A Poesia Encontrada de
Telmo Padilha
Há quem diga que a melhor poesia
produzida hoje no Brasil está no Nordeste. A afirmação pode soar
exagerada, mas deve ser considerada como procedente com relação a
alguns nomes que revelam em sua fatura poética uma produção da
melhor qualidade. O baiano Telmo Padilha em Itabuna, o pernambucano
Marcus Accioly no Recife e o cearense Francisco Carvalho em
Fortaleza são nomes, por exemplo, que se inserem na pertinência da
observação.
Sabe-se que a lavra do cacau no sul da
Bahia fez nascer uma literatura original que ocupa lugar de destaque
nas letras brasileiras. Do poderoso conjunto de prosadores e poetas
nascidos da civilização do cacau no sul da Bahia, o poeta Telmo
Padilha é um dos poucos nomes que, vivendo em sua região, teve
reconhecimento nacional de sua obra. Além de ampla fortuna crítica,
prêmios literários importantes, o poeta de O Anjo Apunhalado
possui obras publicadas no exterior.
Fora os livros O Rio e O Punhal
no Escuro, o primeiro com ressonâncias localistas, o segundo com
incursão no erótico, além de alguns poemas motivados pelo modo
singular de vida da região cacaueira baiana, a poesia de Telmo
Padilha é marcada em geral pelo questionamento do ser na existência.
O conteúdo poético do seu discurso é formado de incertezas e
angústias, perplexidades do existir que geram conflitos de natureza
agônica, através de linguagem aparentemente fácil.
Poesia Encontrada, antologia
pessoal constituída de poemas selecionados dos livros Girassol do
Espanto (1956), Ementário (1976), Onde Tombam os
Pássaros, O Aprendiz da Neve (1976), Pássaro/Noite
(1977) e Travessia (1978), resulta em amostragem convincente
dos rumos e particularidades do discurso de Telmo Padilha.
Articulado nas relações do homem com a totalidade, em que
afetividades e efetividades críticas intercomunicam-se, dubiedades
persistem, seus versos aglutinados por vias e arredios de
inconformismo vazam da alma sentimentos pulsando abismos e
enigmas.
Ao comentar o livro Vôo Absoluto, o
poeta paulista Geraldo Pinto Rodrigues chamou de cediços e já gastos
os temas poéticos de Telmo Padilha. A referência do autor de Via
e Veia a nosso ver não procede, dado que problemas relacionados
com o eu lírico, angústia, solidão, incomunicabilidade, enigma da
vida e da morte, permanecem até hoje como inquietações
questionadoras do destino humano. Tornam-se temas eternos da poesia
universal nas vozes maiores de Cesário Verde, Antonio Nobre, Rilke,
Holderlin, Fernando Pessoa, Jorge de Lima e Cecília Meireles, dentre
outros. Em Telmo Padilha, inquietudes líricas externadas pela
palavra que extravasa estados agônicos situam seres e coisas no
círculo do inexorável, alcançando camadas insuspeitadas da
verdadeira criação poética.
Os poemas desse compulsivo poeta
sul-baiano são na maioria das vezes estruturalmente bem realizados.
Muitos deles falam da nossa ambígua condição humana quando então
aborda o absurdo da ilusão no existir enquanto dura a vida, e a
noite não vem para sepultar o dia. “Dualidade”, um dos poemas que
admiro, faz pensar sobre a nossa condição difícil de existir e
encanta por sua beleza definitiva. O poeta externa seu duplo com
agudo subjetivismo, solidão incontornável, acúmulo de perdas,
entre a luz de si e sombra do outro. Em seu discurso transtornante,
ele nos diz:
Decifrar-me não tentes: o que sou
está contido em palavras e
escombros
harmoniosamente dispostos;
o rosto é apenas a aparência,
meu arsenal
meu exército
Um pobre exército de perdidas batalhas.
Já o vês: sou duplo, na luz e na sombra
trafego entre mim e o outro, o que
mente
mas transluz verdadeiro;
é lamentável que assim te fale,
mas não há outra forma.
Armas e esperanças tenho-as escondido
nos escombros que lavro, e não sabes.
São muito perigosas.
Mas não as procure,
para que não me aches
senão onde me encontro como agora,
diante de teu olhar perplexo.
Muito justo dizer que a poesia de Telmo
Padilha sustenta-se de verdades essenciais em evidente
questionamento da existência, fornecendo uma melhor visão, funda,
profunda, do mundo composto de ordem e incoerências.
* Cyro de Mattos conquistou no ano passado
o Troféu de Prata San Marco do Prêmio Internacional Maestrale
Marengo D’Oro, em Gênova, Itália, duas vezes, com “Poesie Scelte”
(Poemas Escolhidos), breve antologia, que será publicada neste ano
pela Editora Escrituras (SP), e “Cancioneiro do Cacau”, Ediouro
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