaléia
Colorida, faceira
Enfeitando jardins, perfumando o ar
Retirando energia de um sorriso vulgar.

Eu orquídea
Sofisticada, elegante
Planta nobre, esnobe, vestindo cetim
Deixando que levem a vida de mim.

Eu perpétua
Desbotada, agrupada, sem graça
Trajando uma vestimenta lilás como mortalha
E agarrada a dezenas de outras iguais
Tentando ser eterna. Pobre de mim!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Jerônimo, de Caravagio

 

 

 

 

 

 

Perpétua Amorim



Inquietude


Quando aninha cá dentro
Uma saudade de não sei o que
Uma inquietude danada
Dessas de doer as entranhas
Misturando os sentimentos
Buscando uma estranha razão.

Mas quem disse que eu procuro razão?

Quero mesmo é divagar
Entre sonhos e pesadelos
Entre o real e o abstrato
Correr como corre o rio
Com sua língua desvairada
Lambendo pedras e ribanceiras
E sem culpa cuspir no mar.

Mas quem disse que eu procuro o mar?

Quero mesmo é pegar as estrelas
Olhar uma a uma na palma da mão
Fazer delas um banquete
Para o meu pobre andarilho
Que busca mais... Muito mais
Do que água e pão.

Mas quem disse que eu quero pão?

Quero mesmo é cavalgar por montanhas infindas
Atrás do meu ouro em potes
Que herdei de Ali Babá
Libertar-me da antiga túnica
E vestir meus sete véus
Engasgar-me com o que restou do vinho
E ser expulsa dos céus.

Mas quem disse que eu não quero os céus?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

 

 

 

 

 

Perpétua Amorim



Ruínas


Quase nada restou do branco caiado
Nas fortes paredes do velho sobrado
Nas rachaduras expostas;
(Feridas do tempo)
Crescem avencas e teias de aranhas
Brotam suspiros, vermelhos e azuis
Os musgos avançam rumo ao telhado.

Subindo as paredes do antigo sobrado
O vento reclama através das janelas
Gemidos se libertam das pedras frias
No assoalho solto, ouvem-se os passos
Da dança ritmada com melodia
Dos risos alegres, dos beijos ardentes
Da vida que há tempos, ali existia.

Quase nada restou do sótão esquecido
Prisão dos meus medos e fantasias
Ainda hoje, vejo em sua janela
Uma moça tristonha, chamada Maria.
Quase nada restou do velho sobrado
Povoado agora por mistérios sem fim
Por criaturas estranhas vindas da noite
Voando... Voando em volta de mim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Perpétua Amorim



Construção


Ergo catedrais enquanto durmo
Sem algemas encontro caminhos
Entre grandes amanheço
Debruçada no meu travesseiro de pedras.
Se clamo por liberdade
Arrastando pesada corrente
Fica distante o horizonte
Torna sofrido o presente.

Ergo catedrais enquanto vivo
Prevendo melhores dias
No caos de novo me encontro
Mergulhada em demasia
Numa esperança mórbida
Numa vontade vazia.

Ergo catedrais enquanto sonho
Romper as amarras contidas
Em pequenos flashes concretos
De uma realidade escondida
Na ridícula humana certeza
De que as catedrais construídas
Serão finalmente o túmulo
De onde não há saídas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

Perpétua Amorim



Cotidiano


Meus olhos tremem ao não te ver
Minha boca sussurra o medo contido
No simples fato amanhecido
Da cama vazia e o seu calor se esvaindo.

Meus dedos vagueiam no fino lençol
Procurando você, quase por instinto
E um cheiro suave com sabor de café
Transmite-me paz, desejo o infinito.

Meus olhos despertam, o coração acalma
Você me toca, cumprindo a missão
Eu fico imóvel, fingido dormir
Só para sentir o calor de sua mão.

Meu dia começa atarefado
Continuam as horas em atropelo
Minutos se agregam formando o passado
A noite chega, vou dormir ao seu lado.

 

 

 

 

 

 

13/10/2005