Se

Para Alícia

Se eu tivesse uma –
se
ah, não sei, já sei, deve fazer parte,
tantos “ses”:
épocas, geografias, este mar
longamente mar.

Então, eu tomaria conta das forjas,
dos ferros e do carvão.

Seriam de outro encargo,
não meu – [se] –,
a água,
o óleo da têmpera,
esta luz refletida à lâmina;
[e correríamos entre as fornalhas] –
de aurora e forjas,
este cântico, este soluço.

E quando nos cansássemos
de tanto abafo, o meu quinhão de rosto
e sal completamente pagos,
ela diria em pleno dia:

           – Um café, senhor!

– Sim, minha senhora,
eu mesmo vou servi-la:
esta taça, a noite azul.

 

[Fortaleza, noite cedo, 08.10.1999]

 

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Este, o 25º capítulo de Poética, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de comentários que, a rigor — esta, a proposta —, os comentários, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivisão.

— Livro vivo, como assim?

— Porque em permanente movimento, espaço aberto a quem chegar, tão amplo como o espaço àqueles que aqui estão desde os séculos, todos em absoluta ordem alfabética. Seja bem-vindo!

POÉTICA: Capa, prefácio e índice poemas e poetas comentaristas

 

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Comentários:

ALCMAR LUIZ DOS SANTOS: Soares, amigo, puxa, que dois poemas danados de bonitos, esses que chegaram pelo correio! Dá inveja dessa verve lírica que sempre passa meio longe dos tecnicismos prosódicos em que eu mesmo me insulo. Aliás, não sei se você recebeu o meu “Retrato e Percurso”. Se não, dê notícia para que eu possa enviar até aí. Grande abraço do companheiro de caminhadas poéticas e informáticas.
Obs.: O outro poema: Nunca direi que te amo.

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ANDRÉ SEFFRIN: Feitosa, Luis Antonio esteve aqui em casa e comentamos: o Feitosa lírico é o maior. Não dispenso o épico, mas prefiro o lírico. Exemplo de lirismo limpo, do melhor lirismo, é este “Se”, que você mandou pelo correio. Impresso junto com "Nunca direi que te amo", é uma joia que devemos guardar.

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JOÃO DOMINGUES MAIA: Gostei muito do seu poema SE. Você precisa publicar em livro. Às vezes procuro textos para os meus livros didáticos e passo por muita coisa ruim. Um abraço. Maia

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JOAQUIM ALVES: Bem-Haja, pelo “SE”. Prima, uma vez mais, pelo toque da sensibilidade! E fez lembrar-me que sou bisneto de ferreiros: os contorcionistas do ferro, em esforço de fogo, martelo e suor! Claro que fui “tocado” pelo lado romântico que, afinal, “ses” não tem. Viva os últimos românticos de todos os cantos do mundo, onde quer que se encontrem. Com um abraço que une os dois lados do Atlântico. Joaquim Alves

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JOSÉ NÊUMANNE PINTO: SE é um poema solar, de plenas iluminações, de mistérios revelados sem pudor. Esta é a natureza mesma da poesia – a de revelar o relevante e relevar o revelante. Este poema sabe a sorvete de mangaba na Praia do Futuro. E tem mais: este poema é rubro como só são rubros os crepúsculos da Borborema, visse? José Nêumanne – poeta e jornalista

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MARIA LUISA VASQUES DINIZ: Exmo. Senhor SF, Poema SE: Gostei muito: tem ritmo – só cortado, um pouco, pelo segundo discurso directo; tem eufonia e uma infinitude de sentidos, o que me agradou sobremaneira. O título também está bem escolhido, mas parece-me mais hamletiano e não tanto de Kipling... Feliz Alícia...

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MAURO MENDES: Prezado Soares, quando um poema é capaz de me passar uma emoção, como aconteceu com o teu bonito poema SE, isto para mim é uma prova definitiva! O resto é conversa ou querela (quase sempre vã) de crítico literário. Rainer Maria Rilke (em “Cartas a um Jovem Poeta”, Edit. Globo) já advertia: “Leia o menos possível trabalhos de estética e crítica. Ou são opiniões partidárias petrificadas e tornadas sem sentido em sua rigidez morta, ou hábeis jogos de palavras inspirados hoje numa opinião, amanhã noutra. As obras de arte são de uma infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica”. Mas foi Edmund Wilson (conforme citado por Hélio Pellegrino no artigo “Escuridão e Rutilância”, publicado no jornal “Folha de São Paulo”, de 8.10.86) quem melhor estabeleceu a diferença entre crítico e artista criador: “O crítico, naquilo que escreve, sabe mais do que diz, ao passo que o artista criador diz mais do que sabe”. E continua HP: “Isto decorre do fato de que o crítico se move, predominantemente, na área consciente e reflexiva do seu psiquismo, ao passo que o artista criador, em seu mergulho poético, ordenha leite da escuridão”. (...) “O crítico é sempre capaz de explicar o seu texto” [cartesianamente], ao passo que “O artista criador é explicado pela obra que faz muito mais do que é capaz de explicá-la. A linguagem criadora é carregada de noite, de refrações simbólicas, de confusos rumores, cuja crepitação jamais se deixa capturar pela fome de clareza que define o pensamento consciente. Aliás, há que precatar-se contra a ilusão das claridades excessivas. Elas velam a realidade muito mais do que a revelam. No centro do incêndio solar, há um latifúndio de treva, da mesma forma que no caroço da noite enorme, fulge uma fogueira de luz” (Hélio Pellegrino, id. ibid.). Acho, então, que se pode aplicar a este teu poema (e, em geral, ao que eu já li, até aqui, da tua poesia), o que o poeta Robert Lowell dizia a respeito de si mesmo: “Tiro poesia de onde bem entendo, não dou muita satisfação”, e dizia ainda: “poeta pode ser inteligente e cônscio do que faz. No entanto, caminha meio aloprado e sobrearmado, preso [ao mesmo tempo] de sua amnésia, ignorância e instrução”. “Então eu tomaria conta das forjas dos ferros e do carvão”. Tal qual acima, o teu poema é assim como o metal nobre incandescente escoando, junto com a ganga bruta, da cratera de Vulcano ou da forja de um ciclope. Às características “heroica, telúrica e lírica” da tua poesia, permito-me, então, acrescentar mais uma: CICLÓPICA! Um grande abraço, com admiração! Mauro Mendes

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