PRÓLOGO
Os
ensaios contidos nesse volume são de naturezas diversas.
Alguns se aproximam mais do comentário e da anotação de
leitura, onde tentei dar uma abordagem bastante pessoal à
obra de autores que freqüentam a minha cabeceira. É o caso
dos que versam sobre Lucrécio, Vico, Voltaire, Montaigne e
Góngora, cujas Soledades, ápice da agudeza engenhosa do
Homero espanhol, serviram de guia a essa constelação de
temas por meio dos quais procurei pintar um panorama geral
de sua obra dentro do debate estilístico seiscentista. De
caráter difuso, este livro provavelmente não dirá nenhuma
novidade ao especialista ou ao erudito, mas sim ao leitor
curioso que entende a literatura como essa espécie de espaço
ideal do pensamento, onde o tempo se suspende e por um
instante podemos contemplar todos esses fragmentos do Espírito
dispostos lado a lado, unidos pela fruição e por algumas
intensidades e afinidades que corram entre eles independente
dos séculos que os separe. Outros têm um caráter de
estudo. Assim ocorre com aqueles dedicados às Coplas do
aragonês Jorge Manrique, ao longo poema em forma de colagem
de Ezra Pound, à poesia do heterônimo Alberto Caeiro e às
relações entre Proust e Nava. Já o texto que trata da
prosa poética de Francis Ponge está mais próximo de uma
sugestão crítica sucinta. Faltam ainda ensaios sobre Gracián,
Vieira, o Quijote, a tradição da Alquimia e Augusto dos
Anjos, que estão em fase de idealização e devem figurar
em uma edição futura desse livro.
O
título explica a obra tanto nas suas possíveis virtudes
quanto nos seus débitos, impertinências e equívocos.
Quis, com esses ensaios, ainda que imaturos em muitos
aspectos, delinear um fio de Ariadne que nos redima da
experiência amarga de viver entre os cacos da tradição e
da História, fornecendo-lhes um sentido. Subjaz a todo
impulso à unidade um abismo: aquele que nos sugere que essa
condição transcendente talvez só exista no discurso, não
nos fatos mais palpáveis de nossas vidas. Se for assim,
paciência. A separação entre a linguagem e a realidade, a
idéia mesma de realidade, há muito me parece uma das criações
mais maravilhosas e inverossímeis a que o homem já se propôs.
Na melhor das hipóteses, mais uma construção imaginária,
uma mitologia, agora positiva. Mas como poderíamos
classificar essa forma mental que não dá nunca sua nuca à
guilhotina inábil que todo momento cinde pensamento e ato,
realidade e ficção? Uma variante moderna, sem o apelo
sacramental de séculos atrás, daquela famosa e mal
interpretada prosa do mundo? Sim; é bem possível. E se me
exigissem uma sentença drástica, diria que creio piamente
nesta como a única realidade possível.
Rodrigo
Petronio