Admirável
escritor/poeta Soares Feitosa:
Gostei
deveras da prosa e projeto Edições Cururu. Lembrei-me de uma
modinha que ouvira e participara dos folguedos de infância, nos
terreiros em noite de lua cheia: ..."sapo cururu da beira do
rio, quando o sapo canta ó maninha é que está com frio"...
Nordestina,
dos sertões de Pernambuco, porém meio cearense, devido a minha
ancestralidade materna: percorri no lombo de cavalos léguas e léguas
as plagas do cariri e outras cercanias do Ceará: Barbalha (Sítio
Cocos, Roncador), Brejo dos Santos, Porteiras (Massapê), Jati.
Por lá meus bisavós e avós maternos possuíam
propriedades e engenhos.
Este
magnífico texto "Estudos & Catálogos - Mãos", do
escritor Soares Feitosa, - prefácio quase ensaio do livro Recordel de Virgílio Maia, é sem dúvida alguma, uma obra de
arte literária das mais originais. O ludicismo, o lirismo e o
realismo do autor ao tratar das coisas da ambiência nordestina,
de forma tão profunda e autêntica, fez-me reportar qual quadro
vivo aos idos da minha infância por aquelas paragens.
Soares
Feitosa metafórica, inconsciente e ou conscientemente, resgata o
universo sertanejo, nos fazendo ouvir o aboio do vaqueiro, o
relinchar dos cavalos, o chocalho do gado e bodes, os bacorinhos,
os bezerrinhos desmamados, os burros e jumentos. Os baldes de
leite e o cheiro dos currais, a coalhada, as farinhadas, a
prensagem do queijo de manteiga, cujo dia era uma festa: os fios
de queijo no alguidar cozendo no fogo de lenha, e a criadagem
disputando a raspa do alguidar para dali fazer uma boa farofa..
"Chouriço" era outra festa: o doce feito do sangue do
porco com gergelim pilado no pilão e rapadura, temperado com
pimenta e cravo. É de dar água na boca, tão delicioso doce!
Nem
tudo era uma festa e um doce: O mugido e berro do gado sendo
ferrado com o ferro quente em brasa, com o "logotipo" do
fazendeiro. E como traz a propriedade privada berros e lágrimas!
Meus avós maternos ficavam sôfregos com aproximadamente mil cabeças
de gado na serra do Araripe, na iminência de serem roubadas ou
atacados por bandos de cangaceiros, e assim teriam que vender
diversas cabeças para pagar o resgate. Isto ocorreu com minha avó
materna em relação ao bando de cangaceiros denominados "Os
Marcelinos".
Do
alpendre, ao levantar da rede, o avistar dos canários e assum
preto, de Luiz Gonzaga, os gibões, selas e baús, herança dos
artesãos da península ibérica, o ecletismo cultural árabe, -
povos pastores, estes, além de conduzir os rebanhos de ovelhas,
trabalhavam muito bem o couro.
O
crochê, renda de almofadas, com fios de algodão, a partir de
bilros e espinhos de mandacaru, artesanava-se para enfeitar as
sertanejas, amenizando seu caráter rijo. Que sertões étnica e
belamente ecléticos: portugueses, índios, negros, cristãos
novos, árabes, tudo fundido num caldeirão de cinco séculos-
travestidos
de brasilidade, cujo lirismo e realismo ao mesmo tempo, imprime
uma magia inigualável.
Tudo
isto o autor, escritor e poeta Soares Feitosa resgatou neste texto
fantástico, quase prosa lírica: não fica a dever a Guimarães
Rosa, Graciliano Ramos, Humberto Eco de O Nome da Rosa, Gabriel
Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão. E ao escritor e teatrólogo
paraibano, Ariano Suassuna.
O
autor foge ao lugar comum, a intertextualidade de leve; entre o
erudito e o popular, tece milagrosamente a ficção e o real; se
abraçam para caracterizar as mil e uma ma noites dos contos
nordestinos. Texto singular e rico, beirando as margens do épico.
E
assim encerro esta singela apreciação, semioticamente quase
sentindo o cheiro agradável do capim-santo, da terra quente
molhada com as primeiras chuvas de janeiro, o som do aboiar do
vaqueiro; a
coreografia da anágua rendada e gomada das moças casadoiras,
para ir a missa do domingo e a festa da padroeira.
Fechando
estas breves impressões, pois longe de crítica
literária, invoco o cientista social Euclides da Cunha, com frase
indelével e tão atual: "O sertanejo é antes de tudo um
forte"!
Com
um abraço fraternal de uma nordestina, meio cearense,
Maria do Socorro
Cardoso