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Pedro Nava 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Morte de César, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia :


 

Resenha, ensaio & comentário: 


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Pedro Nava

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Blake (British, 1757-1827), Christ in the Sepulchre, Guarded by Angels

 

William Blake (British, 1757-1827), The Ancient of Days

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Pedro Nava


 

Biografia

 

 

Natural de Juiz de Fora. Nasceu em 5 de Junho de 1903. Fez os estudos secundários no Internato do Colégio Pedro II, e em seguida cursou a Faculdade de Medicina, colando grau em 1927. Como Joaquim Cardoso, sempre manifestou gosto e talento para a pintura e para a poesia, mas só em raras ocasiões publicou, em revistas literárias, algumas de suas produções. Fez parte do grupo mineiro que, em 1924, lançou, em Belo Horizonte A Revista, primeiro órgão do movimento modernista no Estado de Minas Gerais. Faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de Maio de 1984.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Pedro Nava


 

O defunto


Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.


Não quero caixão de verniz
Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.


Quero a morte com mau-gosto!


Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.


E descubram bem minha cara:
Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A idéia da própria morte.


Descubram bem esta cara!


Descubram bem estas mãos.
Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?


Foram nelas esboçados
Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.


— Meus amigos! olhem as mãos
Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.


— Meus amigos, olhem as mãos!
As minhas e as vossas mãos!


Descubram bem minhas mãos!


Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.


— Meus amigos, olhem as partes...
Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes ...


E, eu quero a morte nua e crua,
Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.


— Ah! o seu velório habitual!


Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.


E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.


Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo ...
E assim Solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.


— Meus, amigos, lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão


Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.


Meus amigos, tenham pena,
Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Franz Xaver Winterhalter. Portrait of Mme. Rimsky-Korsakova, detail

Pedro Nava


 

Alcazar

 

Para Rachel de Queiroz



Rosa de neve,
estrela expandida
no fim da noite!
Estrela perdida
que tremes no alto
das chapas de vidro
do céu cristalino!
Surges discreta
como os ladrões...
 


A luz que enlouquece
vem das espiras
que riscam no ar
as cores agudas
do teu espectro!
 


Tua luz se insinua
nos olhos dos doidos.
 


— És tu que te infiltras
nas lágrimas turvas
que empastam a cara
dos bêbedos tristes.
 


— És tu que lampejas
no mar que se fecha
ao baque cadente
do corpo silente
dos suicidas.
 


Como és única e clara
quando cintilas
na franja escura
que o dia dilui,
— no límpido instante
em que te exorbitas
e logo te esvais:
Brilhas tão pouco
no fim da noite
— ciclo irisado,
rosa expandida!
Brilhas tão pouco
que mal consigo...
captar teu lume
num breve segundo
de lucidez,
que presto deslumbra
e também desmaia
como luz perdida
no fim da noite.
 


1941


In: Bandeira, Manuel. Antologia de poetas brasileiros bissextos contemporâneos.
 

   

 

Tiziano, Mulher ao espelho

 

 

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)