Encontros
imprecisos, de Webston Moura
pardais aveludam o nascente
há pedras orvalhadas no terreiro
Webston Moura
Recebo pelo correio,
presente do escritor Dércio Braúna, mais um lançamento
poético do meu chão cearense. Desta feita de um filho de
Morada Nova: Encontros imprecisos: insinuações poéticas, de
Webston Moura, Fortaleza: Imprece, 2006.
Webston nasceu em Morada
Nova, cresceu em Limoeiro do Norte e, atualmente, reside em
Russas, interior do Ceará.
Ao folhear o tomo, a
informação: "A presente obra foi selecionada no II Edital de
Incentivo às Artes da Secretaria de Cultura do Estado do
Ceará - 2004/2005." "É o governo cearense dando chances aos
novos talentos que se encontram fora das igrejas literárias
da capital alencarina." - pensei.
Dividido em três partes:
Primeiro Passeio, Segundo Passeio e Terceiro Passeio, a obra
é um todo homogêneo, apesar de conter uma ligeira
diversidade temática. Impera o despojamento rimário, em
versos, quase todos, construídos com sentenças livres,
aparentando uma independência enganosa, mas que, na verdade,
ao final, moldam um mosaico singular e bem estruturado:
"cios de mim se procuram/ o primeiro passo voa abismo/ o
inesperado dormia na fenda"; "quisera tracejar ostras em
cortinas/ e tudo é barro ainda sem forma/ um náufrago é um
guia às avessas/ dias urgem cabisbaixos/ meu tino alisa
miras no cotidiano".
Fragmentário, sim, como é
comum aos vezos do universo jovem, ainda em crise de
assunção lírica e refém dos profundos embates, tão afeitos à
'redenção' criadora: "as intestinas lutas se acossam/ pausa
no chá verde-cidreira/ a infância ri em sua infância/ medos
e desejos afiam estratégias"; numa espécie de lógica póstera.
Algumas vezes, impera, na
poética de Webston Moura, uma profusão de vocábulos
herméticos, ora bem-postos, ora sob o signo perigoso da
"sapiente erudição" ("toda agonia acinzenta o organismo/
anodinias desalargam tremoceiros...").
Suas construções mais
soltas falam melhor do seu eu interior, das suas
inquietações filosóficas, do seu encontro, inquieto e
amargo, com o impreciso da vida: "não se mexe no solar das
borboletas/ nomes apodrecem nas paredes".
O poeta se denuncia, quando
se anuncia nos desvãos de "Caliças": "e sou eu forma
disforme na maré de bilhas/ uma pessoa em identidade e lugar
local/ eu e meus ganchos de evadidas pronúncias/ sou olhando
o espelho e comendo arroz/ penso no lastro do poço fundo/
cultivo dragões e nomes de pessoas/ estou aqui entre os (des)semelhantes/
minhas caliças amalgamaram-se com amores/ minhas palavras
são o que conseguem".
No metapoema "Alma de
lacrau", Moura assume, como se por entre dentes, ares de
sugestiva contenção: "o poema e eu em trens sem trilhos/
nenhuma data rezinga na solidão de agora", pois bem sabe
ele, como vaticina em "Crostas", que "o mínimo no dizer é
para gatilhos rápidos/ (...)/ é no mármore que não
esquecemos/ coisas do poema empoeiram a despensa". Sem falar
em "Sábios saibros": "grito até o grito vir pra dentro/ água
dura em triste dia tanto fala que tropeça".
E, assim, em meio a um
caudal poemático excêntrico, Webston Moura navega em oceanos
de "Um mapa-múndi" bizarro e sentimental, fincando âncoras
repletas de amarras novas e raros disfarces: "meus incensos
de velame ascendem às corujas/ ao ar estão os olhos de
outras medusas/ entro no quarto e deito minguante/ há rugas
felizes nas pouquices dos caibros/ em mim entram o puir e o
conjugar/ estou em pejos e desatinos irreverentes/ meu
mapa-múndi transvasa imprecisões".
Em "Quase-rubro", "o
silêncio está pessoa há tanto tempo/ as roupas não usadas
cultivam poeira/ dentro das paredes dorme a água remota...".
Existe um ar de imprecisão
nesses versos inaugurais de Webston Moura, há um jeito de
quem se finge perdido para debulhar melhor os seus achados,
num dédalo sem fim, na "noite onde os mitos fazem festa".
Incauto, o leitor frui por entre tais mormaços, como a
querer "dormir em contra-senso no siso do calor/ cantar o
crepom dos insetos em meio às chuvas/ esquecer as mãos
molhadas de vinagre sobre o rosto/ deixar que os remos digam
os rumos do vagar...".
É preciso ter arte e magia
para "assimilar confrontos e conformidades de hidras/ ter
gaguez para disjungir discursos mortos", e o novo aedo
Webston compõe "um traço torvo", sem embargo, belo e
singular, onde "inclui necessária turbulência", e, quando
assim o traduz, acata "o recato e o estrupício na mesma
caneca" poética. Em bendita nutrição de palavras, colocando
"óleo nas dobradiças enferrujadas", posto que "o corpo da
musa colore a rua antiga".
Somos cientes de que
"andamos iracundos/ num mundo guenzo", e Moura
confidencia-nos: "tenho a resina das tardes/ me resenho em
minhas sombras", "estou nos vincos dos pássaros", "cresço na
pulsão do mundo/ onde muitos sentem fome/ de comida e de
paisagem".
Estreia assim deve ser
festejada, sempre, "antes que os relógios/ parem/ e os
sonhos/ pereçam". Nos poemas de Webston Moura, reluz "O sol
de dentro", fulgor apenas acessível aos bafejados pelo
deífico sopro da Poesia: "solidão indeseja claustros para
si/ misérias enlouquecem o eros dos seres/ oceanos se bastam
a si sem arrogâncias/ uma pessoa para dentro se dobra/ fora
de si um sol revela reminiscências/ nanicas palavras sonham
asas/ o cotidiano em mistério se vive/ hormônios drapejam
tédios". Encontros (im)precisos no debute literário de um
valoroso vate: "o poeta e seu lápis de pão ázimo/ com
azougue nas têmporas/ e um cavalo nas veias/ atenta contra a
afasia geral/ que esteriliza o imaginário".
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