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Telmo Padilha

 

5.5.1930, Itabuna, BA - 16.7.1997, Itabuna, BA

Thomas Colle,  The Return, 1837
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:

 

 


Fortuna crítica:


Uma notícia do autor: 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Velazquez, A forja de Vulcano

 

Sandro Botticelli, Saint Augustine, Ognissanti's Church, Firenze

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

 

Cyro de Mattos

 


A Poesia  Encontrada de Telmo Padilha

                                                              

Há quem diga que a melhor poesia produzida  hoje no Brasil está no Nordeste. A afirmação pode soar exagerada, mas deve ser considerada como procedente  com relação a alguns nomes que revelam em sua fatura poética uma produção  da melhor qualidade. O baiano Telmo Padilha em Itabuna, o pernambucano Marcus Accioly no Recife e o cearense Francisco Carvalho em Fortaleza  são nomes, por exemplo,  que se inserem na pertinência da observação.

Sabe-se que a  lavra do cacau no sul da Bahia fez nascer uma literatura original que ocupa lugar de destaque nas letras brasileiras. Do poderoso conjunto de prosadores e poetas nascidos da civilização do cacau no sul da Bahia,  o poeta Telmo Padilha é um dos poucos nomes que, vivendo em sua região, teve reconhecimento nacional de sua obra. Além de ampla fortuna crítica, prêmios literários importantes,  o poeta de O Anjo Apunhalado possui   obras publicadas no exterior.

Fora os livros O Rio e O Punhal no Escuro, o primeiro com ressonâncias localistas, o segundo com incursão no erótico, além de  alguns poemas motivados pelo modo singular de vida da região cacaueira baiana,  a poesia de Telmo Padilha é marcada em geral pelo questionamento do ser na existência. O  conteúdo poético do seu discurso é formado de  incertezas e angústias, perplexidades do existir que geram conflitos de natureza agônica, através de linguagem aparentemente fácil.

Poesia Encontrada, antologia pessoal constituída de poemas selecionados dos livros Girassol do Espanto (1956), Ementário (1976), Onde Tombam os Pássaros, O Aprendiz da Neve (1976), Pássaro/Noite (1977) e Travessia (1978), resulta em amostragem convincente dos rumos e particularidades  do discurso de  Telmo Padilha. Articulado nas relações do homem com a totalidade, em que afetividades e efetividades críticas intercomunicam-se,  dubiedades persistem, seus versos aglutinados por vias e arredios de inconformismo  vazam da alma   sentimentos pulsando  abismos e enigmas.

Ao comentar o livro Vôo Absoluto, o poeta paulista Geraldo Pinto Rodrigues chamou de cediços e já gastos os temas poéticos de Telmo Padilha. A referência do autor de Via e Veia a nosso ver não procede, dado que problemas relacionados com o eu lírico, angústia, solidão, incomunicabilidade, enigma da vida e da morte, permanecem até hoje como inquietações questionadoras do destino humano. Tornam-se temas eternos da poesia universal nas vozes maiores  de Cesário Verde, Antonio Nobre, Rilke, Holderlin, Fernando Pessoa, Jorge de Lima e Cecília Meireles, dentre outros. Em Telmo Padilha, inquietudes líricas externadas pela palavra que extravasa estados agônicos situam seres e coisas no círculo do inexorável, alcançando camadas insuspeitadas  da verdadeira criação poética.

Os poemas desse compulsivo poeta sul-baiano são na maioria das vezes estruturalmente bem realizados. Muitos deles falam da nossa ambígua condição humana quando então aborda o absurdo da ilusão no existir enquanto dura a vida, e a noite não vem para sepultar o dia.  “Dualidade”, um dos poemas que  admiro, faz pensar sobre a nossa condição difícil  de existir e encanta por sua beleza definitiva. O poeta externa seu duplo com agudo subjetivismo,  solidão incontornável,  acúmulo de perdas, entre a luz de si e sombra do outro. Em seu discurso transtornante, ele nos diz:

 

Decifrar-me não tentes: o que sou

 está contido em palavras e escombros

harmoniosamente dispostos;

o rosto é apenas a aparência,

meu arsenal

meu exército

 

Um pobre exército de perdidas batalhas.

Já o vês: sou duplo, na luz e na sombra

trafego entre mim e o outro, o que mente

mas transluz verdadeiro;

é lamentável que assim te fale,

mas não há outra forma.

 

Armas e esperanças tenho-as escondido

nos escombros que lavro, e não sabes.

São muito perigosas.

Mas não as procure,

para que não me aches

senão onde me encontro como agora,

diante de teu olhar perplexo.

 

Muito justo dizer que a poesia de Telmo Padilha sustenta-se de verdades essenciais em evidente questionamento da existência, fornecendo uma melhor visão, funda, profunda, do mundo composto de ordem  e incoerências.


 

    

* Cyro de Mattos conquistou no ano passado o Troféu de Prata San Marco do Prêmio Internacional Maestrale Marengo D’Oro, em Gênova, Itália, duas vezes, com “Poesie Scelte” (Poemas Escolhidos), breve antologia, que será publicada neste ano pela Editora Escrituras (SP), e “Cancioneiro do Cacau”, Ediouro Publicações (Rio). Clique para sua página no JP

 

          

 

 

Adriana Zapparoli

 

Ana Guimarães

 

 

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), Girl, detail

 

 

 

 

 

 

Biobibliografia de Telmo Padilha

 


 

 

Nasceu em Ferradas, em 5 de maio de 1930,  quando a vila era um distrito do município de Itabuna, no sul da Bahia. Faleceu em 17 de julho de 1977, em acidente automobilístico. Iniciou-se no jornalismo em Itabuna, teve  passagem na imprensa do Rio de Janeiro, na década de 50, e de retorno a Itabuna ingressou na CEPLAC, órgão de assistência e defesa da lavoura cacaueira. Estreou com “Girassol de Espanto”, de 1956, e deixou inúmeros  livros de poesia, com destaque para  “Onde tombam os pássaros” (1974), “Canto Rouco” (.1977), “Vôo Absoluto” (1977), “Travessia” (1979), “O Punhal no Escuro” (1980) e “Noite contra Noite” (1980). Com “Vôo Absoluto” conquistou o Prêmio Nacional de Poesia do Instituo Nacional do Livro e o Prêmio Internacional de Poesia San Rocco, na Itália. Está presente em antologias no Brasil e exterior. Tem livros de poesia publicados na Inglaterra, Japão, Itália, Suíça e Uruguai. De sua poesia, disse Manuel Bandeira que “é rica de símbolos e metáforas”, enquanto Carlos Drummond de Andrade observou que  “em Telmo Padilha a poesia se faz sentir e amar pela concentração e o poder de síntese.”  Adonias Filho destaca que “os valores constantes são humanos e, em conseqüência, universais e eternos: a morte, o medo, o tempo, o nada, a memória. Circunscrita a esses valores, invulnerável a qualquer exterioridade, a poesia de Telmo Padilha pode converter-se  em um marco que congregue  toda a sua geração.” Já Cyro de Mattos alude a uma  “poesia reflexiva nas indagações existenciais, mas  emotiva na maneira própria de oferecer sutilezas líricas. Vida, morte, incomunicabilidade, infância, solidão, a criatura humana cercada pela fugacidade do tempo, entre rastejos e vôos absolutos, na sua difícil travessia feita de cantos roucos, é a temática que o poeta procura sempre se mover dentro de ressonâncias agudas. E dessa atmosfera  captada na aventura que o  indivíduo comporta ao assumir o mundo, feita de abismos e enigmas, lucidez, pobreza, sofrimento, insônia, o autor de “Onde tombam os pássaros” consegue, numa expressão límpida,  um dos momentos mais belos  da poesia contemporânea brasileira. “

 

          

 

 

Adriana Zapparoli

 

Ana Guimarães

 

 

 

 

 

 
William Blake, Death on a Pale Horse

 

 

 

 

Um esboço de Leonardo da Vinci, página do editor

 

 

Telmo Padilha

um pequeno bloco de poemas

(Seleção de Cyro de Mattos)

 

Sina

 

Quem deu a esse homem

Seu destino de homem?

E por que há de cumprir

Entre o começo e o fim

Sua jornada, exposto

À sua fração do nada?

Quem o fez pássaro

Por instantes

Para a noite que o sabe

Ausente de asas

Ante o mar que o traga? 

 

 

 

Antes da Queda

 

        A Emanuel Massarani

 

Ou fosse a queda do pássaro, ou fosse

Em céu tão azul seu canto abafado;

Ou no seu desprender-se o infinito

Desejo insopitado de um grito;

Ou fosse a dor de não contê-lo

Em minha mão, antes da queda,

Fosse o que fosse, um presságio

De mim se apossou: por que detê-lo

Ao rapto desse azul infinito,

Se maior que o dele era o meu grito?

 

 

Fora de Alcance

 

Esse estar não é estar aqui.

Recolhe, portanto, tuas armas.

Dores mais fundas te dispersaram

Em tantos corpos, tantas almas,

Que só pássaros as escalam.

Sou aquela estrela que não alcanças.

Sou aquela dúvida que te cansa.

Sou aquela ofensa que te gasta.

Sou tudo que temes.

Sou o vinho e o fel de tua taça.

 

 

Poema Nada Executivo

 

 

Circulas neste ar que respiro

E quase sinto teu hálito:

Não o confundam as rosas.

Poeira líquida e antiga,

Penetras o ar condicionado

Dos escritórios onde me suicido.

És meu pássaro, minha bússola,

Meu compromisso, circulas.

 

                                 Súbito

 

Pousas no rosto

Do amortalhado chefe,

Seu bigode colores

Com mãos súplices

Mas o chefe

Já está morto.

No carmim de seu rosto

Adormeces

Espalhados nos papéis

Em estranho expediente.

A um canto

A cesta

Leve túmulo

Sepulta o gesto.

 

Os Mortos Esperam

 

Os mortos esperam,

Os mortos esperam

Por seus mortos.

 

Os mortos não estão sós.

Estão com suas memórias

Que a ferrugem não trespassa.

 

Sérios graves os mortos

Não dormem nem estão sós

E esperam.

 

 

A Caminho da Fazenda

 

No pó da estrada

Entre Itabuna e Macuco,

Eu me perdia. A montaria

Marcava o passo

Do coração em descompasso

E era dia. Mas à noite

O andar era suave

Entre o pássaro calado

E o casco que catava

Vaga-lumes sobre as pedras.

Íngreme subida, o suor

Do cavalo e do cavaleiro,

A montanha estava ali.

Uma luz longe. Um pio

De pássaro na passagem.

 

Lembrança da Última Visita

Que Fiz ao Poeta Sosígenes Costa

 

Sosígenes só

Entre gravuras da China.

Lá em cima, íngreme subida

Na ladeira em arco.

Ilhéus rebrilhava ao longe.

Pavões sobre a tarde.

Sosígenes na cozinha

Assando um pato.

O sherry no cálice,

O cálice na tarde.

Rebrilhava Ilhéus ao longe.

Sosígenes sofisticado,

Em burguês disfarçado.

Relatos da china

Onde nasce um povo novo.

Sutil acusação aos poetas

Que exaltavam Stalin...

Confissões pavônicas

No silêncio da tarde.

Sosígenes copacabânico

De azul, os sapatos

De verniz para o asfalto.

Jovem rapaz na tarde.

Súplicas febris na tarde.

Ilhéus rebrilhava ao longe.

 

 

 

O Punhal no Escuro

 

I

 

Como juntar dois corpos

Num mesmo corpo, para que não haja

Luta mais que esta

De sofrerem juntos

A condenação de existirem?

Dois sexos e um único sexo

Na amplidão do leito,

Nos lençóis de cada pleito.

Passivo ou ativo ímpeto.

Como juntá-los, assim tão diversos,

Para que não disputem o espaço

No vácuo de um mesmo abraço?

Para que, se há luta, seja entre

O que força a saída

E retorna ao mesmo ventre.

Como quem se despede (sempre)

E nunca parte? 

 

 

Antropofagia

 

A fruta

Devora os dentes

Que a devoram;

O esmalte,

O tártaro,

A protelada

Cárie,

O sorriso.

A fruta

Deglute o

Apetite

Qual polpa

Deliciosa do nada.

 

Canção

 

Chamo-te flor,

Mas és pedra

Em alto cume,

Jamais lume

Para minha noite.

 

Chamo-te rosa,

Rosa-flor, espinho-rosa,

Inodora, indolor

Rosa sem nenhuma cor..

 

Rosa sem rosa, rosa-flor

Ao acaso, por ser rosa

Dos olhos mas não da vida,

Essa vida em que o a rosa

É uma coisa impretendida.   

   
 
Culpa

 

Andréa Santos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7.7.2007