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Paulo Garcez de Sena

1942-1998 (Bahia)

 

Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


 

 

Crítica, ensaio e comentário:

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Fortuna:


 

Uma notícia do poeta: 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Riviere Briton, 1840-1920, UK, Una e o leão

 

Culpa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

Ricardo Emanuel

 

A Tarde, Salvador, Bahia, Brasil

12.6.1999

 


 


Caçador de signos

Ricardo Emanuel

Paulo Garcez de Sena, nascido em Salvador, em 5 de julho de 1942, no bairro de Nazaré, na rua Inácio Tosta, 31, numa madrugada, estudou no antigo Salesiano e no Severino Vieira. Participou dos movimentos culturais e literários das décadas de 60, 70 e 80 e atuou como freelancer no Cultural de A TARDE. Foi colaborador da revista cearense O Saco, de circulação nacional.
 Seu primeiro conto foi Patrão Revolucionário, que lhe rendeu resenha literária no Jornal do Brasil e participação em uma antologia nacional de contos, organizada por Glauco Matoso e Nilson Maciel, Queda de Braço, ao lado de 17 autores, sendo o único baiano incluído. Escritor, poeta, compositor letrista e protutor cultural, Paulo Garcez também trabalhou com o ex-governador Roberto Santos e com o crítico e acadêmico Antônio Loureiro de Souza.
 Dirigiu e integrou o grupo musical baiano Arembepe, neste período, produziu um conjunto de letras divulgadas em show nos teatros Vila Velha e Gregório de Mattos, com grande repercussão de público e crítica. Também na década de 70 publicou textos no extinto Jornal da Bahia, na coluna Gente Jovem Pede Passagem, que deu origem a uma antologia homônima, prefaciada por Jorge Amado.
Em 1985 publicou Escritura da Palavra e do Som, editado pelo Governo do Ceará. Trabalhou no Departamento de Literatura da Fundação Cultural do Estado da Bahia, de 1985 a 1989. Dirigiu o vídeo Lágrimas de Pássaro – Sonho Antrofotofágico*. Na década de 90, atuou no Departamento de Imagem e Som da Fundação Cultural da Bahia, estando à frente do projeto Bahia Memória Viva.


Ricardo Emanuel é jornalista e poeta. Excertos de texto de sua autoria publicado em A Pholha.


* N.E. - Paulo Garcez de Sena também protagonizou o vídeo Funeral do Caçador, dirigido por Robinson Roberto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

Paulo Garcez de Sena

 

 


Incêndio branco
 


Cada sol de hoje
é rutilante fragmento
de cada sol de ontem
imensa abóbada vitral
em dicromáticas explosões
cada sol traça sua jornada
em choro sangue e palavras
em cada país, em toda janela
nas vísceras de cada donzela
uma rima a mais de gozo
 
rutila o sol, besouro branco
um dia após outro
furtivamente
inseto de prata percutindo
com seu olhar de laser
brancura nos cantos
ternura nos prantos
estrelas de vidro
na cama de Kafka
iluminando a barata
metamorfoseada em besouro
sol
tesouro inalienável
senhor de todas as résteas
ladrão de todos os pudores
Midas, dos dedos de ouro
transformando o intransformável
 
Pelas ventas metálicas
cospe o monstro o dia
incêndio branco
a imprimir palavras
pelo papel adentro
e excitar desejos
pelas entranhas dos corpos
 
cada sol de ontem
cada sol de hoje
inquietante eternizar
e
este besouro
que entrou no meu quarto
zumbindo nos meus ouvidos
este poema branco.

 

 

 

 

Noiva Louca
 

O poema é fácil
difícil é inventar
sua metafísica de poema
veredas sinuosas
jogos de pretérito
ensimesmadas palavras
pela superfície do presente
 
rio caudaloso
sombra furtiva sobre sombras
cristal imerso na noite estrelada
reverberando sóis que o instante detém
em corrida perene
longe
para bem longe
próximo do sono e dos sonhos
luzes acesas são as palavras
refletidas na manhã que virá
branca, toda branca
noiva louca
sedenta e sem olhos
noiva branca
vestindo véu e grinalda
 
o poema
alma penada.

 

 

Cida Sepúlveda

 

Maria Georgina Albuquerque

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci

 

 

Heitor Brasileiro

 

A Tarde, Salvador, Bahia, Brasil

12.6.1999

 


 

Fauno grisalho:

Paulo Garcez de Sena



 

Nos últimos dias que vivi em Salvador, antes de mudar-me para Ilhéus, tive a honra e o prazer de receber a visita quase diária do poeta Paulo Augusto Garcez de Sena (1943-1998). Residíamos na Rua Archimedes Gonçalves, no Jardim Baiano, no mesmo bairro de Nazaré onde viveu a sua infância.

Paulo Garcez foi poeta, jornalista que se dava ao luxo de dispensar a carteirinha, produtor cultural amante das artes, diretor de vídeo com algumas aparições em filmes de curta-metragem, mas sobretudo poeta. Nem tanto pela extensão da sua obra, que é pequena e dispersa, mas porque, além de boa poesia, em que pese o talento pouco explorado, tinha alma e aura de poeta.

Essencialmente dionisíaco, aflorava o seu lado apolíneo quando o assunto realmente o apaixonava. Infelizmente nem todos souberam interpretar a manifestação da sua lucidez. Não se trata de nenhuma inconfidência quando digo que cultivou em vida dois grandes inimigos: o álcool, cuja doença relutava em admitir, e a obsessiva dispersão que o distanciou da criação textual.

No único livro que leva a sua assinatura, dentre alguns que ajudou a compor e editar, A Escritura da Palavra e do Som, com poemas e letras de músicas reunidos às pressas por seus amigos do Ceará, podemos saborear desde a sutileza lírica de A Pérola e a Concha, ao humor irônico e inteligente de O Poeta Desiste de Sua Glória Para Amar a Bela e Desleixada Ana Virgínia.

Paulo foi meu co-editor numa dezena de poemas publicados no Cultural de A TARDE, do qual também foi colaborador, entrevistando várias personalidades do cenário cultural. Escolhia os poemas e os separava ao seu bel-prazer. A partir de 94, nas poucas vezes que retornei a Salvador, fiz questão de visitá-lo na modesta casa da Curva Grande do Garcia, onde vivia com seu irmão gêmeo Pedro. Em fevereiro de 97, em convívio inadiável que fizemos em Stella Maris, na companhia de Cida, minha mulher, e dos amigos Socorro Campos e Antônio Luiz Brasileiro Neto, deixei com ele um maço de textos. Mais tarde, recebo uma ligação com a voz inconfundível. Não tive dúvidas, era Paulo Garcez, oito meses depois. Conversa farta, nos despedimos como sempre, com boas gargalhadas.

Em fevereiro de 98, Cida e eu, numa das nossas viagens de automóvel, retornamos por Salvador para rever os amigos e, particularmente, levar Paulo Garcez para relaxar as tensões na "terra de Gabriela". Quis o destino que assim não fosse, caprichoso no seu redemoinho de desencontros.

Paulo Garcez era um sujeito atípico, de quem a gente aprendeu a gostar até dos defeitos. Em Salvador, costumávamos sair juntos para a "vagabundagem fraterna", na expressão de um cronista jacobinense. A sua jovialidade grisalha contrastava com a minha aparente sisudez sertaneja e, apesar de ter idade para ser meu pai, o tinha como a um irmão caçula.
Amante da boemia, apaixonava-se e desapaixonava-se com igual eficiência e rapidez. Nos melhores dias via uma musa em cada esquina e, com velocidade de raciocínio, era capaz de criar uma declaração singela e até mesmo um poema para cada uma. Por conta do seu ímpeto donjuanesco, do seu romantismo de resultados, viveu grandes emoções, com êxito algumas vezes; em outras, punha em teste a habilidade diplomática dos amigos para acalmar quem se sentisse ofendido.

Tribuno intempestivo, não fazia diferença entre o palco da Sala Walter da Silveira, um palanque em via pública, ou um tamborete de botequim, criativamente reunia num mesmo discurso citações de Glauber a Gramsci, de Lacan a Zé Limeira. Da antiga tradição baiana do gogó canoro, sua verve era iconoclasta por natureza e satírica por opção.
Filho de uma tradicional família do Recôncavo baiano, cedo renegou os valores de origem. O seu sentimento contra as injustiças sociais era verdadeiro e, embora sem nenhuma apetência para o poder, por duas vezes saiu candidato à vereança de Salvador. Numa delas, surpreso e condescendente, fui o último a saber que o meu endereço era o mesmo que o do seu "comitê". Foi uma "campanha" vitoriosa para quem subiu no palanque apenas uma vez, na Praça da Piedade, retirando-se antes de terminar o comício. No final, foram computados 103 votos a seu favor. "A vitória foi inconteste", observou Pedro, seu irmão. De fato, conseguira o que muitos políticos tradicionais tentam e não conseguem: reunir em seu favor 103 amigos sinceros.

A última do Paulo Garcez foi sair de fininho sem se despedir de mim, logo ele que se despedia, mas não ia, porque sempre tínhamos o que conversar. Por motivos óbvios eu ouvia atento mais do que falava. Em breves momentos para amenidades, nos divertíamos com a inteligentzia baiana e com as futilidades de pretensa high society nos coquetéis de lançamentos e vernissages. Mas também nos angustiávamos com o que chamávamos de "cultura de condomínio", equivocadamente apelidada de política cultural.

Por essas e outras é que para mim não foi fácil acreditar que seu coração parara. Prefiro pensar que, contra nossa vontade, o nobre Garcez saiu dessa pra melhor. Mas é claro! Porque na pior quem ficou mesmo fomos nós, que perdemos a alegria e a irreverência dele. Para enganar a tristeza pego a imaginar qual foi a sua primeira providência no desconhecido. Quiçá fanfarrão, tenha desafiado o Glauber para provar quem dos dois é dotado de maior genialidade. Ou, mais ameno, quem sabe tenha organizado um festival de piadas "angelicais" com o "capeta" Carybé, para divertir os amigos de boa companhia, como o poeta Carlos Anísio Melhor e o cineasta Agnaldo Siri.

Se forem verdade as coisas que dizem do céu e do inferno, me convenço de que Paulo Garcez está no céu. Não está no purgatório porque não era homem de meio termo. Se não chegou ainda é porque parou num boteco para tomar uma e errou o caminho. No inferno, jamais. Teria sido expulso: por insubordinação. O clube do capiroto sabe o que faz. Jamais iria admitir entrar lá um sujeito decente como Paulo Garcez. Jamais iria admitir alguém com tamanha integridade pessoal e tamanho coração.
 


Heitor Brasileiro é poeta e promotor cultural; baiano de Jacobina, radicou-se em Ilhéus em 1994, onde coordenou o I Prêmio Sosígenes Costa, de poesia.
 

   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11.1.2008