Nunca direi que te amo

Sem nenhum aviso,
as sardas de um rosto, vieram as sardas
e eram notícia de uma navegação morena;
uma voz rouquenha, como se abafasse
o grito súbito sobre este porto
de nenhum aviso.

Nunca lhe direi sobre o amor: jamais faria
declaração de posse às minhas mãos;
nenhum registro público hei de requerer
sobre meus pés; nem protocolos mandarei abrir
sobre meus braços;
mandato algum darei sobre meus olhos:
cega-me a crueldade desta posse.

De que haveria de falar, se a voz
me some nos contrastes deste aviso súbito?

Os segredos,
não os desvendarei —
as mãos, a voz, este "sim" —
porque
Ela,
subitamente a tua voz morena:
a flor, o vinho.

 

 

SF, Fortaleza, noite alta, 3 de outubro de 1999

 

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Ich werde nie sagen, dass ich dich liebe

Ohne Vorwarnung,
die Flecken in einem Gesicht, erschienen die Flecken
und sie brachten Nachricht von einer dunkelhäutigen Reise;
eine rauhe Stimme, als esticke sie
den plötzlichen Schrei über diesem Hafen
ohne Vorwarnung.

Ich werde zu dir nie über die Liebe sprechen: ich würde nie
eine Besitzerklärung über meine Hände machen;
ich werde keinen amtlichen Eintrag
über meine Füsse fordern; und ich werde keine Protokolle
über meine Arme anfertigen lassen;
keine Vollmacht über meine Augen werde ich ausstellen:
ich werde blind von der Grausamkeit dieses Besitzes.

Wovon soll ich sprechen, wenn mir die Sitmme
schwindet in den Kontrasten dieser plötzlichen Warnung?

Die Geheimnisse,
ich werde sie nicht enthüllen -
wegen
ihr,
plötzlich deine dunkelhäutige Stimme:
die Blume, der Wein.

 

 

SF, Fortaleza, tiefnachts, 3. Oktober 1999

 

Tradução de Marcel Vejmelka

 

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Maie dirò che ti amo

Senza nessun annuncio,
le efelidi di un volto, vennero le efelidi
ed erano notizia di una navigazione bruna;
una voce alquanto rauca, come se strozzasse
il grido improvviso su questo porto
di nessun annuncio.

Mai le dirò sull'amore: mai farei
dichiarazione di possesso alle mie mani;
non ho alcun registro pubblico da reclamare
sui miei piedi, né ordinerò di aprire protocolli
sulle mie braccia;
non darò alcun mandato sui miei occhi:
mi acceca la crudeltà di questo possesso.

Di cosa avrei da parlare, se la voce
mi fugge nei contrasti di quest'improvviso annuncio?

I segreti,
non li rivelerò -
le mani, la voce, questo «sì» -
perché
Lei,
subitamente la tua voce bruna:
il fiore, il vino.

 

 

SF, Fortaleza, alba inoltrata, 3-10-1999

 

Tradução de Virgilio Zanolla

 

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Este, o 3º capítulo de Poética, um livro vivo, aberto, gratuito, participado e participativo, cheio de comentários que, a rigor — esta, a proposta —, os comentários, mais importantes que o texto comentado: abrir o debate, uma multivisão.

— Livro vivo, como assim?

— Porque em permanente movimento, espaço aberto a quem chegar, tão amplo como o espaço àqueles que aqui estão desde os séculos, todos em absoluta ordem alfabética. Seja bem-vindo!

POÉTICA: Capa, prefácio e índice poemas e poetas comentaristas

 

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Comentários:

ADELAIDE LESSA: Soares Feitosa, querido e generoso amigo, de poesia humaníssima, poeta de Salomão e de Eliezer, de Ayrton, o primeiro piloto de Elias, de Antônio Frederico, do Navio, do abraço ao meu Augusto levitante, estou acompanhando sua dor pessoal, seu canto de amor sufocado, a voz sumida nos segredos que chega a não dizer, mas sugere, a “crueldade desta posse”. Guardo todos os seus escritos. A semente de imburana continuar a aromar “Psi, a penúltima” e a contagiar todas as páginas que vieram soltas, como as de agora, entrecortadas de soluços na noite alta, na taça azul.

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ALCKMAR LUIZ DOS SANTOS: Soares, amigo. Puxa, que dois poemas danados de bonitos, esses que chegaram pelo correio! Dá inveja dessa verve lírica que sempre passa meio longe dos tecnicismos prosódicos em que eu mesmo me insulo. Grande abraço do companheiro de caminhadas poéticas e informáticas. (O outro: SE, mais adiante).

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ANDRÉ SEFRIN: Feitosa, seu poema (“Nunca direi que te amo”) é mais uma página que se integra ao melhor de nossa lírica amorosa. É poesia pura, de poeta verdadeiro – o que nós, seus leitores, sabemos. O abraço saudoso e a admiração do seu amigo, André

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ANITA COSTA PRADO: Romântica sem ser melosa, profunda sem ser cansativa. Assim é “Nunca direi que te amo”, poesia de Soares Feitosa. Texto envolvente e gostoso como vinho de qualidade…

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ANTONIO AUGUSTO BOCAIUVA: Soares Feitosa, isso não precisa de comentários! É para ser lido de joelhos como deve ser a leitura de Pessoa.

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ANTONIO PEREIRA APON: Alguns poetas, quando versam sobre o amor, terminam caindo no lugar comum da rima do nada com coisa alguma, o que não acontece com esta poesia, em que o autor demonstra capacidade criativa, sobriedade na estruturação dos versos sem buscar fórmulas prontas nem adornos fáceis (e desnecessários). A ideia flui naturalmente, sem forçação de barra, sem os penduricalhos das cantilenas de alguns poetas (?). Gostei muito. Abraços

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BRUNO KAMPEL: Poema denso, porque desdiz a obrigação de mencionar o óbvio. Como explicar o sorriso de felicidade, ou o latir do peito. Amamos sendo e agindo, por isso as palavras carecem de urgência. Belíssima. A antideclaração, o antidiscurso, como sempre, dizem mais que as frases feitas. Um abraço.

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CHERYL HATFIELD: Era agradável ouvir-se outra vez de você, e eu gosto de seu poema novo muito muito! Eu fui ao Jornal de Poesia e li sobre você e vi seu retrato. Você olha tão agradável como você soa. Você e eu somos a mesma idade, como eu fui carregado 1.9.44! (você é um mais velho, naturalmente!) É queda aqui agora e eu sou muito mais felíz. É mola em sua agora, me acredita? Sustento no toque! Os mais melhores desejos, Cheryl. P.S.: Desculpe meu portuguese.

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CRISTIANE FRANÇA: Caro Soares, por mais que procure o silêncio, algo me subtrai da realidade consciente.

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CRISTINA BITTENCOURT: Os outros comentários me inibem. Poderia fazer uma chusma do que deles repetiria: claridade (mas isso ninguém escreveu, eu escrevi sobre "Architectura"); simplicidade (falsa, por sinal); densidade (não aparente); isenção total da banalidade; profundidade (disfarçada, passa despercebida); dor no coração, de tanto (ninguém falou isso também não). Eu não posso falar de amor. Chorei várias vezes lendo a poesia e os comentários.

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CYRO DE MATTOS: Seu poema é lindo, o amor por vias sutis aparece no discurso equilibrado, mas intenso em suas notas que latejam sentimentos. Encantei-me.

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DAISY MARIA GONÇALVES LEITE: Gosto da poesia solta, nascida de uma inspiração que só a você chegou e que só você entende porque assim se expressou. Já dizia Joseph Joubert (1754-1824) ensaísta francês: “Você só encontrará a poesia se trouxer um pouco dela dentro de si”.

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DIATAHY MENEZES: Acabo de ler sua lavra nova. O poeta é um observador terrível e subitâneo. De repente, sua fala é dominada pela sensação inesperada e ele diz coisas antiquíssimas, porém inéditas. Gostei.

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EDUARDO GOMES MACIEL: Acabo de ler o seu “Nunca direi que te amo”. É domingo, adiantada noite. O que apenas noticio para dar-lhe a noção do susto que me causou a leitura do seu poema. O coração me disparou, com aquele arrebatamento para o qual geralmente não se está preparado num domingo à noite. A respiração (sumida nos contrastes deste aviso súbito), só retomada ao fim da primeira leitura, ganhou então o compasso da paixão despertada. É poema que se quer pegar, pôr entre os braços, que faz doer de saudade.

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ELIZABETH LORENZOTTI: “Nunca direi que te amo” — agora a releio, em meio a essa balbúrdia diária, e fico feliz pela Arte, que resiste e irrompe quando mais se precisa dela.

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ELOÍ ELISABET BOCHECO: Uma perfeição. Um texto pra gente se perder de tanta beleza. Ritmo, melodia, emoção, tudo numa justeza que só mestres geniais como você alcançam. Meu grande abraço.

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FLORA FERREIRA: Subitamente a voz morena de teu poema sussurrou-me toda beleza e cadência desse instante nele registrado. Brilhante a textura do poema. Como foi bom te escutar nessa emoção noturna!

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GERANA DAMULAKIS: Feitosa: o poema “Nunca direi que te amo” é um assombro de bom e o título fica ressoando na cabeça do leitor. Beijos saudosos de Gerana.

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GIZELDA (VALINHOS): Li seu poema e dele gostei muito. Acredito que uma poesia seja uma “conversa entre almas” e que sempre encontra alguém que com ela se identifique. Muito obrigada pela sua atenção. Sou professora de literatura do Anglo e o “Jornal da Poesia” é fonte permanente de consulta para trabalhos e também satisfação pessoal. Sempre é muito bom saber que numa época tão conturbada, a poesia anda “no ar”. Aliás, devo dizer-lhe que muitos de meus alunos também conectam o “JPoesia” e gostam muito. Gizelda. (Valinhos/São Paulo).

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HELIO PÓLVORA: Feitosa, é lirismo sem pieguice, lirismo na medida certa, com a espontânea beleza das verdades simples, o seu poema “Nunca te direi que te amo”. O poeta Soares Feitosa está adquirindo o timbre do canto natural que se exprime sem ênfase.

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HELENA MONTEIRO: Infelizmente não consegui encontrar o poema de Ribeiro Couto, mas, paciência. O que consegui foi este extraordinário “Nunca direi que te amo”. Forte, cadenciado e belo.

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ITACILDO: Oi... você me congelou de surpresa com essa poesia, confesso que não estava preparado para recebê-la, após um dia de muito trabalho com novos projetos da empresa que trabalho. Abri meu e-mail com várias msg, aí tive muita curiosidade e ao abri-la... que surpresa!!!

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IVONE MEDEIROS TÖNIG: Adorei teu poema “Nunca direi que te amo”... Tal poética me faz desejar que tivesse sido escrito para mim, como musa (?)... É lindo isso na poesia... Pode ser absorvida, tomada de empréstimo, deleitada, fazer sonhar, ter prazer em ler... Linda mesmo esta poesia!

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JOÃO BARCELLOS: E todos os escritos poéticos de Soares Feitosa sabem-me a néctar encorpado na delicadeza charmosa das vivências. Digo, por isto mesmo, que viva o Poeta! É raro, muito raro, em mim, não escrever de imediato o instante da sensação recebida pela leitura de outros escritos. Faz tempo que venho lendo Soares Feitosa – o Poeta, e eis-me diante de um desses instantes que me levam adiante, fazem-me saborear longamente cada verso, cada traço poético (como aconteceu lendo Joyce, Adélia Prado, Octavio Paz, Sá-Carneiro, Quintana). Soares Feitosa chega(-nos) com a fragrância de um viver profundo, meticuloso até, e no entanto, sente-se o desprendimento nas entrelinhas do seu existir literário. Que viva o Poeta!, pois. Porque é desse estádio do desenvolvimento intelectual que falo, e ao qual poucos chegam. Sim, a Poesia sublime e profunda e perfumada de Soares Feitosa bebe-se para se refletir à luz das chamas da lareira que somos... Quando queremos e somos Alma!

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JOAQUIM ALVES BARREIRO: Caro Soares Feitosa. Ainda não tinha tido a oportunidade de comentar as “sardas” do seu Poema. E não consigo!

Ficou-me, no movimento das mãos
este testemunho que não comento.
Sim um dia terei de dizer
e que seja madrugada longa infinita
como nunca houvera em vida

um dia terei
talvez horas, alguns minutos,
pequeníssimos segundos até
quem sabe

mas um dia terei
terei de dizer-te tudo
o que me vai no coração
na alma infinda
que quase já não controlo

um dia, uma noite
uma qualquer hora

preferia que fosse madrugada
para poder ficar ficar ficar
à espera do dia
em que pudesse dizer
baixinho,
mui calmamente ao lóbulo
do teu ouvido (mesmo gaguejando)
que que que que
te amo te amo te amo.

Com aquele abraço já comum e conhecido. As melhores coisas do Mundo: votos!
Joaquim Alves Barreiro/Lisboa/Portugal

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JONIO BABU: Não sei porque acordei precisando ouvir algo como “Nunca te direi”. Penso que o meu espírito precisava-se encontrar leve com o nascer do dia para poder suportar os longos minutos e horas do entardecer, até a calada da noite. Meus parabéns por esta e outras tão lindas poesias que sei que é capaz de fazer. Obrigado por me presentear com este dia.

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JOSÉ ALCIDES PINTO: POESIA E SÍNTESE. Ao gosto da verdadeira poesia, ou da arte poética, Soares Feitosa, inventor solitário e consciente de sua missão na literatura, recria seu universo poético do nada, como Deus criou o mundo, onde nada falta — da alegria da vida à tristeza da morte — extremos onde flore a felicidade e o amor.

Com o conhecimento prévio de todas as coisas, do que existe e do que inexiste, imprime ao texto poético uma dinâmica singular. Seu trabalho em constante mutação enriquece sua poesia e a distancia dos poetas de sua geração. A palavra necessária, em seu emprego adequado, corrige as distorções e os ledos enganos daqueles que pensam que fazer poesia é arrumar colunas de palavras como quem faz uma construção para nela se proteger da intempérie. Não é esta a segurança que Soares Feitosa procura, ante a certeza e a dúvida de que tudo que nos corre o perigo de desabamento e da destruição, menos o amor.

O amor premonitório: nesse sentido vamos nortear nossa análise. No inabitável, no inacessível, no incomensurável onde as matérias da alma humana se perpetuam para cantar esse imenso amor, pediu o nosso poeta uma inspiração divina, e de joelhos, sim, e iluminado, profeta de fronte erguida para o céu, contemplou a estrela mais brilhante, ou cá na terra, de ouvido atento, o chilrear dos pássaros, a buscar o trino mais sonoro e mais doce para aproximar-se do regato de sua deusa-amante.

Poeta marcadamente cristão, mas também com as nódoas do pecado impressas na pele, ei-lo dele cativo e escravo a inspirar penas e cuidados, próprios dos amantes apaixonados, como dizem Camões e Pessoa. Mas Soares Feitosa precisa da forma clássica do verso livre, moderno, para alcançar o objetivo desejado — decantar o amor que lhe fere o peito. E assim armado de metáforas audaciosas, símbolos e signos significantes, senta-se à sua escrivaninha e escreve os versos mais belos que possa imaginar.

Esse descobridor de imagens e de ritmos estranhos, na musicalidade dos sons e das cores, levanta o simbolismo de sua escrita e reconstrói nossa poemática, dando à mesma um sentido mitológico universal, tal Dante e Virgílio, Camões e Pessoa.

Soares Feitosa mergulha na essência da história, e descobre o sentido do verdadeiro e inatingível amor-amor eterno dos mitos que cria de sua fecunda imaginação e que a nada é comparado, posto que é do encanto de sua mente prodigiosa que se origina e o toma por inteiro, corpo e alma, floresce, vive, cresce, se expande ao vento, abarca o mundo e o alanceia.

Este amor está nas páginas dos dois últimos poemas que escreveu, recentíssimos, e que trazem os títulos Nunca direi que te amo e O prisioneiro, obras primas da literatura da língua portuguesa. Falar é fácil, inscrever esses poemas na mente do leitor é que é difícil, porque o inefável jamais se apreende pelo sentidos, mas pelo sonhos.
Para que o paciente leitor não saia desta resenha de mãos vazias, tentaremos mostrar o que não se mostra, dizer o que não se diz, porque as composições de Soares Feitosa de que já falamos acima são para senti-las. Sugestões de leitura que cobram do leitor toda atenção e sensibilidade ao melhor entendimento de seus versos. Veja no Nunca direi que te amo:

Sem nenhum aviso, as sardas de um rosto, vieram as sardas
e eram notícia de uma navegação morena;
uma voz rouquenha, como se abafasse
o grito súbito sobre este porto
de nenhum aviso


Ficamos só nesta primeira mostra, pois já nos assalta o desejo de transcrever o poema por inteiro, tal o fascínio, o sortilégio e magia de que estamos possuídos. Por que o dilema? O que nosso poeta esconder ou querer evitar seu idílio amoroso? Talvez seja escusável dizer do secreto ciúme que permeia a beleza de sua amada, já que essa traz sem nenhum aviso as sardas de um rosto, que eram notícia de "uma navegação morena". Veja bem o leitor a originalidade da metáfora. E poeta continua em seu mistério e em sua secreta confissão. Deixemos o intérprete em suspense, perdido nesse labirinto de emoções, mesmo porque não podemos desvendar o mistério da transcendência de seus versos. Abandonemos o poeta que não nos abandona e passemos ao outro — talvez o mais belo dos dois ou quando já escreveu Soares Feitosa desde o seu livro de estréia, Psi, a penúltima.

Não sei nem ninguém saberá como ele escreveu O Prisioneiro, poema do que nos ocupamos agora, não parece obra do ser humano, tamanha a inefável beleza que porta, o que nos faz lembrar Rainer Maria Rilke, quando diz que alguns versos dos seus foram ditados por um anjo": Vamos a um trecho de O Prisioneiro:

"Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório.
.................................................................

Decretei a prisão imediata de todos os carrascos.
Mantive a prisioneira sob algemas,
que ninguém é louco de manter
tesoiro tão rico ao léu;
mas, prudência maior,
soltei-lhe os braços e mudei
as algemas aos meus próprios pulsos".


Pressupõe-se que esta peça a que nenhuma outra iguala em nossa literatura, tenha sido mesmo "ditada", o que nos leva a crer, verdadeiramente, que algum sopro divino conduziu o pensamento no poetam em estado de graça. O poema acontece num clima sobrenatural, num diálogo consigo mesmo, num prisma de encanto.

Não revelaremos o epílogo, nem saberíamos como fazê-lo. Cabe ao leitor inteligente e sensível imaginar, somente, imaginar, o desfecho de tamanho enigma.

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JOSÉ NÊUMANNE PINTO: “Seu” Chico Feitosa, Existe neste poema uma comunhão absoluta com a noite alta em que ele foi escrito. Trata-se de um texto noturno, embora nunca soturno. No sentido de seu brilho de vagalumes e estrelas e das surpresas que as trevas costumam esconder, só permitindo se vislumbrar o que a lua mostra. Por isso, mantenha sempre as indicações da hora e da data em que o poema foi gestado. Num gesto de amor puro, coito com palavras.

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JÚLIO NEVES PEREIRA: Sr. Feitosa, o seu poema exprime graça e singeleza. Provoca a alma e a carne, enquanto, por um discurso “lânguido”, vai envolvendo numa trama lírica (que é a chama) o leitor. Senti-me grato por lê-lo. Não conhecia sua poesia, tão sensível. Ficarei mais atento a suas produções.

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LAU SIQUEIRA: A plena percepção do silêncio, amigo Feitosa!!!! Acho que foi esse o sentimento que me invadiu quando li “Nunca direi que te amo”. É como se tivéssemos a sensação escrita (e descritiva) daqueles arroubos incontidos da alma que nunca cabem nas palavras, tal a intensidade. Parece que você conseguiu acomodá-los nas teias do significado. Essa tem sido, aliás, uma das fortes características do veio poético que se guardou em você por breves “cinquentanos”. Um poema cerebral que carrega em seu alforje todas as tralhas daquelas emoções que às vezes pesam na garupa dessa égua inconstante chamada saudade.
Há braços!
Sempre amigo, Lau.

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LINDAIR: Olá Francisco. Bom receber seu e-mail... Estava meio entorpecida pelo anestésico da rotina alienante. Sua “equipe” como sempre trabalhando bem, pode deixá-lo livre para produzir e cultivar mais esta pérola de criatividade e sensibilidade. O bom da arte poética é que o lugar “da musa” fica sempre livre para quem quiser ocupar... Nisso, caríssimo poeta, você é mestre! Abraço amigo; grata pelo presente (de aniversário, viu? 19.10.1999).
Lindair

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MARIA CRISTINA MACBUNN: De poesia nada sei; não classifico, não identifico estilos, ignoro seus aspectos técnicos (admite-se tal?)... Enfim, imagino que saibas a que ordem de seres pertenço; àquela dos que sentem a poesia com o único recurso de que dispõem – o coração. Talvez ousando uma interpretação sobre essa categoria de seres, diria que utilizam a alma, mas, essa alimentada pelo corpo aonde estão inscritos, como tatuagens, os sons e signos da vida. Enfim, sem dar asas a esse devaneio interpretativo, gostaria de registrar minha profunda admiração pelo seu trabalho; trabalho esmo... Esse de criação de um “Jornal da Poesia”, que descobri por acaso há alguns meses... Vasculhando os serviços oferecidos pela Internet; que surpresa, quanto prazer, quantos momentos maravilhosos sua página já me ofereceu. Tenho brindado um grande amor com poetas fantásticos que compõem a galeria do Jornal. Tenho divulgado entre os que me são queridos seu trabalho. Cheguei há pouco nesta Fortaleza, ficarei um tempo e seguirei por outras trilhas. Mas, minha passagem por aqui está marcada por sua “criação” poética. Confesso que até então, havia percorrido a poesia dos que lhe acompanham aqui e, hoje, curiosamente fui em busca da sua poesia. Estou “encantada” com “Nunca direi que te amo”. O que posso eu dizer? Criador... Cria dor... Sem palavras. Obrigada, Cristina.

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MARIA DELFINA DE MORAES:

És estrela guia a brilhar fulgurante
no esplendor deste céu que contemplo
feito deusa encantada.
Por ti, por teus versos,
me entrego inteira ao deleite
e vivo assim, encantada,
pelo eterno brilho de tua arte
traduzindo amor em palavras.

E assim, desde que
te tornei estrela única e majestosa
de meu céu particular,
onde ao olhar estrelas
apenas a ti meus olhos se dirigem,
apenas por ti
meus olhos se encantam.

[Em 29/10/99, dedicado a Soares Feitosa]

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MARLENE ANDRADE MARTINS: Dear Feitosa. Um poema que cresce com o desprendimento da matéria — desapropriação do corpo: “jamais faria declaração de posse às minhas mãos; / nenhum registro público hei de requerer sobre os meus pés”; e a legitimação do ego, uma catalização romântica: “os segredos não os desvendareis – as mãos, a voz, este 'sim' [aceitação] – porque /Ela,/ subitamente a tua voz morena:/ a flor, o vinho”. Contrapondo, te ofereço:

AINDA QUE AS SARDAS INSISTAM

É cedo e, ainda que as sardas insistam,
há no avesso do rosto
o acúmulo de vida chegada do dia-a-dia.

Avesso desocupado das sardas,
sem pressa de despedidas, safo.

Escorregadio dribla.
Explode na trave o grito infinito

que libera a voz rouquenha do poeta,
sobre este porto de navegação segura.

Subitamente a voz calada:
“Nunca direi que te amo”.

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OLYMPIA SALETE RODRIGUES: O seu poema “Nunca direi que te amo” é “incomentável”. Mesmo assim, quero lhe dizer algo: seu poema escancara e oculta o amor verdadeiro, aquele que é força e impotência ao mesmo tempo, que se expõe e se esconde, que tem medo de si mesmo enquanto tem a coragem de existir, que quer possuir mas apenas se entrega. Se é tão profundo o que você coloca no papel, qual não será a profundidade do sentimento que resta no seu dentro?

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PAULO TORQUATO TASSO: Fiquei horas tentando descobrir de onde vem a intensidade que “Nunca direi que te amo” transmite. As palavras são conhecidas, as expressões também. Acho que a coisa tem mais a ver com a estruturação das frases e com o uso das preposições em sentidos não convencionais. A propósito, o que vem a ser um “porto de nenhum aviso”? O porto de destino da morena que navega? E o que são os “contrastes” de um aviso? Contradições, surpresas?
Abraço.

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RODRIGO GARCIA LOPES: Caro Soares Feitosa. Bonito o seu poema recente. Gosto das metáforas jurídicas aplicadas ao discurso amoroso, me faz lembrar uns versos da Laura Riding, poeta que estou traduzindo.

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RODRIGO SOUZA LEÃO: Feitosa é apurado na linguagem sem ser obscuro. Revela um lirismo próprio que remete a um outro poema dele “Não é aqui não”. Só que agora é “Aqui sim”. A flor perfuma o vinho e vice-versa. Um buquê de flor e vinho. É aqui, sim!

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RUY CÂMARA: Meu caro amigo, Poeta Soares Feitosa, acabo de ler “Nunca te direi que te amo”. Gostei do poema, do súbito encontro, da ideia de posse sem legalidade. O poema sugere uma certa transgressão dessa legalidade que some nos contrastes. O amor, no caso, é melhor na obscuridade, como o vinho numa taça, que súbito pode quebrar as regras protocolares.

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RUY ESPINHEIRA FILHO: Grande Feitosa: Parabéns pela paixão morena. É isso aí – o sopro lírico à solta, intenso e vasto. Um abraço grande, Ruy.

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SONIA ALVES DIAS: “Nunca direi que te amo” é mais um ato de redenção, antes de ser poesia. É a declaração de posse (ainda que negada em todos os sentidos). Nunca dizer que te amo, é como dizer que te amo, mas quem precisa ouvir? Quem precisa falar? Quando os gestos tomam as palavras para si? Cada frase que escreves é sempre um tributo a todas nós! Grande Beijo com o Sereno de São Paulo.

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SOUZA SANTOS: Caro Feitosa: O exercício do lirismo em “Nunca direi que te amo”, alcança a dimensão do enlevo tanto quanto um conhaque flambado em noite de inverno. Grato pela lembrança de mo enviar. Um abraço, Souza Santos

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STELA FONSECA: Chegou de mansinho na manhã. Trouxe o sol. Lembrei-me então de quantas vezes o procurei olhando pelas frestas da janela da sua casa. Das tantas em que, decidida, entrava para viver novas descobertas em antigas arquiteturas, com o mesmo encantamento da primeira vez. Do quanto, os quatro cantos vasculhei à procura de sinais, de algum sinal dele. Mas... foi tanto o tempo que, de cansaço, restou-me o esperar. Olho-o agora, encantada, e vou descobrindo-o devagar, sorvendo-o, enquanto deixo cobrir-me de alegria e prazer. Elegância maior no trato com as palavras, palavra, nunca vi! De declaração que dá crédito a quem a declara, e de amor explícito assim, afirmo: nunca, nunca vi. Tocada, toquei-o. E, na solidez da forma, a maciez de mergulho em águas límpidas, águas claras. Naveguei!... De tudo, assim, neste “Nunca direi que te amo”, eu digo: pena que ele não diga “eu-te-amo” para mim. Beijos, meu amigo poeta, todos! Stela

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VIRGILIO ZANOLLA: Gentil irmão poeta, como agradecer-lhe do seu cortês e fascinante presente, o panfleto do Envelope? Além de ter uma cara boa e muito simpática (vi as suas fotos), e de enviar a todo mundo a imburana, promovedor do árvore brasileiro, o amigo é um verdadeiro poeta. Muitas suas líricas me fazem pensar a uma definição do escritor, matemático e filosofo milanês Tommaso Ceva (1648-1732): «A poesia é um sonho feito em presença da razão», já que próprio a razão prende pela mão as emoções até a concatenar-lhes em versos, a fazer de um átimo uma fotografia. Não por nada o poeta cubano Cintio Vitier escrevia em Raiz diária: «Como é difícil que as palavras dêem o senso da vida, com exatidão! Esta é a balança do poeta». Eis aqui no alegado uma minha tradução em italiano da sua Nunca direi que te amo. O mínimo, diante ao deleite dos seus versos.
Um abraço do seu admirador
Virgilio Zanolla

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VIRGINIA SCHALL: Quanta inspiração! O amor em noite alta incendiando a vida e esculpindo-se em líricas imagens. Obrigada pela beleza que me trazes agora, despertando, com as suas, as minhas próprias lembranças. Abraços,
Virgínia

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