Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

Sérgio Campos

Brasil, 1941 - 1994 

Thomas Colle,  The Return, 1837

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Poesia:

Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ruth, by Francesco Hayez

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), L'Innocence

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

Sérgio Campos

conversa com o poeta

Floriano Martins

 

 


O brasileiro Sérgio Campos (1941-1994) nos traduz a imagem de um poeta obstinado pela criação como atividade reveladora do espírito. Rigor e substância encontram-se nele empenhados na leitura dos mínimos gestos que nos delimitam. Compromisso sólido, mas sobretudo uma paixão. Uma sólida amizade nos uniu desde 1988, quando então residia em Nova Friburgo e o fui visitar. Traçamos inúmeros planos, não sem o estoicismo que nos caracteriza, e conseguimos realizar alguns. Entre eles, destaco aqui a collage que fiz para a capa de seu O lobo e o pastor (1990), em cujo exemplar de prova da gráfica manuscreveu as seguintes palavras: “comove-me ter produzido com você este livro tão singular, de ter gerado a poesia do texto para sua poesia da imagem. Forçoso reconhecer que tudo o que temos feito juntos tem, em verdade, recebido esta chancela ou estigma do grande. Penso que é justo: grandes perdas, um dispêndio quase demencial de trabalho reclamam grandes resgates. Eis, portanto, o lobo e o pastor, seres do tempo, habitantes do páramo da sorte, e dos patamares do acaso. Exilados mas insurgentes, desapossados mas possessos, parece que finalmente encontraram a dimensão do mito. Fale pois agora o livro por eles. E falem eles por nós.”

O curso temático da poesia de Sérgio Campos, ao eleger como recursos uma predileção de ordem helênica e o que Ivan Junqueira tão bem situa como “delicada fiação de enredos que se diriam domésticos”, o faz acentuando a fundação da palavra a partir da memória. Contudo, se o mundo verbal é, como em Góngora, uma negação do mundo real, aqui também se poderia falar em afirmação de uma realidade outra, enriquecida pela memória e o curso incessante de seus descobrimentos, como em José Kozer. Claro, ao contrário dos dois poetas aqui mencionados, Sérgio Campos prima por uma concisão verbal, sendo por tal concisão pautado seu esplendor. Para ele o excesso consiste em um exercício absoluto de economia de meios. Seu duplo curso temático instaura uma tensão que nos conduz a uma aventura de natureza ontológica. Se até Móbiles de sal (1991) essas duas vertentes temáticas apenas compartilham o curso existencial dos livros, experimentam em A cúpula e o rumor (1992) uma audaciosa e feliz comunhão. Mitologia doméstica — elogio crítico da casa e seus elementos, recantos e cintilações —, aliada a um ideário épico de exílios e conquistas: eis aqui sua lúcida jornada imaginário adentro, caminho que o aproxima cada vez mais do sentido essencial de uma religiosidade cósmica — fonte inaugural de toda poesia —, inseparável de uma exaustiva exigência de procedimentos, recursos, ordenações. San Juan de la Cruz, Hölderlin, Perse, José Ángel Valente — seus vigorosos companheiros de viagem.

Pouco antes de sua morte Campos publicaria, não sem espantosa prenunciação, o livro Mar anterior. Poesia selecionada e revista 1984/94. Mais do que simples seleção de poemas de outros livros, aqui podemos falar de um livro outro, onde os poemas, além de revistos, apresentam nova disposição, atendendo aos temas que se mostraram, ao largo de dez anos de produção, mais entranhados em sua obra. Lendo agora Mar anterior confirma-se o que já havia assinalado em outra ocasião, ou seja, a incidência de uma epopéia íntima, como característica fundacional dessa poética. O próprio autor assim o comenta, em nossa correspondência pessoal: “realmente, o epos se coloca em in-tensão no poema que, no entanto, não é heróico, mas em essência lírico, o que lhe dá essa sensação de intimismo”.


— O soneto não é uma novidade em sua poesia (nem mesmo um artifício ditado por certos modismos); desde o primeiro livro que você o persegue (ou é perseguido por ele), contribuindo a estabelecer uma poética em sua obra. Recordo-me de você me haver dito certa vez: “Faço uma arte arcaica e assusto mais aos outros poetas que ao poder”. O que o teria exatamente levado a escrever sonetos?

— Fixei-me às formas clássicas da poesia. Isso advém de minha formação intelectual, de um interesse espontâneo pela linguagem, pela arte greco-latina. Também escrevo esta poesia porque me individualiza, por sinal a mesma motivação da poética de Góngora, como nos esclarece Ángel Pariente. Embora tenha figurado entre os novíssimos, no início da década de 60, em São Paulo, em torno do editor Massao Ohno, já meu primeiro livro, A casa dos elementos (1984), evidencia, com suas seis odes, creio, o rigor, a solenidade e o fervor quase religioso à palavra e à linguagem como espaço de celebração.

— Que dizer com relação aos que apontam seu dardo venenoso contra o soneto, acusando-o de decadente (como se o germe do déjà-vu pudesse ser inoculado nas formas literárias)?

— Não me cumpre defender o soneto-forma. Há quem diga, tomando por base elementos de análise literária, ou por absoluta perversidade, que o soneto cumpriu seu ciclo histórico. Que ciclo será este? Que evento fatal o encerrou? Que idade tem a poesia? É certo que, nos albores do século XVII, na Península Ibérica, o soneto, com Góngora e Quevedo, atingiu culminâncias. No entanto, já Fray Luis de León escrevera sob as luzes do século de ouro que “hablar no es comun, sino negocio de particular juyzio, ansí en lo que se dise como la manera como se dise”. Há, todavia, admiráveis sonetos escritos em nosso século, de absoluta modernidade. Ocorre que pesa sobre ele uma invencível maldição. O mau poeta, escrevendo em versos livres, é simplesmente mau; contudo, se escreve sonetos, eles é que não prestam… Ele exige muito do poeta e abriga essa fatalidade de consagrar ou destruir irremediavelmente. Marcam-me, mas não são maioria em meus livros.

— Anoto palavras de André Gide: “O artista ou o sábio não devem preferir-se à Verdade que pretendem anunciar (aí está sua moral). Não devem preferir a palavra ou a frase à Fantasia que querem ambos mostrar: diria que nisto reside toda estética”. Borges, por sua vez, dizia descrer das estéticas, afirmando que elas não passavam de “abstrações inúteis; variam para cada escritor e ainda para cada texto e não podem ser outra coisa que estímulos ou instrumentos ocasionais”. O que pensa a este respeito, você que já disse pertencer a “uma linguagem estética”?

— Minha estética é basicamente a da repetição. Não escrevo poemas semelhantes. Reescrevo um poema elevando a escrita à enésima potência. Webern já exprimia esta idéia ao escrever sobre suas Variações orquestrais: “Seis notas são fornecidas… e o que se segue nada mais é que esta forma repetida, sempre e sempre!” Ademais a linguagem como potência do inconsciente se afirma pela repetição. Ela define o mundo da representação. Como assinala Deleuze, “a repetição pertence ao humor e à ironia, sendo por natureza transgressão”. Sim, transgressão à lei moral, onde tudo é bom ou mau. Toda vez que repetimos contra a lei (mormente um prazer, uma sensação erótica, profana), a lei moral nos sanciona. Por outro lado é preciso imediatamente desacelerar a escrita. Não podemos concorrer com a velocidade vertiginosa dos fatos. A poesia dos fatos é efêmera. Cabe a propósito lembrar Borges, na palavra de seu interlocutor imaginário: “Ninguém pode ler dois mil livros. Nos quatro séculos que vivo não terei passado de meia dúzia. Além disso não importa senão reler”. Penso que reescrever educa/reeduca. Aliás, como diz um bom companheiro, não se escreve mais que meia dúzia de bons poemas na vida; os mais são repetição. Finalizando, em rumo à sua indagação, tenho um duplo de Borges a dizer em suas Sete noites: “O fato estético é algo tão evidente, imediato e indefinível, quanto o amor, o gosto da fruta, a água”. Fico com este, é claro.

— De acordo com John Cage, “toda influência deriva de nossa própria obra (e não de algo externo a ela)”. Acredita que as influências sejam causa ou efeito no contexto geral de uma obra literária? Seria possível enumerar as suas?

— O próprio Cage responde, a meu ver, a esta pergunta. Observa ele que “uma idéia, deixando a cabeça onde nasceu, volta transformada”. Noto que minhas influências, se assim posso dizer, resultam do retorno (o eterno retorno) das indagações que o poema, fazendo-se, me lança. É um processo demorado mas, cedo ou tarde, sem cerimônia, as palavras, circuladas, regressam em contraponto e desse embate resulta o poema. Hesito muito, portanto, em dá-lo como consumado. Tenho inúmeros poemas clamando serem resgatados aos livros em que os inumei. Planejo, a longo prazo, republicar poemas reescritos.

— É a experiência o que difere um poeta dos demais. Através dela identidades se erguem, não sem antes enfrentarem a ansiedade da realização e sua impossibilidade. A experiência poética habita os limites da palavra que a constrói. Onde se situam as margens de sua atividade criadora?

— Diria que a experiência com as palavras define o poeta. Ele precisa ter uma relação especial, única em relação a elas. Precisa delas como o próprio ar, de ouvi-las em busca de novos sons, poli-las, redescobrindo sob o azinhavre a legenda dos mitos, dispô-las em conjuntos para observar seus conflitos e conciliações, povoar delas seu pátio de utopias. Conquanto se tenha dito que a palavra ilude, ao operar a transformação da realidade em conceito, creio que se isto fosse verdade, estaríamos face a uma saudável trapaça. Diria mesmo, concordando com Canetti, que entre a palavra e os seres humanos os poetas preferem aquelas, embora se entreguem a ambos. Minhas margens de atividade criadora são, portanto, a primeira sílaba da primeira palavra de um conjunto e a última do movimento polifônico de vida que ela desencadeia. Poeta, para mim, é o ser capaz de realizar a experiência de fecundação da palavra, de fazer amor com elas, e de ser também amado nessa encantação.

— Bataille dizia que todo valor é sorte, “sua existência depende da sorte”. Você demorou mais de trinta anos para encontrar-se como poeta, e pode-se dizer que tal encontro tenha sido provocado por um acidente. Um golpe de sorte, certamente. Diria que o acaso rege nossas vidas?

— De fato, fiquei vinte anos sem escrever poesia. Entendi que tudo já havia sido escrito. Este recesso me fez muito bem e melhor ainda a meus raros leitores. Pude ampliar consideravelmente meu universo musical. Nutro pela música paixão idêntica à que devoto à poesia. Contém ela, portanto, esta característica de uma obsessiva busca da expressão musical. Curiosa, a propósito, a carta de Valéry a Gide, em 1891, dizendo: “Estou mergulhado até a cabeça no Lohengrin. Esta música me levará, assim o pressinto, a deixar de escrever”. Guardadas as proporções, ocorreu comigo fenômeno parecido. Quanto ao pensamento de Bataille, penso que voltei a escrever por uma necessidade interior surgida num momento de crise. Ao fazê-lo, contudo, senti-me como um adulto em busca de alfabetização funcional. Tenho desde então, principalmente na área de idéias, muito me aplicado para diminuir a margem insondável de minha ignorância.

— Você me disse certa vez: “Estou cansado de tantas causas. Há causas em excesso no mundo. Deixemos que a casualidade nos habite ainda que por um momento”. Até que ponto um escritor tem a obrigação de ver e denunciar as fraturas e faturas dos poderes do mundo em que vive?

— A frase reflete um estado de impaciência ante o mundo visto como uma máquina paranóica (daquelas de Deleuze & Guattari) de gerar crises. Estou farto de diagnósticos, dos laudos cadavéricos da realidade. Penso que muitos de nós estão a se portar como esquizóides, ancorados na infância do porquê, quando se mostra evidente que a crise decorre da própria sociedade em que vivemos. Quanto ao final da pergunta, penso não conferir à minha poesia um caráter salvacional ou evangelizador, mas é-lhe inegável a motivação humanizadora.

— Na verdade a crise é algo inerente ao próprio desfiar da história, sendo possível que através dela a arte se expresse. Contudo, nossa época me parece diabolicamente entorpecida à sombra de um foco (simulacro?) de crises. Uma cruel contradição deste final de século que ostenta a velocidade (mitos, conceitos, regras) como emblema inconfundível?

— Penso que há crise e crise. A natural, do homem, é permanente e não se precipita numa arte de ocasião. E há a crise-instituição, que é a de que falam os livros e sobre a qual trabalham os pensadores. Elas acontecem, são territorializadas e espacializadas e configuram verdadeiros rituais. Segundo bem expressa Cioran, malgrado divergência em tantos campos, “uma civilização começa a decair a partir do momento em que a vida torna-se sua única obsessão”. Se assim é, a chamada arte da crise deveria, por coerência, negar a história e a própria vida. Mas não é isso que costuma acontecer nas crises. Elas parecem ter o sinistro poder de aglutinar oportunistas em cortejos fúnebres, atropelando sepulturas, a brandir os estandartes das vanguardas. No entanto, segundo penso, a verdadeira arte é encontrada e resgatada sob as cinzas. Arte é o que sobrevive. Só o que sobrevive sabe reciclar-se e gerar novas formas de vida. A crise-instituição, histórica, civilizatória, talvez revele a arte ao deflagrar um processo, que pode vir a dar numa (re)avaliação e convalidação. Quando Blake, Van Gogh ou Artaud, por exemplo, criaram sua arte foram considerados loucos individuais, não seus tempos. Não creio em arte da crise. Esta, por sinal, em nossa época, transformou-se em rendosa indústria (como a velocidade, magia roubada aos mitos e, por obra da tecnologia, lacrada em motores). Crise consome crise. Já a arte, quando consome, consome quem a cria. É bem diferente. Pergunto-me se não será este fin de siècle o cenário de um paradoxo, ou seja, um mundo em mudança, no pensamento, na arte, e, nos salões, a celebração do fim de um milenar simulacro bíblico, num grande reveillon da burguesia, com muito champanhe, presunto e melão.

— Se, ao eleger mitos, na expectativa de “iludir o sistema”, a arte acaba caindo direto nos braços da ideologia dominante, então caberia ao artista, mais do que a simples negação do herói, a negação do próprio tempo do herói, não elegendo mitos sequer como sublimação do aflito. Seria esta então a fórmula que tornaria a arte insuscetível de ser absorvida, metabolizada ou, afinal, expelida pela ideologia dominante?

— Entendo que o sistema já metabolizou toda a contestação. A sociedade burguesa tem o fôlego de todos os gatos. Veja as graphic novels esgotadas nas bancas: o Capitão Marvel morre de câncer causado pela radiação atômica; New York está em chamas; o Homem-Aranha transforma-se em psicanalista (freudiano, creio); fantasmas líricos emergem da memória de um edifício que a especulação imobiliária demoliu… Negar o herói, portanto, não parece produzir maior efeito (elas já o negam), nem mesmo destruir mitos (eles os recriam para as mais diversas finalidades). A sublimação do aflito converteu-se na certeza de ainda fazer a quina sozinho. Restaria uma estratégia consistente numa corrosiva lógica original (“Se é possível a alguém ser processado e viver normalmente, então não há problema em ser processado”). Mas Kafka é sutil e as pessoas parecem não saber mais operar com a lógica. Contudo, mesmo contra as projeções e algumas evidências, penso que devamos continuar trabalhando, esgotando o que Octavio Paz chama “as possibilidades de saúde”. A capacidade de sobrevivência ilimitada do homem pode polarizar-se num milênio arrancado às vísceras de um nihil reativo.

— A arte moderna está ligada, como diria Marx, à perda do caráter?

— Marx se surpreendera com a capacidade da burguesia em criar e destruir, com a voracidade com que consome e recicla para gerar algum tipo de ganho. Ilustra-o com a epígrafe notável que é “tudo que é sólido se desmancha no ar”, utilizada por Marshall Berman em livro indispensável (à exceção de seu diabólico projeto de repintar o Bronx). Observa Marx que “…o capital transmudou toda a honra e dignidade pessoais em valor de troca”. E construiu seu sistema, a meu ver uma utopia que cabe discutir aqui. Contudo, sua visão da perda do caráter na arte da burguesia parece-me absolutamente correta. Pouco mais tarde Baudelaire viria a taxá-la de prostituição.

— Diria então que a arte já se converteu na própria “instituição burguesa do poético” (conforme expressão de Luís Costa Lima)?

— A classe dominante fez de seus subsistemas, na arte, um corredor cultural por onde trafega há já duzentos anos o modernismo como expressão da “liberdade de criar”. E aí está ele, com algo da “velha dama indigna” que hoje faz de seu fetiche (ainda) a produção do novo. Seria uma estupidez negá-lo, mas suas obras fundamentais já haviam sido quase todas geradas no final dos anos 20. Na música e nas artes plásticas diviso ainda hoje esta modernidade (conceito tão discutido, para alguns vazio). Mas na literatura, mormente após a Segunda Guerra, pouco de importante aconteceu. Ao contrário, assusta-me essa geração crescente de estéticas descartáveis a serviço da indústria cultural, ao lado do hortus conclusus de intelectuais e artistas de elite (alguns deles — reconheço — de invejável competência) a administrar a arte de vanguarda deste século como propriedade privada. O pós-modernismo teve o mérito de abrir essa caixa-preta, trazendo consigo a saudável idéia de que uma visão do mundo não supera outra, convive com ela, na feliz expressão de Teixeira Coelho, resgatando o humanismo à fenda histórica que o devorara. Todavia, deixou-se abandonar de compromissos e projetos, ficando à mercê da mídia, que o reconverteu à arte-moda no mundo burguês, que se alimenta de seu abismo. Isso resulta, a meu ver, em paradoxo, pois as pessoas que vivem a moda e correm alucinadamente contra seu próprio espelho, estão, no íntimo, emitindo patético apelo por um mínimo de solidez e confiança. Talvez aqui encontre a força de um compromisso: tentar, com rigor e consistência, a tradução poética desse apelo.


* Entrevista incluída em Escritura Conquistada (Diálogos com Poetas Latino-americanos), de Floriano Martins, livro publicado pela Letra & Música Comunicação, convênio entre Biblioteca Nacional (RJ) e Universidade de Mogi das Cruzes (SP).

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

     
 
Wilson Martins

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)
 

 

 

 

 

 

 

 

 

Winterhalter Franz Xavier, Alemanha, Florinda

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Sérgio Campos

 

Obra Poética

  1. A casa dos elementos, Achiamé Editora,  Rio de Janeiro, 1984.

  2. Bichos, Edição do autor, Rio de Janeiro, 1985.

  3. Ciclo amatório, Scortecci Editora, São Paulo, 1986.

  4. Montanhecer, Scortecci Editora, São Paulo, 1987.

  5. Nativa idade, Mundo Manual Edições, Rio de Janeiro, 1990.

  6. O lobo e o pastor, Mundo Manual Edições, Rio de Janeiro, 1990.

  7. As iras do dia, Mundo Manual Edições, Rio de Janeiro, 1990.

  8. Móbiles de sal, Mundo Manual Edições, Rio de Janeiro, 1991.

  9. A cúpula e o rumor, Mundo Manual Edições, Rio de Janeiro, 1992.

  10. Leitura de cinzas, Mundo Manual Edições, Rio de Janeiro, 1993.

  11. Mar anterior (poesia selecionada e revista 1984/94), Mundo Manual Edições,  Rio de Janeiro, 1994.

 

   
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sérgio Campos


ABISMO DE UM REI

 

Posso deixar
rastros de ouro onde passe
que ninguém me seguirá
porque assusto os sóis
Posso afligir e sangrar
que a ninguém vingarei
pois ao rei pertence
o inimigo do rei
Posso isolar-me
em sedas e palácios
que nem a sombra
me visitará
Posso partir
os olhos do espanto
que nem o medo
me será fiel
Será preciso
adormecer com as águas
regressar ao exílio
erguer a pedra
do insepulto herói
para que saibam
quem sou

 

TARTARUGA
 

Como vieste para contemplar
a natureza para além dos termos
de vida e morte reciclando tempos
há que mostrar-te o homem como existe
É perenal o rito de quem nasce
a obsessão de seres tão efêmeros
em resgatar a vida à ampulheta
da inexorável rota para o fim
Embora apiede o pânico domado
da morte mascarando suas vésperas
na doce epifania da uberdade
caminha o homem breve sobre a terra
e o mais é rito e ambição que cria
erguendo casas como sepulturas

 

 

ELOGIO DA SOMBRA
 

Do branco à sombra
tudo são inverno
são elegia
no pórtico da noite vertical

Sucumbiremos nela
palco da beleza serena
com nossas abstrações velhas
e nosso horror à realidade

Poeta loucos
músicos surdos
pintores cegos
— do que é feita a arte

sucumbiremos
para renascer
sem calendários e roda
de fiar

 

Remetido por Floriano Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.12.2008